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 | Stéferson Faria/Agência Petrobras
| Foto: Stéferson Faria/Agência Petrobras

O acordo assinado pela Petrobras nos Estados Unidos deu munição aos acionistas brasileiros que cobram ressarcimento das perdas causadas pelo esquema de corrupção na empresa. A batalha por aqui, no entanto, tende a ser mais difícil e longa.

A estatal se propôs a pagar US$ 2,95 bilhões – quase R$ 10 bilhões – a investidores que compraram seus papéis na Bolsa de Nova York. Uma indenização semelhante a acionistas minoritários no Brasil provavelmente passaria de R$ 12 bilhões, podendo chegar à casa dos R$ 20 bilhões, conforme diferentes estimativas.

A Petrobras, no entanto, não pretende pagar qualquer reparação a quem comprou ações na Bolsa brasileira, hoje conhecida como B3. Embora tenha assinado o acordo nos EUA, a companhia não se considera culpada, e sim vítima dos crimes denunciados pela Lava Jato. Por isso, entende que não tem de indenizar seus sócios – hoje são quase 300 mil, entre pessoas físicas (288 mil), jurídicas (3,9 mil) e investidores institucionais (2,6 mil).

O caso está em discussão na Câmara de Arbitragem de Mercado da B3 e também na Justiça. O desfecho é imprevisível porque a discussão não tem precedentes no Brasil. A ação civil pública movida em outubro pela Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin) é a primeira que pede indenização a acionistas de companhias abertas por causa de perdas relacionadas a casos de corrupção.

Caminho no Brasil é mais longo e tortuoso

Os obstáculos aqui tendem a ser maiores que nos EUA, bem como a espera por um desfecho. “O processo vai demorar alguns anos. Podemos falar em pelo menos cinco, talvez dez ou mais”, prevê Ivens Henrique Hübert, especialista em direito societário da Andersen Ballão Advocacia.

Nosso sistema judicial não está acostumado a julgar casos assim. Por questões culturais, esse tipo de ação é pouco comum no país, onde os minoritários pouco participam da gestão das empresas e em geral não fiscalizam de perto a atuação dos controladores. Além disso, a lei brasileira não oferece a mesma proteção aos acionistas garantida pela legislação e os órgãos reguladores norte-americanos.

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Como o custo do litígio é muito maior por lá, quase todos os processos – 99,7% – terminam em acordo antes do julgamento. Isso abrevia as disputas e favorece os investidores, que são ressarcidos mais rapidamente quando as empresas sentem que o risco de derrota é grande.

Em quatro casos, companhias que fraudaram balanços ou desviaram recursos desembolsaram cifras superiores à que a Petrobras pagará: Enron (US$ 7,2 bilhões), WorldCom (US$ 6,1 bilhões), Tyco e Cendant (US$ 3,2 bilhões cada). Antes do acerto bilionário, a própria estatal brasileira havia fechado 20 acordos em ações individuais, que somam cerca de US$ 445 milhões.

“Nos EUA é muito fácil fazer acordo no meio do processo, sem reconhecimento de culpa. Aqui não existe essa cultura. Uma vitória dos acionistas pode ocorrer, e será algo bastante notório. Mas, se vier, será por meio de uma condenação da empresa, lá na frente, e não por influência do acordo norte-americano”, avalia Hübert.

Existe, entre alguns especialistas, a avaliação de que fechar acordo em uma comarca não obriga uma empresa a fazer o mesmo em outra. E que encerrar um processo dessa forma não significa admitir a culpa, como alega a própria Petrobras, mas sim eliminar custos e riscos que poderiam afetar o negócio por muitos anos.

Petrobras falsificou informações, dizem investidores

A ação da Aidmin se baseia no Código de Defesa do Consumidor e na Lei 7.913, de 1989, que trata de ações civis públicas por danos a investidores no mercado de capitais. A norma menciona, entre outros, os prejuízos provocados por “omissão de informação relevante por parte de quem estava obrigado a divulgá-la, bem como sua prestação incompleta, falsa ou tendenciosa”.

A associação considera que os investidores foram lesados por falsas informações, má gestão e alavancagens “igualmente falsas” feitas pela Petrobras “em virtude de projetos que jamais se realizaram e/ou sabidamente eram inviáveis”.

Em 3 de janeiro, assim que a Petrobras divulgou o acordo nos EUA, os minoritários brasileiros solicitaram que a indenização no Brasil siga os mesmos parâmetros, em nome da isonomia e da equidade. Argumentando que dois terços dos papéis da estatal foram comprados na B3 e um terço em Nova York, a Aidmin defende um ressarcimento de aproximadamente R$ 20 bilhões.

SAIBA MAIS:Tipo de ação pode ser questionado

“O acordo foi um ato voluntário da Petrobras. Não vejo como a empresa pode voluntariamente pagar valores a alguns acionistas e voluntariamente não pagar a outros”, diz o advogado André de Almeida, que representa a Aidmin e foi autor da ação coletiva – conduzida em parceria com um escritório norte-americano – que resultou no acordo fechado em Nova York.

Se não forem indenizados, diz o advogado, os donos de ações da B3 serão “duplamente penalizados”. Eles já estão perdendo com o acordo nos EUA porque verão uma fatia significativa do patrimônio da Petrobras sendo destinada à reparação dos norte-americanos.

Almeida critica a postura de vítima assumida pela Petrobras, que por sinal é chancelada pelo Ministério Público Federal e pela própria Justiça, que determinou a devolução de valores recuperados à própria empresa. “A Petrobras foi, sem dúvida, capturada por um grupo de pessoas. Mas em determinado momento a própria organização passou a agir como uma entidade criminosa, assim como as empresas que trabalhavam com ela. Causou prejuízos a terceiros e deve indenizá-los”, diz.

Para o advogado, o MPF de Curitiba comete “erro grave” ao tratar a Petrobras como vítima, “em malefício aos acionistas minoritários, à economia nacional e ao desenvolvimento do mercado de capitais”. Procurado, o MPF não comentou as declarações.

Em nota, a estatal reforça seu posicionamento. “Na condição de vítima do esquema, a Petrobras já recuperou R$ 1,475 bilhão no Brasil e continuará buscando todas as medidas legais contra as empresas e indivíduos responsáveis”, afirmou a companhia.

Tipo de ação pode ser questionado

Para Hübert, da Andersen Ballão, a ação da Aidmin poderá ser questionada em razão da via processual escolhida pela associação.

“O mais elementar, num caso assim, seria uma ação por indenização contra o acionista majoritário, a Petrobras e seu conselho por danos gerados. Optou-se, no entanto, pela ação civil pública, que tem uma feição similar à ação dos EUA”, diz. “A ação brasileira também sustenta que existe um dano ao consumidor, nesse caso o investidor, que comprou papéis baseado nas informações prestadas pela empresa. Mas a noção jurídica de consumidor é mais estrita que isso.”

O especialista também observa que o estatuto da Petrobras determina que disputas ou controvérsias devem ser resolvidas por meio de arbitragem – e não na Justiça. E de fato existe arbitragem sobre o caso na Bolsa, baseada no Código Civil e na Lei Anticorrupção de 2013, segundo a qual as empresas – e não apenas pessoas físicas – podem ser responsabilizadas objetivamente por delitos.

A Aidmin está entre os que pediram a instauração de arbitragem na B3, mas sua preferência é mesmo pela via judicial. Um dos argumentos para isso é que a própria Constituição prevê o direito à “inafastabilidade” do Poder Judiciário.

Para o advogado André de Almeida, o ambiente de arbitragem da B3 é “inóspito”. Além de a Bolsa ser uma entidade privada, seu conselho de administração é presidido por Pedro Parente, presidente da Petrobras. “Ainda que exista independência dos árbitros, o ambiente é pouco propício para se ter uma discussão isenta.” Procurada, a B3 não comentou as declarações do advogado.

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