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| Foto: Fernando Souza/AFP

“A cerimônia foi rápida porque é cerimônia de soldado, e as cerimônias de soldado são assim, rápidas e diretas”. Com essas palavras, o ministro Tarcísio Gomes de Freitas, da Infraestrutura, encerrou uma solenidade para a assinatura de um contrato para a operação de um porto no Pará, dia 18.

Ao longo do ato, ele fez outras referências à sua trajetória como militar e foi chamado de “colega” pelo senador Arolde de Oliveira (PSC-RJ) que, como o ministro, estudou no Instituto Militar de Engenharia (IME). “Mas também temos que falar do ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], senão os outros ministros que estudaram lá vão ficar enciumados”, brincou o parlamentar.

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As declarações do ministro – e também a brincadeira de Arolde – dão uma ideia da influência dos militares dentro do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Além de Tarcisio, que é capitão do Exército, são mais sete nomes com origem militar no primeiro escalão da Esplanada: Augusto Heleno (Segurança Institucional), Fernando Azevedo e Silva (Defesa), Santos Cruz (Secretaria de Governo), Marcos Pontes (Ciência), Wagner Rosário (CGU), Bento Albuquerque (Minas e Energia) e o mais novo ocupante de um ministério, Floriano Peixoto, que ficou com a Secretaria-Geral da Presidência após a queda de Gustavo Bebianno. O governo conta ainda com o vice-presidente, o general Hamilton Mourão.

Choque cultural

A presença em larga escala de militares no governo Bolsonaro não é fator de surpresa - o presidente é capitão reformado do Exército e, ao longo do período eleitoral, destacou que contaria com oriundos das forças armadas em sua gestão. Ainda assim, o posicionamento deles em ministérios de destaque tem levado a uma influência dos militares que não se via desde a redemocratização, e a alguns choques culturais com servidores de origem civil.

O segundo compromisso oficial de Floriano Peixoto como ministro exemplifica bem a força dos militares na gestão: ele se reuniu com a equipe da Secretaria-Geral, composta, entre outros, por dois generais e um coronel.

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Perfis variados

Apesar da origem comum nas Forças Armadas, os ministros militares têm mostrado perfil distinto dentro da gestão Bolsonaro. O titular da Infraestrutura é adepto de viagens, eventos externos e de uma divulgação constante nas redes sociais - seu perfil no Instagram, o @tarcisiogdf, tem um fluxo quase diário de postagens e reúne mais de 15 mil seguidores. Já o comandante das Minas e Energia, Almirante Bento, tem atuação mais discreta.

Santos Cruz, da Secretaria de Governo, tem se destacado por dar respaldo institucional às ações do governo - esteve no Congresso Nacional na terça-feira (19), durante a entrega do pacote anticrime do ministro Sérgio Moro (Justiça), e atuou na contenção de uma pequena crise dentro da base aliada, a “rebelião” contra o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).

Wagner Rosário, da CGU, acumulou respeito dentro do Planalto pelo seu perfil técnico. Ele foi o único que integrava o primeiro escalão de Michel Temer e foi reaproveitado pelo governo Bolsonaro.

Elogios das equipes

Membros do governo têm, via de regra, elogiado a atuação dos ministros militares da gestão Bolsonaro. Uma avaliação comum é a de que eles estão levando à gestão pública valores rotineiros do meio militar, como a disciplina e o planejamento. Alguns pontos de confronto com a equipe civil dos ministérios, entretanto, são identificados.

Um auxiliar de Bento Albuquerque, o titular das Minas e Energia, ressalta que a rigidez do almirante tem chamado a atenção. O servidor conta que já atuou com outros três ministros dentro da pasta e diz que o rigor aplicado por Albuquerque não encontra paralelos com o dos outros gestores. “O ministro trabalhou muito tempo com submarinos. Para fazer isso, é preciso muita disciplina”, declarou.

Já um integrante da equipe de Tarcísio Gomes de Freitas relata que o estilo do comandante da Infraestrutura “faz a gente esquecer que ele é militar”. “Ele é engenheiro de formação, conhece bastante o assunto do Ministério. Acredito até que não tenha entrado no governo pela ‘cota militar’”, disse. “Mas às vezes ele gosta de contar alguns ‘causos’ dos tempos de Forças Armadas”, brincou.

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Para um ministro civil de Bolsonaro, o trabalho dos militares que são seus colegas de Esplanada tem sido beneficiado por outro fator: o amplo “networking” que existe entre os integrantes das Forças Armadas. “Quando eu preciso montar uma equipe, tenho bastante dificuldade na hora de escolher pessoas, principalmente em estados que são distantes do meu. Já os militares vivem num cenário em que todo mundo conhece todo mundo. Então eles conseguem acionar os contatos e recrutar os melhores”, declarou.

Segundo esse mesmo ministro, esse cenário faz com que seja pequena a possibilidade de um militar indicar, para um ministério, um colega de farda que tenha histórico de irregularidades. “Como eles se conhecem, os que pisaram na bola são identificados e deixados de lado. Os que ficam têm um histórico de observação e investigação de suas carreiras”, declarou.

A confiança do governo nos militares cresceu a ponto de os oficiais da reserva estarem sendo considerados como uma espécie de “solução criativa” do Executivo. Num cenário de necessidade de cortar os gastos, o governo indicou que não deve fazer concursos públicos em 2019. As vagas na administração podem ser preenchidas por militares da reserva, que seriam beneficiados por uma lei que garantiria a eles os postos de trabalho.

Núcleos

Ainda na transição, quando o presidente Bolsonaro começou a montar sua equipe palaciana, a avaliação geral era a de que o governo se estruturaria em torno de três grandes núcleos: o econômico, capitaneado pelo ministro Paulo Guedes (Economia), o “lavajatista”, cujo principal expoente é o ex-juiz Sérgio Moro, e o militar, com seus diferentes protagonistas.

A situação deixou no ar a possibilidade de um ambiente de rivalidade entre os militares e os civis. O ex-ministro Gustavo Bebianno chegou a falar a respeito - disse que no início do governo se sentia excluído pelos militares, mas o quadro foi se modificando ao longo das semanas.

“O que percebo, hoje, é um grande esforço de integração”, afirmou sobre o tema o ministro que conversou com a Gazeta do Povo.

No parlamento

Além da atuação no interior das pastas, o relacionamento com o Congresso é parte decisiva do trabalho dos ministros. Eles são cotidianamente procurados por deputados federais e senadores, que, via de regra, apresentam demandas das regiões que representam.

Deputado federal em sétimo mandato, Eduardo Barbosa (PSDB-MG) disse acreditar que essa relação tende a ser beneficiada com a presença dos militares no primeiro escalão.

“Eu tenho muito boa impressão do governo atual no processo de interlocução com o parlamento. Acho que eles vão ter uma lógica de tratar de forma mais uniforme todos os parlamentares”, disse.

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O deputado Jhonatan de Jesus (PRB-RR), que tem criticado o início da gestão Bolsonaro, disse não ver problemas na presença constante dos ministros militares. Ele participou de uma audiência com o ministro Santos Cruz (Secretaria de Governo) e considerou o militar como o “melhor dos ministros” até o momento. “Apesar disso, está sendo um começo de governo muito confuso”, destacou.

Mesmo o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ), integrante da oposição a Bolsonaro, não tem críticas a priori à presença dos militares. “A reflexão a se fazer a respeito da participação dos militares é quando se tem declarações ou posições deles entrando no jogo democrático, ou na tentativa do jogo democrático, para desequilibrar esse jogo. Aí se está falando de uma alteração de regime”, indicou.

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