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Protesto de servidores em Curitiba: sindicatos que representam o funcionalismo resistem à avaliação de desempenho. | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Protesto de servidores em Curitiba: sindicatos que representam o funcionalismo resistem à avaliação de desempenho.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

O Senado deve discutir nas próximas semanas um projeto de lei complementar que prevê a demissão de funcionários públicos incompetentes. A proposta regulamenta o artigo 41 da Constituição, que determina a avaliação periódica do desempenho dos servidores, mas deve enfrentar forte resistência dos sindicatos porque ameaça a estabilidade do emprego público.

A necessidade de avaliação foi incluída na Constituição por uma emenda aprovada em 1998. No mesmo ano, o governo encaminhou à Câmara um projeto para disciplinar a perda de cargo público por “insuficiência de desempenho”. O PLP 248/1998 passou por comissões da Casa e está pronto para votação desde 2007, mas nunca foi levado a Plenário.

A nova tentativa de regulamentação ocorre no Senado. O PLS 116/17, apresentado em abril pela senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), tem várias semelhanças com a proposta encaminhada pelo Poder Executivo há quase 20 anos. E tende a enfrentar as mesmas dificuldades para avançar.

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A consulta pública aberta no site do Senado revela uma ampla rejeição ao projeto, embora não seja possível saber quantos servidores e não servidores estão votando. Até o fechamento desta edição, 53 mil pessoas haviam se manifestado contra a proposta, com pouco menos de 22 mil favoráveis.

“Eu nunca sofri tanta pressão quanto na relatoria deste projeto. As corporações se fazem presentes”, diz o senador Lasier Martins (PSD-RS), relator da proposta na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “Não há o que temer. Nós queremos preservar os bons funcionários. Não é justo que quem é diligente e criativo seja sobrecarregado por quem é negligente, omisso, falta muito.”

Atualmente, o servidor estável só pode perder o cargo por força de decisão judicial transitada em julgado – ou seja, quando não há mais possibilidade de recursos – ou processo administrativo.

Instrumento de perseguição

Para os sindicalistas, a avaliação periódica pode virar instrumento de perseguição aos servidores e de corte de gastos às custas do quadro de pessoal. Outro argumento recorrente é que a competência do funcionalismo é colocada à prova já na seleção feita pelo concurso, e em seguida no período de análise funcional pelo qual os profissionais passam ao ingressar no serviço público.

“Esse projeto serve apenas para intimidar e restringir direitos do servidor”, diz Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). “Já existem os instrumentos para afastamento do servidor que não cumpre seu dever de ofício, e são consistentes. Nos últimos dez anos, foram afastados da administração pública federal em torno de 500 a 550 servidores por ano.”

SAIBA MAIS:Quantos funcionários públicos existem no país?

Silva é um dos seis convidados da audiência pública sobre o projeto que será realizada nesta terça-feira (15) no Senado. Também vão participar representantes da Fenajufe (trabalhadores do judiciário federal e do Ministério Público da União) e da Fenajufe (Poder Legislativo e Tribunal de Contas da União), além dos especialistas em contas públicas Raul Velloso, Gil Castelo Branco e José Matias Pereira.

O senador Lasier Martins disse que avaliará as sugestões que surgirem na audiência pública e “não vai demorar” a apresentar seu relatório sobre o projeto.

Plano de carreira com bônus e sem ônus

Comuns na iniciativa privada, as avaliações de desempenho já são usadas pelo setor público, geralmente como critério de progressão em planos de cargos e salários. Mas não costumam resultar em punições para os servidores ineficientes.

“A maioria dos planos de carreira não tem um modelo de avaliação consistente. Existe o bônus para quem vai bem, mas não o ônus para quem vai mal”, diz o doutor em Administração Pública Silvio Campos Guimarães, da consultoria FGV Projetos. “Nos municípios, sempre que se entra na questão da avaliação de desempenho, os sindicatos se aproximam dos vereadores e em geral conseguem afrouxar ou distorcer. O modelo até entra em funcionamento, mas muito aquém do necessário.”

Para Guimarães, a lei complementar pode acabar com esse tipo de distorção. “É preciso haver instrumentos para incentivo dos bons servidores, mas também para punição dos que não são bem avaliados”, diz.

LEIA TAMBÉM:O que diz a Constituição sobre a demissão de servidores

A economista Melody Porsse, doutora em Administração e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz que a avaliação de desempenho dos servidores é “extremamente relevante”, mas não é uma garantia de melhoria dos serviços prestados à população.

“As pessoas são fator essencial em uma organização. Mas não são o único fator determinante para essa melhoria de qualidade. Ela depende também da estrutura das organizações e se o orçamento é baseado em resultados, ou seja, se os recursos públicos são destinados para ações que comprovadamente podem gerar os resultados perseguidos.”

Quantos funcionários públicos existem no país?

Cerca de 11,3 milhões de brasileiros estão empregados no setor público, segundo a mais recente pesquisa Pnad Contínua, do IBGE, referente ao segundo trimestre. Desses, cerca de 1,2 milhão trabalham em órgãos federais, conforme o último boletim estatístico de pessoal do Ministério do Planejamento, referente a dezembro de 2016 – 1,089 milhão no Executivo (incluindo militares), 132 mil no Poder Judiciário e Ministério Público da União e 24 mil no Legislativo federal.

Como será feita a avaliação de desempenho

  • PERIODICIDADE: A versão original do PLS 116/17, apresentada pela senadora Maria do Carmo Alves (DEM-SE), prevê que a avaliação de desempenho será feita a cada seis meses. Mas o relator na CCJ, senador Lasier Martins (PSD-RS) prefere uma avaliação a cada ano.
  • QUEM AVALIA: O projeto prevê que a avaliação será feita pelo superior imediato do servidor. Mas o relator na CCJ, Lasier Martins, vai propor que ela fique a cargo de uma comissão composta pelo superior imediato, por um colega de trabalho sorteado e por um representante do departamento de recursos humanos do órgão público.
  • CRITÉRIOS: Haverá dois “fatores avaliativos” fixos: qualidade e produtividade. E doze variáveis: relacionamento profissional; foco no usuário/cidadão; inovação; capacidade de iniciativa; responsabilidade; solução de problemas; tomada de decisão; aplicação do conhecimento; compartilhamento de conhecimento; compromisso com objetivos institucionais; autodesenvolvimento; e abertura a feedback. Os servidores serão avaliados pelos dois fatores fixos e por cinco variáveis, escolhidos conforme as atividades mais importantes realizadas no período da avaliação.
  • NOTAS: O avaliador, ou os avaliadores, vão atribuir notas de 0 a 10 para cada um desses fatores. Quem alcançar média superior a 80% receberá o conceito de “superação” (S); entre 50% e 80%, “atendimento” (A); entre 30% e 50%, “atendimento parcial” (P); e entre 0% e 30%, “não atendimento” (N).
  • QUEM SERÁ DEMITIDO: Pela proposta inicial, será exonerado quem alcançar conceito “N” em quatro avaliações seguidas, ou então “N” ou “P” em cinco das últimas dez avaliações. Mas o relator deve mudar esse critério. A ideia é que o servidor perca o cargo se tiver dois “N” seguidos ou três conceitos “N” ou “P” nas últimas cinco avaliações.

O que diz a Constituição sobre a demissão de servidores

Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.

§ 1º O servidor público estável perderá o cargo:

I - em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II - mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III - mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa

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