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| Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

A subprocuradora Raquel Dodge, segunda colocada na lista tríplice entregue pelo Ministério Público Federal (MPF), foi a escolhida pelo presidente Michel Temer para assumir a Procuradoria-Geral da República (PGR) no lugar de Rodrigo Janot. O mandato de Janot, que denunciou Temer por corrupção passiva na segunda (26), termina em 17 de setembro.

A indicação de Raquel foi feita na noite desta quarta-feira (28), mesmo dia em que Temer recebeu a relação com o resultado da votação interna do presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti. O nome dela precisará passar ainda pelo crivo do Congresso, mas tradicionalmente a escolha do presidente é apenas ratificada pela Casa, após sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.

Com 587 votos, Raquel foi a segunda mais votada na eleição realizada na terça-feira (27) com procuradores da República de todo o país. O primeiro foi o vice-procurador eleitoral Nicolao Dino, com 621 votos. A relação trazia ainda o nome do terceiro colocado, Mario Bonsaglia, que recebeu 564 votos. É a primeira vez desde 2003, durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que o primeiro da lista tríplice não é escolhido pelo presidente da República.

Mestre em Direito pela Universidade de Harvard, Raquel Elias Ferreira Dodge ingressou no MPF em 1987. Ela é a atual subprocuradora-geral da República, integra a 3.ª Câmara de Coordenação e Revisão, que trata de assuntos relacionados ao Consumidor e à Ordem Econômica, e é membro do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) pelo terceiro biênio consecutivo.

Apoio e polêmica

Terceira colocada na eleição interna do MPF em 2015, Raquel é considerada do grupo de oposição a Janot – fator que parece ter pesado a seu favor. Durante a campanha pela PGR, ela afirmou que irá apoiar a Lava Jato e que vai ampliar o número de investigadores e a estrutura disponibilizada para eles, caso seja necessário.

Apesar disso, ela se envolveu recentemente numa polêmica sobre o futuro da operação que a colocou em lado oposto a Janot. Em abril, durante reunião do CSMP, apresentou um projeto de resolução que, se aprovado, limitaria a cessão de procuradores das unidades estaduais a operações em andamento – incluindo a Lava Jato. Sob o argumento de que era preciso preservar o funcionamento das unidades do MPF, ela propôs que cada unidade do Ministério Público só poderia ceder 10% dos membros. E disse que isso não afetaria a operação.

Janot irritou-se com a proposta e disse que ela provocaria impactos negativos: “Esse discurso de que não vai afetar a Lava Jato é um discurso que tem de ser recebido com muita ponderação porque, na verdade, ninguém, a não ser aqueles que participam da investigação, conhece a complexidade, o alcance, a dimensão, do que representa essa investigação”. Raquel afirmou ter consultado o comando da Lava Jato, que teria dito que a proposta não prejudicaria a operação. Contrariado, Janot argumentou que ele, que coordena a operação na PGR, não havia sido consultado.

Ao fim da sessão do CSMP, a proposta acabou sendo retirada de votação. E ainda não voltou à pauta. Mas deixou sobre Raquel Dodge uma nuvem de dúvidas sobre suas reais intenções em relação à Lava Jato.

Vítima de Janot

Os defensores de Raquel afirmam, porém, que sua proposta não tem nada demais e não vai prejudicar a Lava Jato. A maioria dos candidatos à PGR, por exemplo, era a favor de haver uma limitação para o número de procuradores cedidos às operações para que outras atividades essenciais do MPF não fiquem paralisadas. E o placar no CSMP, quando o projeto de resolução foi retirado de pauta, demonstra isso: era 8 a 1 a favor da proposta.

Os apoiadores de Raquel Dodge dizem ainda que ela foi vítima de uma guerra interna orquestrada pelo próprio Janot para manter seu grupo no comando da PGR. O primeiro colocado na votação de terça-feira, Nicolao Dino, era o preferido do atual procurador-geral.

No entanto, chama a atenção o fato de Raquel ter recebido o apoio de figurões da política que são alvos da operação, como o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), além do ministro da Justiça, Torquato Jardim, e do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

Mas, para os apoiadores dela, Raquel não é a vilã da Lava Jato que seus adversários procuram insinuar. E reservadamente dizem que, ao contrário, a subprocuradora foi vítima de uma guerra suja na PGR para impedi-la de tirar o grupo de Janot do poder.

Ações anticorrupção

A carreira de 27 anos de Raquel Elias Ferreira Dodge no MPF, aliás, não credita ninguém a acusá-la de ser leniente com corruptos. Ela participou, por exemplo, de operações que investigaram casos rumorosos de corrupção – tal como a Caixa de Pandora, que desvendou o mensalão do DEM no Distrito Federal e levou pela primeira vez um governador para a prisão, José Roberto Arruda.

Também esteve na equipe que participou de uma das primeiras apurações contra um parlamentar federal: Hildebrando Paschoal, conhecido como “deputado da motosserra” devido ao modo como esquartejava inimigos. A investigação levou Hildebrando a ser cassado e condenado por liderar um esquadrão da morte no Acre.

Raquel também se posicionou contra a PEC 37 – proposta de emenda constitucional que proibia o MP de promover investigações criminais. A PEC, apoiada por muitos parlamentares, era vista como uma retaliação às ações anticorrupção desencadeadas pelo Ministério Público. Mas foi rejeitada pelo Congresso após a pressão popular dos protestos de rua de junho de 2013.

Posicionamento de Raquel sobre outros temas

Embora o combate à corrupção seja o principal debate na sucessão de Janot, o novo procurador-geral da República terá atuação relevante na defesa de outros assuntos de interesse direto do país. E Raquel Dodge já se pronunciou sobre alguns deles na disputa pela PGR em 2015. Confira:

Redução da maioridade penal

Em 2013, durante audiência pública no Senado, disse ser contrária à redução da maioridade penal porque isso violaria direitos e garantias individuais previstos na Constituição. “No momento em que a Constituição assume como regra a maioridade penal, ela dá o direito ao jovem de ser punido apenas quando for adulto. A Constituição diz que não será permitido emenda que deseja abolir os direitos individuais. Torná-los imputáveis subtrairia um direito que é deles hoje”, afirmou à época.

Tráfico de drogas

A subprocuradora elaborou um estudo em que propõe punições diferenciadas para traficantes presos com quantidades diferentes de drogas – o que nem sempre ocorre atualmente.

Salários iguais para mulheres

Em entrevista ao portal UOL em 2015, Raquel Dodge considerou que a remuneração menor para mulheres que exercem a mesma função que os homens é uma expressão de preconceito que deve ser combatida.

Revisão da Lei da Anistia

Na mesma entrevista ao UOL, disse ser a favor da punição de crimes da ditadura militar (1964-1985) que não estão abrangidos pela Lei da Anistia – caso dos chamados crimes permanentes (embora ela não tenha dito quais, o MP costuma classificar desse modo aqueles casos em que o corpo do torturado e morto pela repressão não foi encontrado: ainda estaria ocorrendo a ocultação do cadáver).

Ela ainda disse ser a favor de que o STF se manifeste sobre a incompatibilidade da Lei da Anistia com a Convenção Interamericana de Direitos Humanos. Ratificada pelo Brasil, a convenção estabelece que crimes contra a humanidade nunca prescrevem e devem ser punidos. É o caso da tortura.

Auxílio-moradia ao MP

Ao UOL, Raquel Dodge admitiu receber o auxílio-moradia pago aos membros do MPF – considerado uma benesse injustificável por muitos. “Se não estivesse amparada em lei, essa verba não seria devida”, disse.

Ela ainda defendeu os altos salários pagos a promotores e procuradores: “A remuneração do membro do Ministério Público é acima da média nacional porque é de interesse público recrutar pessoas bem capacitadas para investigar e processar diariamente, em juízo, atos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros graves crimes, promover a defesa do regime democrático e de direitos humanos e zelar por serviços de relevância pública que tenham qualidade”.

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