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 | José Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas
| Foto: José Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas

A reforma trabalhista acabou com o imposto sindical, a cobrança compulsória que financiava os sindicatos laborais e patronais, que agora sofrem às mínguas para se manterem na ativa. De fato, as entidades que representam o lado do empregador também foram afetadas por essa mudança, mas ainda havia um trunfo: as contribuições obrigatórias destinadas ao Sistema S. O tema sequer foi discutido na época da reforma, mas está na agenda do governo de Jair Bolsonaro (PSL).

Na segunda-feira (17), o futuro ministro da economia, Paulo Guedes, disse que “tem que meter a faca do Sistema S também”, em discurso para empresários na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan). Mas, o que significa mexer com o Sistema S?

É mexer com um conjunto de nove organizações que tem uma arrecadação bilionária. Neste ano, o Sistema S arrecadou R$ 17 bilhões, de acordo com dados da Receita Federal. É um avanço de 9% desde 2015 – para comparação, no período a inflação acumulada foi de 14,4%, segundo o IPCA.

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Esse dinheiro é obtido por um desconto compulsório que incide sobre a folha de pagamento das empresas – a alíquota varia de 0,2% a 2,5%, dependendo do setor. Apesar de serem entidades privadas, essas contribuições são consideradas parafiscais, pela natureza do serviço prestado – geralmente nas áreas de educação, treinamento profissional e assistência social.

Paulo Guedes indicou que “meter a faca” no Sistema S tem relação com o plano de desoneração das folhas de pagamento. Não há nenhum plano formatado e já divulgado, mas o ministro chegou a falar em um corte de até 50%. “Vocês estão achando que a CUT [Central Única dos Trabalhadores] perde sindicatos e aqui fica tudo igual, o almoço é bom desse jeito, ninguém contribui?”, declarou Guedes aos empresários que estavam na Firjan

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O economista Marcos Cintra, que vai ser o responsável pela secretaria especial da Receita Federal, declarou ao Broadcast/Estadão que esse processo de corte será gradual, mas começará “imediatamente”. A explicação de Cintra é de que muito do que o Sistema S oferece pode ser feito pelo mercado de forma competitiva, de modo que só seria preciso preservar as atividades com características de bens públicos.

Quem recebe mais

O Sistema S é composto por nove entidades: Senai, Sesi, Senac, Sesc, Sebrae, Senar, Sest, Senat e Secoop. Juntas, essas entidades arrecadaram pouco mais de R$ 17 bilhões em 2018 – em 2015, a arrecadação era de R$ 15,7 bilhões, valor que cresceu ano a ano, apesar da crise econômica enfrentada pelo Brasil.

Em 2018, apenas quatro dessas organizações – Sesi, Senac, Sesc e Sebrae – arrecadaram R$ 13,3 bilhões, equivalente a 77,7% do total. O Sesi é ligado à Confederação Nacional da Indústria (CNI); Sesc e Senac, à Confederação Nacional do Comércio (CNC); enquanto o Sebrae é administrado por um conselho deliberativo formado por representantes dos demais setores.

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O volume de dinheiro arrecadado pelo Sistema S não é pouco: em 2017, foi 6,5 vezes maior que a contribuição sindical. Equivale a quase 60% da verba anual do Bolsa Família, programa de transferência de renda que atende a 14 milhões de famílias no Brasil. A gestão do dinheiro do Sistema S é feita pelas próprias organizações, que fazem prestações de contas próprias e passam por auditorias internas, mas a transparência é um ponto fraco. O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou uma auditoria nas contas do sistema, mas o processo não foi concluído.

Reação das entidades

As declarações de Guedes e Cintra repercutiram além das entidades do Sistema S. Mas uma postura mais sóbria só foi adotada pelo presidente da Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ele argumentou que não tem cabimento ir a público para mostrar os benefícios sociais das entidades, já que a discussão é sobre o financiamento. Na visão dele, o atual modelo de financiamento onera as folhas de pagamento e é preciso descobrir nova fonte de recursos.

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“O novo governo diz muito bem que, para as empresas seguirem adiante, elas precisam ser leves: menos estrutura de impostos e menos penduricalhos no custo da mão de obra. Precisam ser leves para empregarem mais”, avaliou. Para ele, é preciso debater para salvar o trabalho feito pelas instituições ou restará “terra arrasada”.

As demais manifestações foram todas na linha de destacar os feitos, mas não mencionar o financiamento. O diretor-geral do Senai e diretor-superintendente do Sesi, Rafael Lucchesi, declarou que a proposta de cortes teria “efeitos devastadores” sobre as instituições, e que pesarão sobre educação, saúde e economia do país. O Senai, por exemplo, tem 541 escolas em todo o país, com 2,3 milhões de alunos – 70% dos cursos são gratuitos. A entidade calcula que, com os cortes aventados pele ministro, 162 escolas seriam fechadas.

Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), aproveitou a agenda do dia – em que se encontrou com o presidente do Supremo Tribunal Federal (SYF), Dias Toffoli, e com o ministro Vital do Rêgo, do TCU – para ampliar a defesa do Sistema S. Além de listar alguns números de Sesi e Senai, ele lembrou o peso da indústria na economia brasileira.

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Quem também se manifestou, por meio de nota, foi Clésio Andrade, presidente da CNT e presidente dos conselhos nacionais do Sest e Senat. “Em 25 anos, foram prestados mais de 126 milhões de atendimentos 100% gratuitos. Só em 2018, foram prestados, até setembro, 8,6 milhões de atendimentos”, diz a nota. As duas organizações arrecadaram, juntas, $ 866,7 milhões em 2018 – um avanço de 18% ante os R$ 751,8 milhões arrecadados em 2018.

Senadores também reclamam

O assunto Sistema S também foi pauta da última reunião dos senadores que participam da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), que defenderam o atual modelo. O senador Armando Monteiro (PTB-PE), que é ex-presidente da CNI, considerou infeliz a fala de Paulo Guedes, associada a um governo que quer “imprimir uma marca de mudança”, mas que não necessariamente tem uma avaliação acurada dos efeitos das posições que tomam.

“O que se propõe é uma discussão serena, no fórum adequado, para se discutir a relação custo/benefício do Sistema S, porque é uma estrutura que funciona há décadas, que tem foco”, defendeu, conforme registro da Agência Senado.

Romero Jucá (MDB-RR), que não se reelegeu esse ano, disse que Paulo Guedes pode não estar “familiarizado com o que representa o Sistema S”. O senador Paulo Rocha (PT-PA) considera as entidades primordiais para o aprimoramento profissional dos trabalhadores. “Se o governo vem com mudanças, temos de enfrentá-las de uma maneira democrática, como construímos o nosso país. Isso não pode ser feito dessa forma preconceituosa, como ele se manifestou pelo menos no primeiro momento”, declarou.

Veja a evolução da arrecadação do Sistema S

Veja quanto cada entidade que faz parte do Sistema S arrecadou de 2015 a 2018. Os dados consideram o período de janeiro a dezembro de cada ano e são disponibilizados pela Receita Federal.

2015 2016 2017 2018
SENAI

R$ 1.623.865.669,21

R$ 1.520.079.457,81

R$ 1.464.348.080,19

R$ 1.466.623.513,93

SESI

R$ 2.332.287.860,33

R$ 2.175.509.939,09

R$ 2.087.173.538,34

R$ 2.084.289.292,59

SENAC

R$ 2.483.711.707,88

R$ 2.571.472.567,48

R$ 2.738.697.478,00

R$ 2.834.097.072,27

SESC

R$ 4.441.879.508,44

R$ 4.642.975.785,13

R$ 4.890.899.201,02

R$ 5.058.135.397,00

SEBRAE

R$ 3.142.053.203,52

R$ 3.157.037.818,39

R$ 3.296.315.727,23

R$ 3.303.120.241,56

SENAR

R$ 628.275.705,21

R$ 744.228.802,83

R$ 829.109.091,82

R$ 1.097.408.314,44

SEST

R$ 459.891.530,42

R$ 467.409.569,36

R$ 498.659.325,18

R$ 531.959.317,49

SENAT

R$ 291.891.656,90

R$ 297.586.161,74

R$ 312.992.289,84

R$ 334.704.976,73

SECOOP

R$ 291.634.074,12

R$ 319.338.783,61

R$ 352.966.962,88

R$ 372.385.571,42

TOTAL

R$ 15.695.490.916,03

R$ 15.895.638.885,44

R$ 16.471.161.694,50

R$ 17.082.723.697,43

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