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| Foto: Hélvio Romero/Estadão Conteúdo

O jornal Folha de S. Paulo teve acesso com exclusividade ao depoimento em vídeo da colaboração premiada firmada entre o operador Lúcio Funaro e a Procuradoria-Geral da República (PGR). Na delação, Funaro conta que soube que o presidente Michel Temer pediu ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para defender interesses de empresas portuárias durante a tramitação da MP dos Portos, em 2013.

No depoimento à PGR, de 23 de agosto deste ano, o operador disse que soube da interferência de Temer na medida provisória porque Cunha lhe contou. O delator mencionou supostas relações com três empresas que operam no porto de Santos, no litoral paulista: a Rodrimar, o grupo Libra e a Santos Brasil, além da Eldorado Celulose, que pertencia ao grupo J&F, controlador da JBS, e tinha interesse em atuar em uma área própria em Santos.

“Essa MP foi feita para reforma do setor portuário e ela ia trazer um grande prejuízo para o grupo Libra, que é um grupo aliado de Cunha e, por consequência, de Michel Temer, porque é um dos grandes doadores das campanhas de Michel Temer”, disse Funaro.

“Pela definição dessa MP, o grupo Libra não ia poder renovar mais as suas concessões portuárias. Por quê? Porque tinha vários débitos fiscais inscritos em dívida ativa. O que o Eduardo Cunha fez? Pôs dentro dessa MP uma cláusula que empresas que possuíam dívida ativa inscrita poderiam renovar seus contratos no setor portuário desde que ajuizassem arbitragem para discutir este débito tributário”, afirmou o delator.

A PGR perguntou se Temer influenciou diretamente na medida provisória. “Eu acho que ele deve ter feito pedidos para o Eduardo Cunha, que era quem estava conduzindo todo o processo, protegesse quem era do interesse deles”, respondeu.

“Tanto a Eldorado como a Rodrimar tinham interesses, e o Eduardo narrou que, na época, o Michel pediu a ele ‘Oh, tem que fazer isso, tem que fazer isso, cuidar disso’ para que o negócio não saísse do controle.”

A Procuradoria questionou se, após a MP, houve pagamento de comissões ao PMDB. “Por doação política, tenho certeza. Oficial. Por comissão, que seria uma propina disfarçada de doação oficial, e outros tipos de recebimento, não tenho conhecimento”, respondeu Funaro.

O delator não deu detalhes sobre como a Rodrimar teria sido beneficiada pela MP de 2013. Já sobre a Eldorado, disse que Temer tinha interesse de atender seus pleitos porque mantinha “um bom relacionamento com Joesley”.

“Acho que ele tinha interesse em atender tudo que era... Tinha interesse em atender todos os pleitos do Joesley. Tinha um bom relacionamento com o Joesley. Muito bom. E como ele tinha uma atuação forte no porto de Santos, o Michel Temer, ele conseguia... O porto de Santos, todo mundo sabe em São Paulo, quem convive no mundo político, que o porto de Santos é área de influência de Michel Temer”, disse Funaro.

“A Eldorado estava querendo este terminal ou estava adquirindo este terminal porque ela usava o terminal do grupo Libra e isso acarretava um custo muito alto para ela na exportação de celulose”, relatou.

Funaro disse que soube da questão dos portos por meio de Cunha. “[Eu soube] Por relatos exclusivamente de Eduardo Cunha em almoços comigo, em reuniões comigo. Uma vez ele me relatou que tinha ido jantar na casa do Daniel Dantas, no Rio de Janeiro, para resolver o problemas dos portos. O Daniel é acionista da Santos Brasil. Então, ele me relatava estes fatos”, disse.

A Rodrimar é alvo de um inquérito aberto recentemente no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar suposto favorecimento à empresa na edição do decreto dos portos, assinado por Temer em maio deste ano.

Já o grupo Libra, que opera contêineres no porto, conforme a Folha noticiou em junho do ano passado, foi especialmente beneficiado pela MP de 2013 que incluiu na legislação a possibilidade de arbitragem de dívidas que empresas portuárias tinham com a União.

A arbitragem possibilitou que a Libra estendesse seu prazo de atuação no porto de Santos. Como revelou a reportagem, o escritório escolhido pela administração do porto para fazer a arbitragem era de um advogado próximo de políticos do PMDB.

Depoimento de Funaro sobre ‘operadores’

Em outro trecho de seu depoimento, Funaro fala sobre a existência de “diversos” operadores de Temer. Ele menciona Cunha, o advogado José Yunes, amigo e ex-assessor especial do presidente, e o ex-ministro Wagner Rossi.

Ao citar os três, o corretor diz ter certeza de que eles intermediavam pagamentos a Temer. “[Em relação] Ao Cunha, tenho 110% de certeza, e do Wagner Rossi eu também tenho certeza”, afirmou.

Ele ainda apontou como operadores o coronel João Baptista Lima Filho, aposentado da Polícia Militar paulista, e o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, que ficou conhecido como “deputado da mala”. Sobre os dois, contudo, Funaro disse ter ouvido de Cunha que eles atuavam como operadores do presidente.

Segundo o delator, Temer se valia de operadores distintos para atuações em esferas diferentes. “Ele não concentrava nada com uma pessoa só [...] Ele não deixava nada operacionalizado a uma pessoa só. Você vê, por exemplo, que para receber dinheiro ele tinha o José Yunes, e esse eu tenho certeza, depois vim a saber do coronel Lima.”

Yunes é descrito por Funaro como administrador do dinheiro do presidente e como o responsável por “investir” a propina. “O José Yunes, além de administrar, investia a propina porque ele era dono de uma empreiteira, de uma incorporadora em São Paulo”, disse.

“Eu sei pelo Altair, sei pelo deputado Eduardo Cunha que eles entregavam dinheiro em espécie para o José Yunes.”

Para Funaro, o dinheiro recebido por Yunes era investido em imóveis da incorporadora que pertence à família do advogado, a Yuny. O operador disse ainda que, pela sua experiência de 25 anos no mercado financeiro, a maneira mais fácil de lavar dinheiro é pela aquisição de imóveis.

Outro lado

O Palácio do Planalto nega as acusações de que o presidente tenha atuado na compra da MP dos Portos, afirmando que em 2013 Temer era vice-presidente da República e, portanto, “não era responsável pelas tramitações no Congresso Nacional”.

A assessoria nega qualquer relação de Temer com as empresas Rodrimar, Libra e Eldorado, e que ele tenha qualquer relação pessoal com Funaro. “Se esteve com ele foi de maneira ocasional, e se cumprimentou foi como cumprimentaria milhares de pessoas”, diz resposta encaminhada pela Presidência.

Sobre as acusações de que teria comprado imóveis da construtora Yuny com dinheiro proveniente de propina, a assessoria do Planalto afirma que “todos os imóveis do presidente Michel Temer foram adquiridos com recursos próprios e declarados no Imposto de Renda”.

O advogado de Yunes, José Luis Oliveira Lima, afirmou que Funaro será processado por denunciação caluniosa. “Lúcio Funaro já faltou com a verdade em inúmeras oportunidades.”

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