O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acumula, em pouco mais de um ano e meio de mandato, uma série de declarações controversas que geraram repercussões negativas para seu governo e para o Brasil – desde comentários insensíveis sobre tragédias locais e questões sociais até falas questionáveis sobre conflitos internacionais.
A declaração mais recente abordou o viciado processo eleitoral na Venezuela, onde a autoridade eleitoral, controlada pelo regime chavista, concedeu vitória a Nicolás Maduro, mesmo sem apresentar os dados de votação. Para Lula, isso "não tem nada de anormal".
“O Tribunal Eleitoral já reconheceu o Maduro como vitorioso, mas a oposição ainda não. Então, tem um processo. Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a Terceira Guerra Mundial, mas não tem nada de anormal. Tem uma eleição, tem uma pessoa que disse que teve 51%, teve outra pessoa que disse que teve 41%, entra na Justiça e a Justiça faz”, disse Lula em entrevista à TV Centro América, afiliada da Globo no Mato Grosso, nesta terça-feira (30), ignorando que a justiça venezuelana é cooptada pelo chavismo e evitando comentar sobre as perseguições e mortes que estão ocorrendo na Venezuela.
Acerca das questões venezuelanas, Lula já chegou a dizer, em outros momentos, que a "democracia é relativa", argumentando que o o país vizinho "tem mais eleições do que o Brasil", e sugeriu, indiretamente, que a oposição não deveria ficar "chorando" após ver sua principal candidata ser impedida de concorrer nas eleições presidenciais.
Em uma frase que parece ter envelhecido mal, Lula disse, em junho do ano passado, em entrevista à Rádio Gaúcha: "Quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder. Vamos lá fiscalizar. Se não tiver eleição honesta, a gente fala".
Ainda nas relações internacionais, Lula fez comentários controversos sobre Israel, como quando comparou resposta do país aos ataques do Hamas com o Holocausto (leia mais abaixo) e quando disse que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e o ditador russo, Vladimir Putin, estavam "gostando da guerra".
Mas também no âmbito doméstico o presidente cometeu diversas gafes. Durante as discussão sobre o projeto de lei antiaborto, por exemplo, o presidente chamou de "monstros" bebês nascidos de gestação decorrente de estupro. Veja a seguir mais 10 frases controversas de Lula.
1. "Se o cara é corintiano, tudo bem"
No dia 16 de julho, durante uma reunião no Palácio do Planalto, Lula lamentou uma pesquisa que indicava um aumento na violência contra a mulher após jogos de futebol, mas mencionou que "se o cara é corintiano, tudo bem". A fala ocorreu antes de um anúncio relacionado ao setor da indústria de alimentos.
"Hoje, eu fiquei sabendo de uma notícia triste, eu fiquei sabendo que tem pesquisa, Haddad, que mostra que depois de jogo de futebol, aumenta a violência contra a mulher. Inacreditável. Se o cara é corintiano, tudo bem, como eu. Mas eu não fico nervoso quando perco, eu lamento profundamente".
A frase foi duramente criticada, sendo vista como machista e insensível ao problema da violência doméstica. A declaração gerou indignação entre ativistas dos direitos das mulheres e recebeu ampla cobertura negativa na mídia, com muitos destacando a necessidade de um discurso mais responsável sobre temas tão sérios.
Alguns dias depois, Lula tentou se corrigir, dizendo que “homem com fé em Deus não bate em mulher”.
2. "Quando vai fechar a porteira?"
Ainda demonstrando insensibilidade em relação a temas relacionados às mulheres, durante a entrega de apartamentos do programa Minha Casa Minha Vida em Maceió, Lula questionou uma mãe de cinco filhos sobre quando ela "iria fechar a porteira", sugerindo que ela deveria parar de ter filhos. O evento contou com a presença do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e outras autoridades.
A fala foi considerada machista, gerando uma enxurrada de críticas nas redes sociais e em setores da sociedade. O episódio foi comparado às gafes de improviso comuns em discursos de figuras políticas, especialmente do presidente, e levantou debates sobre a sensibilidade do petista em relação a questões femininas e familiares.
3. "Uma máquina de lavar roupa é uma coisa muito importante para as mulheres"
Lula proferiu mais essa essa declaração durante a apresentação de um pacote econômico de recuperação para o Rio Grande do Sul, afetado por desastres naturais. Ele enfatizou a importância dos eletrodomésticos no cotidiano das mulheres, numa tentativa de abordar a resiliência das famílias diante das dificuldades enfrentadas.
Mais uma vez a fala foi criticada por sua conotação machista, reduzindo o papel das mulheres às tarefas domésticas e reforçando estereótipos de gênero. A declaração alimentou a discussão sobre a necessidade de uma mudança no discurso público em relação à igualdade de gênero.
Também em visita ao Rio Grande do Sul, Lula afirmou estar surpreso com a "quantidade de negros" residentes no estado. Durante o anúncio do "Vale Reconstrução", um auxílio para famílias afetadas pelas enchentes, o petista comentou: "Eu não tinha noção que no Rio Grande do Sul tinha tanta gente negra".
A fala gerou críticas sobre sua percepção das realidades sociais e raciais do Brasil, e teve resposta até mesmo da primeira-dama Janja, que lembrou o presidente que muitas vezes essa população vive em áreas mais vulneráveis, e por isso foi mais afetada pelas chuvas.
4. "Que monstro vai sair do ventre dessa menina?"
“Por que uma menina é obrigada a ter um filho de um cara que estuprou ela? Que monstro vai sair do ventre dessa menina? Então essa é uma discussão mais madura, não é banal como se faz hoje”, disparou Lula em uma entrevista na rádio CBN, em 18 de junho.
O presidente estava comentando sobre o projeto de lei do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que propõe equiparar o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. A urgência desse projeto foi aprovada na Câmara, mas a discussão foi adiada para o segundo semestre após repercussões negativas de que a proposta penalizaria mais a mãe do que o estuprador. Saiba mais sobre o projeto e sobre as narrativas criadas em torno dele.
A declaração de Lula alimentou a oposição, que utilizou o comentário como munição para críticas mais amplas à gestão do petista.
5. Comparação de Israel com o Holocausto
Em fevereiro deste ano, durante uma discussão sobre conflitos internacionais, Lula comparou a resposta de Israel aos ataques do Hamas com o Holocausto. A declaração ocorreu em um contexto em que o presidente discutia a política externa do Brasil e suas relações diplomáticas com várias nações em conversa com jornalistas na Etiópia.
“O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, afirmou o mandatário brasileiro.
A fala foi criticada internacionalmente e gerou uma resposta imediata do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, que disse que o petista "cruzou uma linha vermelha" ao fazer tal comparação. Lula chegou a ser declarado persona non grata em Israel.
Desde então, a relação entre Brasil e Israel ficou estremecida. Em maio, o governo Lula retirou o embaixador brasileiro de Israel, sem nomear outro diplomata para o cargo. O grupo terrorista Hamas, por sua vez, apoiou a fala de Lula.
A gafe foi vista como um erro diplomático, comprometendo a posição do Brasil em assuntos internacionais sensíveis e afetando a credibilidade do país em fóruns de paz globais.
6. "Não vou aparecer com muletas e andador"
Na véspera de uma operação no quadril, Lula afirmou durante sua live semanal que não seria visto usando muletas ou andador, insinuando que isso poderia prejudicar sua imagem. A declaração foi feita enquanto discutia sua recuperação e a continuação de suas atividades presidenciais.
A fala foi acusada de capacitismo, com críticas vindas de aliados e grupos de defesa dos direitos das pessoas com deficiência. A declaração foi vista como uma tentativa de evitar a associação com a imagem de fragilidade, reforçando estigmas negativos em torno do uso de dispositivos de mobilidade. A gafe reacendeu o debate sobre a necessidade de um discurso mais inclusivo e sensível em relação à deficiência.
7. "Desequilíbrio de parafuso"
Em um discurso feito após um ataque a uma creche em Blumenau (SC), Lula afirmou que cerca de 15% da população poderia ter "problemas de desequilíbrio de parafuso", relacionando deficiência intelectual à violência.
“A OMS sempre afirmou que na humanidade deve haver 15% de pessoas com algum problema de deficiência mental. Se esse número é verdadeiro, e você pega o Brasil com 220 milhões de habitantes, significa que temos quase 30 milhões de pessoas com problema de desequilíbrio de parafuso. Pode uma hora acontecer uma desgraça”, disse o presidente.
A fala foi considerada ofensiva, gerando pedidos de retratação por parte de ativistas dos direitos das pessoas com deficiência. A declaração foi percebida como um reflexo da falta de compreensão e empatia sobre questões de saúde mental, prejudicando a imagem do presidente e alimentando debates sobre o tratamento adequado de temas sensíveis.
8. "Banco Central: a única coisa desajustada do Brasil"
Durante uma entrevista à rádio CBN, em 18 de junho, Lula criticou a política de juros do Banco Central, chamando-a de "a única coisa desajustada" no país. Ele questionou a independência da instituição e o papel de seu presidente, Roberto Campos Neto, sugerindo que a política monetária estava prejudicando o Brasil.
As declarações geraram preocupação no mercado financeiro, afetando a cotação do dólar e os juros futuros. As reiteradas críticas de Lula e do PT à autonomia do Banco Central são vistas como um potencial risco de interferência política, minando a confiança dos investidores e trazendo à tona questões sobre a governança econômica do Brasil. A fala foi utilizada por opositores para questionar a estabilidade e a responsabilidade fiscal do governo.
9. “Venezuela é vítima de narrativa de antidemocracia e autoritarismo”
Em uma coletiva de imprensa ao lado de Maduro, em maio de 2023, Lula afirmou que a Venezuela é "vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo", defendendo o ditador e criticando a percepção internacional negativa sobre o seu regime. A declaração foi feita durante uma visita oficial ao Brasil, após sete anos de afastamento diplomático.
A defesa de um regime amplamente criticado por suas violações de direitos humanos levantou preocupações sobre a política externa brasileira e seu alinhamento com regimes autoritários. A gafe foi usada por opositores para questionar a orientação ideológica do governo e sua credibilidade no cenário internacional.
10. Corrupção: o castigo do 7 a 1 e ferrar o Moro
Ao discursar durante a posse da nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, em 26 de junho, Lula sugeriu que o Brasil teria merecido a derrota por 7 a 1 contra a Alemanha por causa do movimento de combate à corrupção que surgiu com a Operação Lava Jato.
“Vocês estão lembrados quando nós começamos a fazer a Copa do Mundo, a quantidade de denúncias de corrupção dos estádios? E muita gente inventou aí - da direita mesmo: tudo tem que ser padrão Fifa, porque o Brasil tem que dar saúde padrão Fifa, o Brasil tem que dar não sei o que lá padrão Fifa. Na tentativa de desmoralizar a Copa do Mundo. E, Deus é justo, nós tomamos de 7 a 1 naquela Copa, da Alemanha. Já que é para castigar, vamos castigar.”
Ao menos nove estádios da Copa do Mundo foram alvos de denúncias apuradas pela Lava Jato. Em 2022, membros do Partido dos Trabalhadores foram condenados por superfaturamento em contratos de obras do Estádio Mané Garrincha, em Brasília (DF).
Sobre a Lava Jato, Lula também já falou em “f**** o Moro”, em referência ao ex-juiz e atual senador Sergio Moro (União-PR). A revelação do seu desejo de vingança contra Moro aconteceu durante uma entrevista concedida pelo petista ao site Brasil 247, em 21 de março de 2023.
Na entrevista, Lula lembrou do seu tempo de detento na sede da Polícia Federal (PF), em Curitiba (PR), e contou que quando esteve preso recebia visitas de procuradores preocupados com o seu bem-estar. Quando perguntado pelos procuradores se estava bem, Lula disse que respondia o seguinte: “Só vou ficar bem quando f**** o Moro”.
Falas de Lula provocam reflexos na política interna e externa, dizem analistas
Na opinião da professora de Ciências Políticas da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Denilde Holzhacker, as falas de Lula têm impactos tanto no cenário interno quanto internacional.
Para a cientista, as declarações sobre o papel da Rússia na guerra da Ucrânia e sobre o conflito em Israel, por exemplo, afetam a credibilidade do Brasil e sua posição em assuntos globais. Já no cenário interno, ela avalia que as falas machistas e capacitistas são vistas como desatualizadas e prejudicam a imagem de Lula entre públicos que valorizam a igualdade e o respeito.
Holzhacker conclui que as falas de improviso podem prejudicar Lula, mas ressalta que a recuperação das consequências é possível, dependendo do manejo das crises.
A cientista política Priscila Lapa reforça a tese de que, como chefe de Estado, a linguagem e os símbolos utilizados por Lula têm um peso significativo. "Cada pronunciamento controverso pode acentuar conflitos e afetar a governabilidade, bem como a confiança dos cidadãos e dos atores externos", pontua.
Lapa destaca que a comparação recente com o presidente americano, Joe Biden, conhecido por suas falas atropeladas e falta de clareza, reforça a percepção de que Lula, em seu terceiro mandato, ainda não percebeu plenamente a dimensão do cargo.
Já o cientista político Antônio Flávio Testa avalia que as declarações de Lula, embora polêmicas, não afetam significativamente a governabilidade brasileira, pois o presidente conta com apoio significativo de parte da grande mídia e do Supremo Tribunal Federal.
Além disso, Testa acredita que "algumas declarações podem ser ensaiadas para ressoar com a sua base de apoio".
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