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| Foto: DANIEL RAMALHO /    AFP

Ao exigir o controle do cérebro da economia do governo, juntando três ministérios em um, o futuro ministro Paulo Guedes ganha super poderes no governo de Jair Bolsonaro (PSL). A mudança profunda na condição da política econômica do governo federal não deverá passar despercebida e poderá ter tanto efeitos positivos como negativos, argumentam especialistas. Se por um lado a unificação dos ministérios pode trazer uma cara ainda mais liberal na economia para o novo governo, também pode reduzir a capacidade de interferência do presidente sobre as decisões do seu ministro, criando problemas.

Pela proposta do guru econômico de Bolsonaro, os ministérios da Fazenda, do Planejamento, e da Indústria e Comércio estarão fundidos em apenas um, o da Economia. Se separadas essas pastas já são enormes, juntas são um transatlântico com orçamento autorizado de R$ 46,2 bilhões neste ano, controlando 12 órgãos de relevo para o funcionamento da máquina federal e ao menos 13 estatais, inclusive os bancos públicos. Isso sem contar todo o balanço das estatais, os bilhões na carteira de crédito dos bancos públicos e todos os recursos da dívida pública.

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A quantidade de servidores alocada nessas pastas e seus diversos órgãos também impressiona. A Fazenda tinha mais de 75 mil servidores, incluindo os que estão alocados nos diversos órgãos ligados ao ministério, segundo dados do Boletim Estatístico de Pessoal do Governo Federal de janeiro de 2017. Somadas, as três pastas detêm hoje 855 cargos em comissão, os DAS.

“A iniciativa de fundir Fazenda com Planejamento casa muito com a sinalização de um viés mais liberal de governo. A própria ideia de ter um ministério exclusivamente voltado ao planejamento remete muito a um Estado mais intervencionista”, avalia Ricardo Schweitzer, analista de mercado da Nord Research.

Paulo Guedes foi o fiador e o “posto Ipiranga” de Bolsonaro na campanha eleitoral. Seu apoio foi importante para cativar o mercado financeiro e angariar apoio nos controladores do capital. Com tanto poder e sendo alçado ao cargo de guru econômico, que colocaria na boca do então candidato as respostas para as perguntas mais complexas do economês, Guedes pisou forte e decidiu o tamanho que a superpasta terá, incluindo o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o MDIC. 

Essa é a parte mais polêmica da proposta de Guedes, que causa desconforto entre as entidades que representam o setor produtivo. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) encabeçou um movimento para tentar reverter a ideia, o que chegou a ser anunciado por Bolsonaro, mas Guedes reforçou que precisaria ter o comando do MDIC para aplicar seu projeto.

“Juntar Planejamento e Fazenda não me parece um coisa tão conflituosa. Mas quando você coloca o MDIC no meio desse caldeirão, talvez daí comece a gerar alguns conflitos internos. O MDIC recebe pleitos do setor privado e desenvolve política pública. Historicamente, Fazenda e MDIC sempre estiveram em pólos opostos, o que é saudável numa democracia. E isso é bom para chegar em termo razoável nos debates”, afirma Wagner Parente, diretor da Barral M Jorge. 

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A dúvida dos especialistas quando a ter a política industrial, comercial e de serviços do país e a política econômica e orçamentária cuidadas todas por um mesmo ministro é sobre quem deve levar a melhor quando houver impasse. Se por um lado o Ministério da Fazenda é responsável pela arrecadação de tributos – e vai sempre querer maximizar as receitas –, por outro o MDIC muitas vezes tem como atribuição vestir o chapéu do setor produtivo, defendendo políticas para dar mais competitividade, o que significa muitas vezes brigar por redução de impostos.

“Quando se coloca um ministério que é pró-arrecadação e redução de endividamento, o lado industrial fica muito fragilizado. Dependendo de como esse ministério foi desenhado, o grupo que é mais liberal e que tá hoje dentro da Fazenda tende a ter um peso maior na tomada de decisão”, avalia Parente.

Esse embate fica ainda mais prejudicado quando o assunto é comércio exterior. Hoje são sete os ministérios que compõem a Câmara de Comércio Exterior (Camex), órgão que toma as decisões para fomentar o setor e também proteger o Brasil quando necessário. Três deles são exatamente as pastas que passarão a ser apenas uma, junto com a Casa Civil, o Itamaraty, o Ministério da Agricultura e o Ministério dos Transportes.

“Hoje cada ministério desses têm um assento na Camex. O Ministério da Economia poderá ter apenas uma cadeira. Então, deve ser um voto dominado pelo pessoal mais liberal da Fazenda. Medidas de antidumping e defesa comercial são avaliadas na Camex. O MDIC tem mais olhar para o peticionário [a empresa que pede a medida ou defesa]. A Fazenda tem mais olhar de abertura de mercado, de deixar produto no Brasil mais barato. São dois olhares diferentes, defensáveis. Não quer dizer que um tá certo e outro errado. Mas são posições diferentes”, aponta Parente, que conclui que poderá haver maior peso contra a indústria nessas decisões.

Corte de gastos não deve ser significativo

Se a criação da megapasta pode se justificar para deixar na mão de Guedes o controle sobre toda a área econômica e garantir um viés mais liberal nas decisões e definições de política, não se justifica por uma questão de corte de gastos.

Segundo o Painel de Custeio do Ministério do Planejamento, juntas, as três pastas gastam com a administração R$ 5,9 bilhões. Parece muito, mas é relativamente pouco se comparado ao total de castos discricionários de todo o governo federal, de cerca de R$ 46 bilhões. Nesses valores estão contratos de serviços que não são prestados pela União, terceirizados, material de escritório, locação de imóveis, vigilância e até a conta de luz dos prédios dos ministérios.

Paulo Guedes e equipe passarão uma lupa nesses gastos, olhando tudo que poderá ser cortado. Porém, contratos não poderão ser desfeitos, a não ser que as multas sejam aplicadas, com prejuízo aos cofres públicos. A maior parte dos gastos operacionais das três pastas somadas é na rubrica “Apoio administrativo, Técnico e Operacional”, na qual é alocado R$ 1,2 bilhão neste ano. Basicamente, são profissionais terceirizados.

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A segunda maior despesa das três pastas somadas é “Serviço de processamento de dados”, com R$ 1 bilhão para as três pastas, no ano. Porém, é nesta rubrica que está a maior despesa isolada de toda a lista de custeio das três pastas. A Receita Federal gasta, sozinha, R$ 378 milhões ao ano nesse serviço, justificado pela sua grande necessidade de segurança e processamento de dados para prestar seus serviços.

“Do ponto de vista prático, a economia é basicamente sobre [cargo] comissionado. E deve ter mais algo que dá pra gerar economia. Do ponto de vista de sinergia de atribuições, acho que sim, funciona. Principalmente porque garante ou aumenta o compasso entre arrecadação e repasse de recursos”, avalia Ricardo Schweitzer.

Mas há ainda gastos com “vigilância ostensiva” (R$ 517 milhões ao ano, somando os três ministérios); “energia elétrica” (R$ 319 milhões); e ainda “diárias” (R$ 147 milhões).

Superministério, das superestatais

O poder de Paulo Guedes não fica restrito à criação de políticas e controles administrativos da área econômica. Caberá a ele chefiar os comandantes de importantes órgãos da área econômica, como da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Superintendência de Seguros Privados (Susep), do IBGE, do Ipea e ainda do Inmetro. Além do Banco Central, que hoje é subordinado estruturalmente à Fazenda, mas que pode vir a ser independente.

Há ainda mais sob Guedes. Todos os bancos públicos federais estarão sob sua batuta. Desde gigantes como Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, passando pelos bancos regionais e pelo BNDES. 

Nessa área, Guedes terá o desafio de cortar na sua própria carne ao fazer privatizações e reduções de áreas, o que também pode ser um ponto ruim. Terá de reduzir partes do seu próprio poder para deixar mais leve a estrutura da máquina federal.

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