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Reforma trabalhista joga responsabilidade sobre afastamento por insalubridade para grávidas. Leia na Gazeta do Povo | Daniel Castellano/ÃrquivoGazeta do Povo
Reforma trabalhista joga responsabilidade sobre afastamento por insalubridade para grávidas. Leia na Gazeta do Povo| Foto: Daniel Castellano/ÃrquivoGazeta do Povo

Entre as mudanças propostas na reforma trabalhista, a alteração nas regras de afastamento de gestantes de atividades insalubres é um dos pontos mais polêmicos. De acordo com o texto aprovado na Câmara dos Deputados na última semana, somente as grávidas expostas a um grau máximo de insalubridade serão afastadas de imediato, deixando as profissionais que trabalham em graus mínimo e médio na dependência de um atestado médico para poderem ter acesso a esse direito.

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O texto altera o artigo 394-A da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), aprovado pela ex-presidente Dilma Rousseff em um de seus últimos atos no cargo, em maio de 2016, que determinava que toda gestante deveria ser remanejada ou mesmo afastada de atividades ou locais que oferecessem risco a ela ou à criança. No entanto, segundo o relator da reforma, o deputado Rogério Marinho (PSDB-RN), a lei criou barreiras que dificultavam a contratação de mulheres, já que muitas empresas passaram a fazer essa discriminação e a mudança seria para resolver esse problema.

Contudo, para o professor associado de direito do trabalho da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Antonio Rodrigues de Freitas Junior, a proposta não beneficia a mulher, a sociedade e nem mesmo o próprio empregador. “Se a funcionária tiver alguma consequência por causa dessa exposição, a empresa ainda pode ser alvo de uma ação trabalhista por causa disso”, aponta. “É uma mudança que vai beneficiar só imprudentes e picaretas”.

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Para ele, a reforma vai na contramão do chamado princípio da precaução ao fazer com que a responsabilidade de provar que o trabalho oferece riscos seja da mulher, sendo que o dever pertenceria ao empregador. “É uma mudança de constitucionalidade bastante discutível. É de uma crueldade inaceitável”, afirma Freitas Junior, destacando que os prejuízos causados à família podem ter impactos geracionais.

A opinião médica sobre a questão

De acordo com a presidente da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), Marcia Bandini, a proposta aprovada na Câmara não modifica a lei, apenas transfere essa responsabilidade para a gestante e o médico, que nem sempre tem as informações necessárias para tomar esse tipo de decisão. “Qual será a pressão que esses médicos vão receber de determinados setores em que a ação feminina é mais predominante?”, questiona.

E aí entra um fator que gera ainda mais discussão. Embora a lei fale em um profissional de confiança da mulher, somente um médico do trabalho tem condições de dizer se o nível de insalubridade de atividade pode ou não oferecer riscos à gravidez. De acordo com o presidente da Associação Paulista de Medicina do Trabalho (APMT), Mario Bonciani, um profissional de fora não tem como conhecer a realidade de uma empresa, o que apenas dificulta a liberação desse atestado.

Já a presidente da ANAMT defende uma decisão compartilhada, ou seja, entre o especialista em saúde do trabalho e o médico que já acompanha aquela gestação. “Cada gravidez é única. O médico do trabalho é quem conhece as condições e pode avaliar o grau de exposição da gestante, mas ele não é o obstetra que acompanha e conhece a situação da mulher em específico”, aponta Marcia.

De qualquer forma, os dois especialistas concordam em um ponto: a grávida não deveria ser exposta a qualquer nível de risco. “Tirando exceções, não tem jeito como trabalhar num lugar insalubre e achar que não vai ter reflexo na gravidez e na amamentação”, afirma Bonciani. Segundo ele, toda atividade de risco vai oferecer alguma agressividade à mulher, por mais que muitas vezes isso não seja aparente à primeira vista. Dessa forma, ele defende que mesmo situações classificadas de grau médio e mínimo deveriam continuar justificando o afastamento imediato.

Esses graus de insalubridade utilizam como base a chamada NR-15, um conjunto de normas que classifica cada profissão com base nos riscos a que o trabalhador é exposto. Só que, segundo o presidente a APMT, essa tipificação se tornou bastante limitada e não abrange todas as situações que podem afetar a saúde da mulher e de seu filho. “Um trabalho ruidoso não incomoda só os ouvidos. O barulho aumenta a pressão e pode afetar diretamente o bebê. E é algo classificado como risco médio”, pontua. 

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O médico cita ainda o exemplo da questão ergonômica que muitas mulheres enfrentam na vida de escritório. “Além de problemas musculoesqueléticos, a questão ergonômica pode causar prematuridade e até mesmo abortos”. Assim, segundo Bonciani, não tem como um médico do trabalho saber de todas essas especificidades sem conhecer o ambiente e realizar os testes necessários para avaliar esses pequenos riscos que podem acabar sendo ignorados pela própria mulher.

Outro ponto apontado pelo professor da USP que torna a reforma ainda mais polêmica é o próprio acesso ao médico. Como é preciso que seja um profissional especializado em medicina do trabalho, o atendimento fica de fora da cobertura do SUS e até mesmo de planos de saúde, o que complica a vida principalmente de trabalhadores de menor renda. “Por ser considerado algo pessoal, os planos não cobrem e a gente sabe que nem todo mundo tem condições de pagar”, destaca Freitas Junior. Conforme revela a presidente da ANAMT, já existe a previsão legal para incorporar a medicina do trabalho no atendimento básico de saúde, mas a proposta ainda não tem previsão para sair do papel.

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Enquanto advogados e médicos criticam as alterações presentes na reforma, os empresários comemoram e veem as mudanças como algo positivo. Segundo o coordenador dos Conselhos de Relações do Trabalho da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), Carlos Walter Martins Pedro, é preciso dar autonomia às profissionais para que elas decidam se precisam ou não ser afastadas. “Uma indústria têxtil tem muitos setores tidos como insalubres, mas que não afetariam uma gestação, por exemplo”, sugere o executivo. “Então, o texto da à própria funcionária e ao médico a possibilidade de tomarem a decisão”.

Segundo ele, esse é o caminho correto a ser tomado, principalmente por diminuir os custos facilitar a contratação. “A lei cria tanta proteção que, no fim, desprotege a mulher na hora de conseguir um emprego”, afirma Pedro, que defende essa redução dos custos como garantia de competitividade . “O nível de custos indiretos do empregado é o que faz ele receber pouco e custando muito”.

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