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Jair Bolsonaro e Paulo Guedes durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos. Brasil mira entrar na OCDE. | Alan Santos/ PR/ Fotos Públicas
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos. Brasil mira entrar na OCDE.| Foto: Alan Santos/ PR/ Fotos Públicas

Depois de três dias de encontros e reuniões com a elite financeira mundial, o Brasil espera ter saído de Davos, na Suíça, com o passaporte garantido para se tornar país-membro da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O ministro da Economia, Paulo Guedes, se encontrou durante o Fórum Econômico Mundial com o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, para confirmar o interesse do país em dar continuidade “o mais cedo possível” ao processo de acessão à organização. 

O Brasil já é um dos países não-membros com participação mais ativa na entidade e iniciou há quase dois anos o processo formal para entrar no grupo, conhecido como “clube dos países ricos” por reunir 36 nações que respondem por mais de 70% do PIB mundial. 

A entrada do Brasil na OCDE representaria uma “chancela” à guinada econômica liberal e de forte rigor fiscal prometida pelo governo Bolsonaro. Isso porque as práticas difundidas pela organização estão alinhadas às pautas do novo governo, como abrir mais o país para investidores estrangeiros, ampliar o número de acordos internacionais, adotar práticas globais para tornar o país mais seguro e previsível para investimentos, implementar as reformas econômicas necessárias para colocar as contas públicas em ordem e combater a corrupção. 

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“É um grande passo no processo de modernização e racionalização do Brasil. É certamente a principal ação externa que o Brasil pode fazer no governo atual. É um grande divisor de águas e certamente terá impactos profundos e estruturantes de longa duração para o Brasil e para a sociedade”, afirma Alberto Pfeifer, professor e coordenador-geral do Grupo de Análise da Conjuntura Internacional (Gacint) da Universidade de São Paulo (USP). 

O especialista cita, como exemplo, a Operação Lava Jato, que teve sua atuação facilitada após o Brasil aderir voluntariamente às práticas difundidas pela OCDE. “A (Operação) Lava Jato não existiria se não fosse o Brasil ter aderido aos acordos anticorrupção, antilavagem de dinheiro e de troca de informações da OCDE. Quando o Brasil aderiu (aos acordos), ele passou a ter acesso às contas dos corruptores (no exterior).” 

O que é a OCDE?

A OCDE funciona como um grande centro de discussão dos países desenvolvidos. Nessa organização, eles discutem sobre as melhores políticas públicas que devem ser adotadas pelas nações-membros. Entre os temas de discussão estão economia, educação, saúde, segurança e meio ambiente. 

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Para entrar na entidade, é necessário cumprir ou se comprometer a implementar uma série de medidas. Na área econômica, algumas ações incluem manter a inflação e as contas públicas sob controle, cooperar no combate à corrupção e à evasão fiscal, padronizar normas tributárias e regras de proteção à propriedade industrial e melhorar o ambiente regulatório.

Quais são as vantagens de se tornar um país-membro? 

Ao se tornar membro da OCDE, um país tem uma série de vantagens. A principal delas é ganhar uma espécie de “selo de qualidade” perante a comunidade internacional, já que ao aderir à organização multilateral o país se integra globalmente aos países desenvolvidos e se compromete a adotar as melhores práticas em áreas que vão desde economia até o meio ambiente.

Especificamente na parte de economia, fazer parte da OCDE significa ganhar credibilidade global; melhorar a percepção dos investidores sobre o Brasil; facilitar acordos bilaterais ou multilaterais; reduzir os riscos de perda do grau de investimento; diminuir o custo de captação de empréstimos; alinhar o sistema regulatório às práticas internacionais; e melhorar sua gestão interna, com maior controle dos gastos públicos. 

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A Casa Civil, em documento publicado no fim de novembro do ano passado, resume o significado da acessão à OCDE: “sinalização clara ao mercado e à comunidade internacional do compromisso do Brasil com uma economia aberta, previsível, responsável e transparente”. 

E mais do que isso: o Brasil, ao virar membro, sai do papel de observador e passa a ter voz na construção das regras e normas internacionais adotadas por diversos países. “Ingresso do Brasil não seria algo simplório. O Brasil passaria a ser o maior país em desenvolvimento da OCDE, assumindo certo protagonismo no grupo e participando das formulação das políticas públicas”, explica Pfeifer.  

Guinada também na política externa 

A adesão do Brasil à OCDE também significaria uma guinada na política externa. “Indica que o Brasil vai em direção à liberalização (econômica), fazendo com que o Brasil tenha uma economia mais aberta e que a indústria tenha mais produtividade”, afirma o embaixador aposentado e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) José Alfredo Graça Lima.

Durante os governos petistas, o país priorizou parcerias com países subdesenvolvidos. Com isso, fez parcerias estratégicas com nações do chamado eixo Sul-Sul, ou seja, da América Latina, Caribe, África e Ásia. A ideia era tornar o Brasil um líder desses países em desenvolvimento, que formam o bloco conhecido como G77, que hoje abriga 134 nações. 

Por isso, durante os governos petistas, a entrada do Brasil na OCDE não era vista com bons olhos, porque poderia representar uma ruptura com os países subdesenvolvidos. 

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Mas se, por muito tempo, do ponto de vista político, a entrada do Brasil na OCDE não era vista como favorável pelo governo, da perspectiva econômica e comercial ela é indiscutível, afirma Graça Lima, que também é ex-representante permanente do Brasil junto à União Europeia e ex-subsecretário para Assuntos de Integração, Econômicos e Comércio Exterior. “O quadro hoje está inteiramente mudado. Sobretudo para o Brasil, que se tornou um país emergente, membro do Brics, portanto mais do que habilitado para fazer parte da OCDE.”

O embaixador aposentado completa: “O Brasil [ao pedir acessão à OCDE] escolhe a favor da integração global. Isso é muito importante.” Graça Lima lembra, ainda, que países emergente como México e Chile já viraram membros da OCDE. 

O que falta, então, para o Brasil virar membro? 

Agora, falta o Brasil concluir o processo de se adequar às normas da entidade e obter o apoio dos atuais 36 países-membros. O país deu início ao processo de acessão, termo técnico usado para formalizar o pedido de entrada na entidade, ainda durante o governo Temer, em maio de 2017. 

De lá para cá, dos 245 instrumentos legais – normas, acordos e declarações de princípios – exigidos pela OCDE, o Brasil já aderiu a 70, segundo a Casa Civil. Outros 65 estão em processo de análise pela OCDE e mais 72 já estão adequados e podem ser encaminhados a qualquer momento para validação da entidade.  Do restante, oito estão em processo de análise pelo governo brasileiro e 30 precisam de algum adaptação interna (normalmente, mudança de legislação), para submissão à OCDE. A Casa Civil lembra, porém, que é possível negociar prazos e até, mesmo, ressalvas, ou seja, práticas que não podem ser aderidas devido à política interna brasileira. 

Graça Lima destaca que, dentre os seis países em processo para virar membro da OCDE, o Brasil está bastante avançado nesta etapa de adequação às normas da entidade. Ele lembra, ainda, que do ponto de vista logístico, o Brasil também já está instalado na OCDE. O país enviou no início de 2018 o embaixador Carlos Márcio Cozendey a Paris para representar o Brasil junto à organização.

Apoio dos EUA será fundamental  

Então, segundo Graça Lima, o que falta mesmo é a “decisão política” ou seja, o aceite dos atuais países-membros da OCDE. Pesa a favor do Brasil a aproximação do presidente Jair Bolsonaro (PSL) com Donald Trump, o presidente americano. Os Estados Unidos têm o maior peso na entidade e seu apoio é fundamental para que um novo país se torne membro. Até então, os EUA estavam apoiando a ‘candidatura’ da Argentina. 

Quem também joga a favor do Brasil é o secretário-geral da OCDE, Ángel Gurría, justamente com quem o ministro da Economia, Paulo Guedes, se encontrou em Davos, durante o Fórum Econômico Mundial, nesta semana. Segundo Graça Lima, Gurría sempre foi favorável à entrada do Brasil na entidade. 

Pfeifer acredita que, se tudo der certo, o Brasil deve ter seu acesso oficializada à OCDE entre maio e junho de 2020. E, aí, afirma, “muda completamente o jogo”. “O Brasil passa a ser gente grande. A partir do momento que você adere, não tem mais volta. Você vai para o caminho das boas práticas de políticas públicas. Coloca o Brasil em uma outra divisão. Se eu fosse fazer uma comparação futebolística, seria como subir para a primeira divisão.”

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