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Policial federal fiscaliza o contrabando no Rio Paraná, fronteira do Brasil com o Paraguai.
Policial fiscaliza o contrabando no Rio Paraná, na fronteira do Brasil com o Paraguai| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

Acordos bilaterais são importantíssimos para garantir o controle de qualquer fronteira. Afinal, a criminalidade que atravessa de um país para outro com produtos ilegais é bem organizada e mantém conexões em ambos os lados. Quando dois países compartilham informações e promovem ações conjuntas, eles se fortalecem no combate ao contrabando e ao tráfico de drogas.

Como afirma o procurador federal Milton Carvalho Gomes, no artigo Lavagem de Dinheiro e Cooperação Internacional, “o crime moderno é transnacional, ignora fronteiras e financia-se com capital obtido de forma ilícita. Neste contexto, tem-se mostrado essencial a cooperação entre Estados nacionais na busca de formas de impedir o crescimento do crime organizado”.

A diplomacia e as forças policiais e militares do Brasil procuram colocar em prática esse conceito desde os anos 1990. Ao longo dessas quase três décadas, o país firmou tratados e conduziu ações conjuntas, principalmente com Uruguai, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia – seis das dez nações com as quais o país divide fronteiras terrestres.

O esforço é importante, tanto do ponto de vista da segurança pública quanto da arrecadação de impostos: de acordo com a Aliança Latino Americana Anti-Contrabando  (Alac), o contrabando movimenta o equivalente a 2% do Produto Interno Bruto da América Latina.

Exemplos de sucesso

O Brasil tem tido um histórico recente de cooperação com países vizinhos para o combate ao crime. Confira cinco parcerias que deram certo:

1. Com a Bolívia, por exemplo, a Polícia Federal brasileira realizou, em 2011, a Operação Brabo, que mobilizou 230 policiais nacionais, que cumpriram 54 mandatos de prisão temporária e 59 mandatos de busca e apreensão que resultaram na apreensão de duas toneladas de cocaína.

2. Em parceria com a Colômbia, em 2005, 2007, 2009 e 2015, foi realizada a Operação Colbra, que estimulou a integração de soldados e aeronaves dos dois países, com o objetivo de aumentar a eficiência na identificação e interceptação de aviões utilizados por traficantes.

3. Em parceria com militares do Peru, o Brasil conduziu a Operação Trapézio. Na primeira edição, em 2011, foram destruídos 200 hectares de folha de coca. A segunda, em 2012, resultou na destruição de 12 laboratórios de refino. Em 2013, foram destruídos outros 28 laboratórios de produção de cocaína.

4. As polícias federais de Brasil e Paraguai realizam, desde 2017, a Operação Spectrum. Na ação mais recente, realizada em abril desde ano, foram executados mandados de busca e apreensão e sequestros de bens que somam US$ 68 milhões. Os alvos foram três fazendas, compradas supostamente com o objetivo de lavar dinheiro do tráfico de drogas.

5. O Brasil conseguiu que as nações vizinhas aceitassem, em 1998, que o país implementasse a Lei do Tiro de Destruição, que permite que as forças militares brasileiras destruam qualquer aeronave que invada o território nacional e seja suspeita de envolvimento com o tráfico de drogas. Até aquele momento, o Brasil utilizava radares para reunir informações sobre atividades ilegais na fronteira, graças principalmente ao Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), implantado ao longo dos anos seguintes, mas não contava com autorização legal para agir de forma mais enfática. “Mesmo com a implantação do Sivam, nenhuma medida coercitiva poderia ser aplicada pelos militares do Brasil, consequentemente, as ordens brasileiras para identificação ou pouso forçado de aeronaves ilegais frequentemente não eram respeitadas pelos clandestinos, que adentravam com ilícitos no espaço aéreo brasileiro muitas vezes, fazendo uso de beligerância explícita”, afirmam quatro pesquisadores do Centro Universitário Newton Paiva no estudo Proteção das Fronteiras e a Lei do Tiro de Destruição.

Discurso alinhado

Nos discursos e encontros oficiais, a pauta do combate ao crime tem consenso entre os países, principalmente do Cone Sul. Em 2016, por exemplo, o Brasil sediou um encontro, em Brasília, que discutiu com Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai ações concretas para reforçar a segurança nas fronteiras sul-americanas. O principal resultado da reunião foi a promessa de aumentar a articulação dos órgãos de inteligência desses países.

Em 2019, o presidente Jair Bolsonaro visitou seu colega paraguaio, Mario Abdo Benítez, com quem compartilhou o desejo de melhorar a segurança na tríplice fronteira em Foz do Iguaçu. Benítez, aliás, escolheu o Brasil como o destino de sua primeira viagem internacional depois de empossado – na época, janeiro de 2018, o presidente brasileiro era Michel Temer.

O Paraguai também organizou, em janeiro de 2019, o 13.º Fórum Parlamentar de Inteligência e Segurança, que reuniu autoridades e especialistas para discutir o combate ao contrabando e ao crime organizado. O Brasil tenta agora convencer o governo paraguaio a aumentar a taxação sobre o cigarro, de forma a desestimular a exportação ilegal. Atualmente, os brasileiros cobram impostos de 71%, contra os 16% praticados dentro do Paraguai.

Tais ações diplomáticas levaram o Brasil a celebrar acordos de cooperação no combate ao tráfico de drogas com quase todos os países da América do Sul – as exceções são a Guiana e o Equador. Para o contrabando, de armas a eletroeletrônicos, o país mantém acordos de cooperação com oito países: Argentina (com 11 acordos sobre fronteiras), Bolívia (3), Colômbia (3), Guiana Francesa, (1), Paraguai (3), Peru (4), Uruguai (8) e Venezuela (2).

“A agenda fronteiriça aparece ainda de modo incipiente na agenda política brasileira com seus vizinhos, representando cerca de 10% dos atos bilaterais celebrados”, afirma o pesquisador Maurício Kenyatta Barros da Costa, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), na tese Políticas de Segurança e Defesa da Fronteira Brasileira no Contexto de Integração Regional. A sinergia com o Uruguai, diz o autor, é elevada, enquanto que com o Paraguai, por exemplo, ainda é moderada.

Dificuldades práticas

Mas a cooperação poderia ser mais eficaz, como aponta a pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Michelle Gallera Dias, no artigo Cooperações Bilaterais do Brasil com Bolívia, Colômbia e Peru no Combate ao Tráfico de Drogas Ilícitas.

O estudo analisou as relações brasileiras com os maiores produtores mundiais de coca – Bolívia, Colômbia e Peru. E concluiu: “apesar dos avanços na cooperação sul-americana no enfrentamento da problemática das drogas em diversas áreas – dentre elas produção, distribuição, tráfico ilícito, transporte ilícito de substâncias precursoras, abuso de drogas e crimes conexos – é evidente que muito deve ser feito para que ocorram progressos no combate às organizações criminosas transnacionais”. E aponta: “apesar de enfrentarem dificuldades muito similares, os países sul-americanos não estabeleceram mecanismos e foros multilaterais efetivos para encarar tais obstáculos”.

O pesquisador Maurício Kenyatta Barros da Costa, da UnB, conclui: “Os principais desafios para a política externa brasileira em relação à agenda fronteiriça são a necessidade de fazer o tema prioridade para a política externa do país, a superação de desconfiança com os vizinhos para temas sensíveis e a construção progressiva da confiança, o entendimento mútuo sobre as fronteiras comuns com os vizinhos, a resolução conjunta de crises políticas, migratórias, econômicas e outras que possam transbordar para os países vizinhos e a superação das barreiras legais e políticas que dificultam ou impossibilitam boas práticas de cooperação e integração fronteiriça”.

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