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Parentes e amigos reclamam de falta de informação sobre pessoas ainda desaparecidas em Brumadinho | Mauro Pimentel/AFP
Parentes e amigos reclamam de falta de informação sobre pessoas ainda desaparecidas em Brumadinho| Foto: Mauro Pimentel/AFP

“Eu só penso ‘onde está minha irmã’”, diz William Martins, 18 anos. Há oito dias, a irmã, Camila Silva, 16 anos, começou seu primeiro emprego na Pousada Nova Estância, engolida pela lama do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. Martins, que é bombeiro civil, resolveu buscá-la por conta própria na tarde de sexta-feira, após saber do rompimento. Tentando acesso à pousada, chegou até a área da Vale, fardado, e foi barrado por um policial militar. “Eu assumo a responsabilidade sobre mim mesmo”, disse, e deixaram-no passar. Deu de cara com um grupo de bombeiros voltando do local – já não era seguro fazer buscas a pé, somente de helicóptero. Martins teve de sair também.

O bairro onde Martins mora com a irmã mais velha também foi atingido. Na rua dele, duas casas foram destruídas. Na rua adiante, ele estima cerca de 15 moradias soterradas. “Ninguém teve tempo de sair, não teve alarme nem aviso”, conta. A reportagem esteve no local, ainda não isolado pelas autoridades. Em uma das casas, a lama parou na porta, mas as paredes racharam. Em outra, o estrago foi na garagem, com um Fiat Palio arrastado. Mas o amontoado de telhas, madeira e uma antena de tevê a cabo evidenciam que casas inteiras desapareceram. Deste então, Martins peregrina sem notícias. Todos os acessos à pousada estão cercados de lama. O dono do estabelecimento, Márcio Mascarenhas, morreu no local, ao lado da esposa e do filho.

Por conta própria

Assim como Martins tentou fazer antes de ser obrigado a voltar da área da pousada onde a irmã trabalhava, familiares de trabalhadores da Vale começaram a fazer buscas por conta própria na região atingida pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão. Na manhã deste sábado, eles tentavam ter acesso à mina. Bem próximo ao vilarejo Tejuco, os parentes encontraram uma passagem aberta pela mineradora, mas que deveria ser utilizada apenas por funcionários nas buscas.

Carlos Franco, 40 anos, está em desespero. Ele busca pela mulher, Lenilda Cardoso, gerente do restaurante da mina. O casal está junto há 20 anos. “Minha filha, de 4 anos, perguntou onde está a mãe. O que eu digo para ela?”, lamentou. “Primos, amigos de infância, estão todos aí.” A jipeira Clarisse Souza Jaú Fuzessy, moradora de Casa Branca, localidade da região, também se mobilizou para ajudar nas buscas, mas foi orientada a deixar o trabalho com bombeiros e militares.

Falta de informação

No centro da cidade, a mineradora montou um gabinete de crise, que tinha filas por informações. “Estamos agoniados”, contou a dona de casa Márcia Oliveira, que esperava, na tarde de sexta-feira, informações sobre o irmão e sobrinhos. “Disseram pra gente vir para cá, mas não falam nada.” Equipes recolhiam nomes de desaparecidos.

Na madrugada de sábado, num centro social da Vale em Brumadinho, que atende crianças da cidade com atividades no contraturno, mas foi transformado em centro de apoio da tragédia, Martins desabou. Gritou com os funcionários da empresa e se desespera: “vocês estão matando a gente por dentro”. A reclamação é endossada por outros parentes, revoltados por terem esperado uma nova lista de sobreviventes por horas somente para receber a mesma lista que já circulava à tarde.

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“Não tem informação mínima. Não tem lista de desaparecidos e não tem informação de onde estão as pessoas resgatadas”, disse Thais Boaventura, 31 anos. “Se fosse uma empresa fundo de quintal, mas é uma empresa com estrutura”, completou. Thais saiu de Belo Horizonte com a família atrás do marido da prima, Warley Moreira, 39 anos, que é funcionário da Vale há mais de dez anos. Passou por dois endereços em Brumadinho até ser orientada a buscar o centro de apoio. “E aqui também só tem informação desencontrada.” A mãe de Moreira se anima ao vê-la conversando com a reportagem: acha que chegaram novas informações sobre o filho. “Ela vai ajudar?”, questiona. “Ela é repórter”, responde Boaventura. “Ah, não!” e desaba no choro. Primo da esposa da Warley, Gustavo Borges também estava revoltado. “Ele [Warley] é engenheiro da Vale, é itinerante, mas hoje estava nessa unidade. A Vale não dá nenhuma informação concreta. É desumano isso aqui, viemos de Belo Horizonte, atrás de alguma informação, um ponto de apoio, mas não temos nada.”

“Eu acho que a Vale sabe o tamanho do problema e não vai falar. Não dá para confiar em informação nenhuma, estamos nos informando por um senhor que estava a 200 metros da barragem e escapou. Pelo cargo dele, ele sabe mais ou menos quem estava no refeitório, no escritório”, diz Tiago Silva, 34 anos. Ele busca o irmão, Samuel Silva, 36 anos, cuja última visualização no WhatsApp foi às 12h22 de sexta-feira.

O governo de Minas Gerais informou que dois parentes de desaparecidos no rompimento da barragem da mina do Córrego do Feijão foram internados na manhã deste sábado, no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte. As vítimas passaram mal ao serem informadas do desaparecimento de familiares. O estado de saúde delas é estável.

Na manhã de sábado, a Vale divulgou em seu site uma lista com os nomes de funcionários com os quais não se conseguiu contato até o momento. Na versão inicial, de 9 horas, eram 413 trabalhadores, dos quais 90 são terceirizados. A lista está sendo atualizada em tempo real, conforme as pessoas são localizadas.

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