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| Foto: Isac Nobrega/PR

Considerada um sucesso por analistas, observadores e pelo Ministério das Relações Exteriores, a viagem do presidente Jair Bolsonaro (PSL) aos Estados Unidos, que começou no último domingo (17), terminou na noite de terça-feira (19). Na bagagem, a comitiva traz vitórias costuradas desde o governo Temer e aceleradas nos últimos três meses.

A expectativa é que o presidente Donald Trump aceite o convite para visitar o Brasil e os países aproveitem até abril do ano que vem, quando começam as primárias das eleições americanas, para avançar em temas prioritários. Entre eles, a agenda de tratados comerciais negligenciada pelos governos passados e o aprofundamento da cooperação em segurança, uma das prioridades do Itamaraty para as relações com os americanos.

Os países assinaram um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) – o resultado concreto mais importante da visita na visão de todos os ouvidos por esta reportagem –, dois memorandos interinstitucionais entre a Polícia Federal (PF) e órgãos de segurança dos Estados Unidos, um acordo entre a Agência Espacial Brasileira (AEB) e a NASA para construção de um microssatélite, um acordo para criação de um fundo de biodiversidade para a Amazônia e alguns acordos comerciais setoriais.

Trump declarou ainda que os Estados Unidos vão considerar o Brasil “Aliado Importante Extra-OTAN” e apoiar o ingresso do país na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Em contrapartida, Bolsonaro se comprometeu a levar o Brasil a abandonar o tratamento especial e diferenciado na Organização Mundial do Comércio (OMC). O Brasil também anunciou a isenção de vistos para cidadãos americanos, canadenses, japoneses e australianos.

Avaliação da visita é positiva para diversos setores e especialistas

Para o embaixador Marcos Azambuja, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, “não há causa melhor para um e para outro país” que a aproximação entre Estados Unidos e Brasil. Segundo Diego Bonomo, gerente executivo de comércio exterior da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o resultado da visita é “muito positivo”.

Professor de relações internacionais da FGV-SP e estudioso da relação entre os dois países, Matias Spektor considerou, em manifestação no Twitter, a visita uma “vitória enorme” de Bolsonaro, já que os Estados Unidos teriam anunciado “o maior pacote de concessões já dado por um presidente americano a um colega brasileiro nos últimos trinta anos de democracia”.

Já o presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), o embaixador aposentado Rubens Barbosa, é mais cauteloso. Para ele, o principal saldo da viagem é a proximidade ideológica entre Bolsonaro e Trump e é preciso “esperar o desenrolar dos fatos” para avaliar resultados concretos da aproximação.

Vitória do núcleo ideológico do governo

O primeiro ponto da declaração conjunta dos presidentes Bolsonaro e Trump foi o anúncio de uma “nova parceria entre seus dois países com foco no aumento da prosperidade, na melhoria da segurança, na promoção da democracia, da liberdade e da soberania nacional”. A linguagem reflete uma proposta que partiu do gabinete do chanceler Ernesto Araújo, como a Gazeta do Povo noticiou no mês passado.

A aproximação reflete a intenção do Itamaraty de coordenar posições com os Estados Unidos em matéria de liberdade na internet, liberdade religiosa, liberdade de expressão, liberdade de associação e de condenação de regimes ditatoriais, como a Venezuela de Nicolás Maduro.

O alto escalão do Itamaraty avalia ainda que a visita foi uma vitória pessoal do chanceler brasileiro, já que ele foi “artífice do pacote de resultados e o principal patrocinador dessa vista no governo brasileiro”, nas palavras de um diplomata ouvido reservadamente pela reportagem.

Eduardo Bolsonaro foi convidado por Trump a acompanhar de perto a reunião presidencial.Isac Nobrega/PR

Outro que saiu prestigiado da viagem foi o filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL), eleito presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CREDN) da Câmara. Eduardo foi convidado por Trump a participar da conversa que a princípio ficaria reservada apenas aos dois mandatários.

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No domingo (17), durante jantar com representantes da direita americana, os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sergio Moro, elogiaram o inspirador de Eduardo e do chanceler Ernesto Araújo, o filósofo Olavo de Carvalho, que estava presente.

Bolsonaro não rejeita intervenção militar na Venezuela

Já do ponto de vista político, a discussão sobre o destino da Venezuela e a possibilidade uma intervenção militar no país dominaram a discussão nesta terça-feira (19), quando os presidentes dos dois países se encontraram e conversaram com a imprensa.

O tema desperta o temor de militares brasileiros no governo, que se incomodam com a retórica americana e o entusiasmo da ala ideológica com os Estados Unidos.

Questionado sobre possível intervenção militar americana na Venezuela ou instalação de uma base no Brasil, Bolsonaro declarou que “tem certas questões que se você divulgar deixam de ser estratégicas. Assim sendo, essas questões reservadas, que se podem ser discutidas, se já não foram, não poderão se tornar públicas, obviamente”.

Chegada de Bolsonaro em Washington.Isac Nobrega/PR

Trump, por outro lado, afirmou que ainda há opções de sanções sobre a mesa. “Ainda não implementamos as sanções mais rígidas. Estamos num processo intermediário em que podemos endurecer”, disse à imprensa.

O tema da base militar americana já causou desconforto no início do governo. No início de janeiro, Araújo e Bolsonaro aventaram a possibilidade de os Estados Unidos instalarem uma base militar no Brasil, o que causou reação nos meios militares e levou o governo a recuar, por meio de declaração do ministro da Defesa, Fernando Azevedo.

A declaração tímida de Bolsonaro sobre o tema não passou despercebida ao embaixador Marcos Azambuja. “É preciso que o Brasil se associe dentro da ONU, da OEA, às causas legítimas”, diz. “O Brasil deveria resistir a qualquer tentação de intervenção militar na Venezuela e a frase do presidente ficou um pouco ambígua”, avalia.

Acordo de Alcântara faz Brasil entrar no mercado de lançamentos espaciais

Apesar de ainda depender da aprovação do Congresso, Brasil e Estados Unidos assinaram um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST), necessário para permitir que o Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), no Maranhã, entre no mercado de lançamento de satélites, que pode movimentar entre US$ 1,1 trilhão e 2,7 trilhões nos próximos 25 anos.

O AST é necessário em razão da exigência de proteção aos segredos industriais americanos e dos cuidados com a não proliferação de armamentos, já que a tecnologia de lançamento de satélites para uso civil é a mesma que a do lançamento de mísseis de uso militar. Os Estados Unidos têm tratados dessa natureza com Rússia, Cazaquistão, Índia, Nova Zelândia e China.

O CLA é visto como um importante ativo brasileiro. Como o litoral do Maranhão fica próximo à linha do equador, o movimento de rotação da Terra favorece os lançamentos e economiza 30% de combustível quando comparada à base de Cabo Canaveral, nos Estados Unidos. O governo também avalia que as operações no CLA, além de trazer receitas de aluguel para o Brasil, servirão para induzir a formação de um hub tecnológico e de logística na região.

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“Na mesma altura que Alcântara, há a base da Guiana Francesa, que é território europeu: 80% dos lançamentos da União Europeia são lá, é praticamente um lançamento por mês. Nós temos um grande ativo com o mesmo benefício geográfico. Nossos concorrentes lançam satélites dali, e nós não lançamos nenhum”, resume Bonomo, da CNI.

Uma primeira versão do acordo chegou a ser assinada em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas naufragou no Congresso. A nova versão procurou atenuar pontos que foram determinantes para a rejeição pelo Congresso, que ainda tem de ratificar o tratado assinado durante a visita. Segundo um levantamento da CNI, acordos em matéria econômica levam uma média de quatro anos para serem aprovados pelo Congresso brasileiro.

Estados Unidos apoiarão entrada do Brasil na OCDE

O apoio dos Estados Unidos ao ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi uma incógnita até o último momento. Setores produtivos dos Estados Unidos estão convencidos de que entrada do Brasil para o clube seria positiva para o intercâmbio comercial e investimentos, mas parte do governo americano está preocupada com o inchaço da OCDE nos últimos anos.

“O Brasil se beneficia muito entrando na OCDE, mas a OCDE se beneficia muito com o Brasil. A OCDE perdeu peso e importância nas últimas décadas, justamente porque, por exemplo, Brasil, China e Índia não estão dentro da organização, o que reduziu sua importância econômica no mundo”, avalia o embaixador Marcos Azambuja.

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Diego Bonomo, da CNI, explica que a adesão à OCDE abre perspectivas de investimentos para o Brasil. O ingresso de um país na agremiação envolve a adesão a uma série de acordos vinculantes que provocam reformas importantes na legislação nacional. “O país passa a ter um selo simbólico de que é uma economia que se guia pelas melhores práticas internacionais e, por isso, é uma economia mais segura”, explica.

A estratégia do Brasil, segundo o gerente executivo da CNI, tem sido ratificar esses acordos mesmo sem ser membro da OCDE, como foi o caso da Convenção de Combate à Corrupção, que é base da lei brasileira sobre o tema, e participar cada vez mais dos comitês das organizações. O Brasil já aderiu a cerca de 30% dos 250 acordos vinculantes principais.

O apoio dos Estados Unidos ao ingresso é importante, mas apenas um primeiro passo. “Agora é preciso ver como, na prática, isso vai funcionar”, alerta Bonomo. A declaração de Trump precisa se transformar em um apoio efetivo na próxima reunião do conselho de ministros da OCDE, marcada para os dias 22 e 23 de maio, em Paris. Em termos formais, o Brasil está em fase de pré-negociação com a organização. Se for aceito por todos os membros, inicia-se uma fase de ajuste da legislação nacional do país e só então o Estado se torna membro efetivo do agrupamento.

Isac Nobrega/PR

Como contrapartida ao apoio, diplomatas americanos conseguiram arrancar da delegação brasileira o compromisso de que o país vai “começar” a abandonar o tratamento especial e diferenciado na Organização Mundial do Comércio (OMC), que dá prazos estendidos e privilégios na implementação de acordos para economias em desenvolvimento, segundo autodeclaração de cada país. O governo Trump tem insistido na necessidade de restringir esses privilégios, já que economias fortes como Coreia do Sul e Índia fazem uso do expediente.

Segundo Bonomo, o tratamento especial e diferenciado já é “pouquíssimo” utilizado pelo Brasil. “Não vejo isso como um grande impeditivo para avançarmos na agenda com os Estados Unidos. Se queremos ser um país realmente protagonista, não dá para ficarmos presos ao tratamento especial e diferenciado”, avalia. “Isso não pode ser confundido com a discussão sobre, em cada negociação comercial, se o nível de concessão que devemos fazer deve ser o mesmo de uma economia desenvolvida”, ressalva.

Aliança Extra-OTAN abre perspectivas para o comércio exterior

Aliança militar que reúne 29 países da América do Norte e da Europa, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) tem uma série de parcerias com países de fora dessas regiões, mas o status de Aliado Importante Extra-OTAN (MNNA, na sigla em inglês) é um reconhecimento previsto pela legislação dos Estados Unidos, que facilita a cooperação dos americanos com nações que obtêm acesso a ele.

A designação do Brasil pelo governo americano como MNNA, que deve ter efeito 30 dias depois de Trump notificar o Congresso americano, abre portas em matéria de cooperação nas áreas de pesquisa, desenvolvimento e treinamento. O status permitiria ao país firmar contratos com o Departamento de Defesa americano para manutenção e reparo de equipamentos fora dos Estados Unidos, desenvolver projetos conjuntos contra o terrorismo e participar de projetos conjuntos de cooperação em pesquisa e desenvolvimento.

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O status permitirá ainda ao Brasil receber “artigos de defesa em excesso”, ou seja, aqueles que estão sobrando ao governo americano; comprar munições de urânio empobrecido; ter acesso a financiamento preferencial de alguns equipamentos de Defesa; e obter licenças especiais de exportação de satélites espaciais e tecnologias, componentes e sistemas da área. A FAB tem interesse na cooperação aeroespacial, já que o programa espacial brasileiro está orientado a produzir e lançar microssatélites, visto como o mercado mais promissor do ramo para as próximas décadas.

“A grande questão é que os Estados Unidos são o maior mercado do mundo nas compras públicas na área de defesa”, explica Bonomo, da CNI. “Mas eles só abrem o mercado se houver reciprocidade, então é preciso ter um acordo bilateral de reciprocidade de compras públicas em defesa. A designação [de MNNA], embora tenha um valor mais simbólico, pode provocar uma segunda conversa sobre compras públicas no setor de defesa”, avalia.

Outras medidas anunciadas reforçam aproximação

Brasil e Estados Unidos também concordaram em aprofundar a sua parceria no combate ao terrorismo, ao tráfico de armas e drogas, aos crimes cibernéticos e à lavagem de dinheiro por meio do Fórum Permanente de Segurança Brasil-Estados Unidos, anunciaram prioridade à Comissão de Relações Econômicas e Comerciais Brasil-Estados Unidos e reativaram o Fórum de Altos Executivos Brasil-Estados Unidos, que reúne 24 executivos dos países em conversas periódicas.

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Os dois países assinaram ainda a criação de um fundo para preservação da biodiversidade na Amazônia, no valor de US$ 100 milhões e uma série de compromissos na área comercial. Conforme nota divulgada pela Casa Branca, o Brasil deve permitir a importação de 750 mil toneladas de trigo americano com tarifa zero e os americanos emplacaram a importação de carne de porco pelos brasileiros. Haverá ainda uma visita técnica dos Estados Unidos visando à retomada das exportações de carne bovina in natura brasileira, suspensas desde maio do ano passado.

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