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O ex-ministro Antonio Palocci disse nesta quarta-feira (6) ao juiz Sergio Moro que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva firmou com a Odebrecht um “pacto de sangue” no qual o governo do PT atenderia aos interesses da empreiteira e a construtora se comprometia a pagar R$ 300 milhões em propinas ao partido entre o final da gestão de Lula e os primeiros anos de Dilma na Presidência. Palocci ainda confirmou que a compra, pela empreiteira, de um terreno de R$ 12,4 milhões, em São Paulo, para a nova sede do Instituto Lula era pagamento de propina, conforme denunciou o Ministério Público Federal (MPF).

“Os fatos narrados na denúncia são verdadeiros”, disse Palocci a Moro logo no início do depoimento, referente ao processo em que Lula é réu no caso do terreno. “Eu diria apenas que os fatos narrados nessa denúncia dizem respeito a um capítulo de um livro um pouco maior, do relacionamento da empresa em questão, da Odebrecht, com o governo do ex-presidente Lula e da ex-presidente Dilma – que foi uma relação bastante intensa, bastante movida a vantagens à empresa e a propinas pagas pela Odebrecht a agentes públicos em forma de doação de campanha, em forma de benefícios pessoais, de caixa 1 e caixa 2.”

Lula, em nota, diz que depoimento de Palocci é contraditório

Palocci afirmou ter conhecimento desses fatos por ter sido ministro da Fazenda de Lula e da Casa Civil no governo Dilma. E também por ter participado, como coordenador, de campanhas presidenciais tanta de Lula quanto de Dilma.

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Interlocutor dos “anseios”

O ex-ministro confirmou ter sido um interlocutor dos “anseios da Odebrecht” com os governos do PT. Palocci disse ter contato com dirigentes da empresa desde 1994 – antes do PT chegar ao poder. “Eu me tornei amigo dos principais dirigentes da empresa. (...) Eu tratava de todos os temas com eles, inclusive de temas ilícitos.” Ele afirmou que pediu dinheiro da empresa “principalmente para campanhas presidenciais”, mas não soube dizer se a empresa fez pagamentos para o marqueteiro João Santana, de Lula e Dilma, no exterior. Ele afirmou ainda que a Odebrechet fez doações ilegais para campanhas dele próprio.

Palocci afirmou ainda que as relações da Odebrecht com o governos nos dois mandatos de Lula “foram muito fluidas” e “intensas”, embora não tenha sido permanentemente pacífica. “Tudo o que eu pedia, eles atendiam.” A “fluidez” no caso da Odebrecht se verificava em projetos governamentais e também em campanhas eleitorais: “A maior parte [do financiamento eleitoral] por caixa 1, mas muitas vezes o caixa 1 era originário de contratos ilícitos”.

Moro então perguntou para Palocci exemplificar casos. O ex-ministro afirmou que “quase todos” os contratos da Petrobras eram ilícitos. Ele afirmou não ter participado da negociação de propina em todos esses casos, mas disse conhecer que o esquema ocorria. “Eu conversava com o presidente Lula [sobre a corrupção na Petrobras].”

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Dilma: a causa do pacto de sangue

Segundo o ex-ministro, a relação da Odebrecht com o governo piorou em 2010 – quando Dilma era ministra de Lula. A Odebrecht fez o estudo para construir duas hidrelétricas no Rio Madeira, na Amazônia. E Dilma tinha resistência em permitir que a construtora tocasse as duas usinas. A então ministra trabalhou contra o pleito da empresa e venceu: a Odebrecht acabou perdendo a licitação de uma das obras e ganhou a de outra, mas com um preço muito ruim para a empresa.

Arestas de Dilma precisaram ser “aparadas” para a máquina da corrupção funcionar.

Quando a presidente Dilma foi tomar posse, a empresa entrou em um certo pânico”, disse Palocci. “Foi nesse momento que o doutor Emílio Odebrecht [pai do então presidente da empresa, Marcelo Odebrecht] fez uma espécie de pacto de sangue com o presidente Lula. Ele procurou Lula nos últimos dias de seu mandato e levou um pacote de propinas para o presidente Lula que envolvia esse terreno do instituto (...), o sítio [de Atibaia] (...) e também disse que [Lula] tinha à disposição dele (...) R$ 300 milhões.”

Palocci disse que Lula o chamou no dia seguinte e lhe contou o episódio. “Eu fiquei bastante chocado neste momento.” Foi a partir daí que a Odebrecht propôs criar uma “conta corrente” de R$ 300 milhões para abastecer o PT de propina. Mas, segundo o ex-ministro, havia divergências internas na Odebrecht de qual deveria ser o valor. Mas, depois de muitas conversas, Lula relatou a Palocci: “Olha, o Emílio [Odebrecht] (...) confirmou os R$ 300 milhões e falou que pode ser mais, se necessário”. O preço da corrupção: “preservar [no governo Dilma] o conjunto daquela relação [com a Odebrecht], em todos seus aspectos, lícitos e ilícitos”.

O ex-ministro afirmou que o governo de Dilma atendeu, de um modo geral, os anseios da Odebrecht. E citou como exemplo a área de aeroportos. A empresa queria a concessão de um grande aeroporto, especialmente de Viracopos, em Campinas (SP). Mas perdeu a concessão na primeira rodada de privatização. O pagamento veio na outra leva de concessões, quando a construtora ficou com o Galeão (Rio). Segundo Palocci, uma cláusula no leilão de concessão favoreceu a empresa, ao proibir que quem ganhasse Cumbica (SP) pudesse ficar também com o terminal do Rio. “Isso [a cláusula] foi colocado por solicitação da Odebrecht.”

Palocci também disse ter tido conhecimento, mas não participado das negociações, do pedido da Odebrecht pela aprovação do chamado “Refis da Crise”, o parcelamento de dívidas tributárias de grandes empresas, em 2009. A Lava Jato afirma que a aprovação do Refis teria tido como contrapartida uma propina de R$ 50 milhões ao PT.

O Instituto Lula: a fratura exposta

Sobre a compra do terreno do Instituto Lula, Palocci disse que a ideia original era de o local virasse uma espécie de museu do governo do petista, para guardar os presentes que o ex-presidente havia ganhado no cargo. Palocci foi chamado por Lula para conversar com a ex-primeira-dama dona Marisa Letícia, que estava tratando do assunto.

Segundo o ex-ministro, Marisa teria dito que o pecuarista José Carlos Bumlai e o advogado Roberto Teixeira, ambos amigos de Lula, estavam cuidando do caso. Algum tempo depois, Bumlai procurou por Palocci em seu escritório em São Paulo, contando a mesma história da ex-primeira-dama, mas pedindo que Palocci interviesse junto a Marcelo Odebrecht, para que ele pagasse a construção do prédio.

O petista relatou, então, que fez uma série de questionamentos a Bumlai. “Olha, eu não tô entendendo o que vocês estão fazendo. O instituto não vai ser feito para poder receber doações de empresas? E por aí a gente poder pintar de cores melhores doações lícitas e eventualmente até ilícitas (...)? Não é para isso que estamos fazendo esse instituto? Então por que vamos inaugurá-lo com uma ilegalidade desse tamanho, com uma fratura exposta desse tamanho?”, contou em depoimento a Moro.

Palocci disse que voltou a falar com Lula e afirmou ter alertado o presidente sobre suas preocupações acerca a aquisição do terreno ou prédio para o instituto. “Eu comentei nesse dia com ele que o nosso ilícito com a Odebrecht já estava monstruoso. Se nós fizermos esse tipo de operação, nós vamos criar uma fratura exposta desnecessária”, relatou.

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Aparência de legalidade

Essa conversa não teve uma conclusão e, dias depois, foi a vez de Marcelo Odebrecht procurar por Palocci, igualmente preocupado porque Bumlai e Teixeira já haviam procurado por ele com uma conta a pagar do prédio para o instituto. De acordo com Palocci, ele voltou a Lula para contar o que estava acontecendo antes de retomar o contato com Odebrecht.

No encontro seguinte entre os dois, Palocci sugeriu que Odebrecht fizesse uma doação em dinheiro para a aquisição do terreno. Foi então que o empreiteiro explicou que Paulo Okamoto, que viria a ser presidente do Instituto Lula, disse que o instituto não estava pronto para receber doações. “Se não está pronto para receber doação, não está pronto para receber terreno”, narrou Palocci. O petista disse que, até esse momento, não entendia qual era o interesse inclusive de Emílio Odebrecht no “acordão”, que envolvia o terreno, o sítio de Atibaia e outras coisas.

Foi então que Palocci disse ter sugerido que Odebrecht comprasse o terreno ou o prédio e fizesse a doação do imóvel quando o instituto estivesse oficialmente criado. “Não é ilegal doar um prédio. Ou pelo menos fica com uma aparência de mais legal. Desculpa, doutor, eu não tava de santo na história, não. Mas o nosso ilícito com a Odebrecht já estava muito grande naquele momento e achei que essa compra não precisava ser um ilícito. Ou pelo menos não precisa ser um ilícito travestido de lícito”, contou Palocci. “É meio estranho você doar um prédio, mas é melhor do que fazer essa operação tabajara que está se organizando aqui.”

Inocentou duas pessoas

No depoimento a Moto, Palocci “inocentou” duas pessoas acusadas no processo: seu assessor pessoal, Branislav Kontic, e a ex-primeira-dama Marisa Letícia. Segundo o ex-ministro, o assessor só transmitia mensagens, administrava e repassava recados. “Dona Marisa merece ser considerada pelo fato de que ela não fez nada de errado, ela só queria resolver um problema.”

Petrobras: combustível para projeto de longo prazo

No depoimento a Moro, Palocci também confirmou que a Petrobras foi dividida entre o PT, PMDB e PP no esquema descoberto pela Lava Jato. O PT ficou com a Diretoria de Serviços. O PMDB, com a Diretoria Internacional. E o PP, com a de Abastecimento. E elas foram usadas, de acordo com o ex-ministro, em um intenso relacionamento de financiamento eleitoral e de concessão de vantagens para políticos. “Foi um ilícito crescente na Petrobras, até porque as obras [da estatal] cresceram muito.”

A descoberta do pré-sal foi o principal motivo disso. E esse tema também entrou, segundo Palocci, nas negociatas. O ex-ministro que participou de uma reunião Lula, a então ministra da Casa Civil Dilma Rousseff, e o então presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli, na qual o presidente pediu “contribuição” oriunda de contratos do pré-sal para a campanha de sua sucessora, em 2010, à Presidência.

Palocci disse nunca ter ouvido Lula falar de uma “maneira tão direta” como naquela reunião: “Ele [Lula] disse: ‘eu chamei vocês aqui porque o pré-sal é o passaporte do Brasil para o futuro, ele que vai dar combustível para um projeto político de longo prazo no Brasil, ele vai pagar as contas nacionais, vai ser o grande financiador dos grandes projetos do Brasil. E eu quero que o Gabrieli faça as sondas pensando nesse grande projeto para o Brasil. Mas o Palocci está aqui, Gabrielli, porque ele vai lhe acompanhar nesse projeto, porque ele vai ter total sucesso e para que garanta que uma parcela desses projetos financie a campanha dessa companheira Dilma Rousseff, que eu quero ver presidente do Brasil”, relatou o ex-ministro a Moro.

Palocci ainda disse que Lula “encomendou” a Gabrielli que, “através das sondas, pagasse a campanha da presidente Dilma em 2010 pedindo, obviamente, às empresas os valores que seriam destinados à campanha”. No entanto, apesar da suposta “encomenda”, Palocci frisou que Gabrielli nunca cometeu ilícitos. “Na terceira reunião que eu tive com ele, ele deixou claro que não ia viabilizar contribuição de campanha nesse projeto”.

O petista ainda contou que as empresas nacionais que se envolveram em projetos de navios-sonda nunca pagaram propinas em esquemas da Petrobras, porque os contratos “não davam margem” a esses repasses. “As estrangeiras pagaram ao[João] Vaccari [ex-tesoureiro do PT] porque vinham com sua curva de aprendizagem”.

A possível delação de Palocci

Palocci foi condenado por Moro, em junho, a 12 anos de prisão. Moro concluiu que o ex-ministro ordenou o repasse de US$ 10,2 milhões da Odebrecht ao marqueteiro João Santana. Quando depôs neste processo, em maio, Palocci negou as acusações, mas insinuou o desejo de fazer delação, se dizendo “à disposição” da Justiça para dar “fatos com nomes, endereços, operações realizadas e coisas que vão ser certamente do interesse da Lava Jato”. Na ocasião, o ex-ministro disse ter omitido alguns nomes “por sensibilidade da informação”.

Poucos dias depois do depoimento, o advogado José Batochio, que defendia Palocci e é abertamente contra as delações, deixou o cliente, e o petista passou a negociar um acordo com o MPF (Ministério Público Federal) por meio de outros defensores.

Ao condenar Palocci, Moro não gostou da postura do ex-ministro, afirmando que as indiretas sobre delação “soaram como uma ameaça” a investigados para que o ajudassem a ser solto. O ex-ministro foi preso há quase um ano, em 26 de setembro de 2016, na 35ª fase da Lava Jato.

O que diz Lula

Por meio do Instituto Lula, o ex-presidente se pronunciou sobre o depoimento de Palocci. Leia a íntegra do texto, em que Lula nega qualquer irregularidade:

“A história que Antonio Palocci conta é contraditória com outros depoimentos de testemunhas, réus, delatores da Odebrecht e provas e que só se compreende dentro da situação de um homem preso e condenado em outros processos pelo juiz Sérgio Moro que busca negociar com o Ministério Público e o próprio juiz Moro um acordo de delação premiada que exige que se justifique acusações falsas e sem provas contra o ex-presidente Lula. Palocci repete o papel de réu que não só desiste de se defender como, sem o compromisso de dizer a verdade, valida as acusações do Ministério Público para obter redução de pena e que no processo do tríplex foi de Léo Pinheiro. A acusação do Ministério Público fala que o terreno teria sido comprado com recursos desviados de contratos da Petrobrás, e só por envolver Petrobrás o caso é julgado no Paraná por Sérgio Moro. Não há nada no processo ou no depoimento de Palocci que confirme isso. Sobre a tal “planilha”, mesmo Palocci diz que era um controle interno do Marcelo Odebrecht e que “acha” que se refere a ele. Ou seja, nem Palocci conhecia a tal planilha, quanto mais Lula.

Palocci falou de uma série de reuniões onde não estava e de outras onde não haveriam testemunhas de suas conversas. Todas falas sem provas.

Marcelo por sua vez diz ter pedido que seu pai contasse para Lula e Emílio negou ter contado isso para Lula.

O réu Glauco da Costa Marques reafirmou em depoimento ser o proprietário do imóvel vizinho ao da residência do ex-presidente e ter contrato de aluguel com a família do ex-presidente, e que está recebendo o aluguel. Uma relação de locador e locatário não se confunde com propriedade oculta.

Processos fora da devida jurisdição com juiz de notória parcialidade, sentenças que não apontam nem ato de corrupção nem benefício recebido, negociações secretas de delação com réus presos que mudam versões de depoimento em busca de acordos com o juízo explicitam cada vez mais que os processos contra o ex-presidente Lula na Operação Lava Jato em Curitiba não obedecem o devido processo legal.

O Instituto Lula reafirma que jamais solicitou ou recebeu qualquer terreno da empresa Odebrecht e jamais teve qualquer outra sede que não o sobrado onde funciona no bairro do Ipiranga em residência adquirida em 1991.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reafirma que jamais cometeu qualquer ilícito nem antes, nem durante, nem depois de exercer dois mandatos de presidente da República eleito pela população brasileira.”

Outros posicionamentos de citados

O advogado Cristiano Zanin Martins, defensor do ex-presidente Lula, declarou em nota: “Palocci muda depoimento em busca de delação. O depoimento de Palocci é contraditório com outros depoimentos de testemunhas, réus, delatores da Odebrecht e com as provas apresentadas. Preso e sob pressão, Palocci negocia com o MP acordo de delação que exige que se justifiquem acusações falsas e sem provas contra Lula. Como Léo Pinheiro e Delcídio, Palocci repete papel de validar, sem provas, as acusações do MP para obter redução de pena. Palocci compareceu ato pronto para emitir frases e expressões de efeito, como ‘pacto de sangue’, esta última anotada em papéis por ele usados na audiência. Após cumprirem este papel, delações informais de Delcídio e Léo Pinheiro foram desacreditadas, inclusive pelo MP.”

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da ex-presidente Dilma, mas não obteve retorno até o momento.

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