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Carlos Alberto Decotelli
Carlos Alberto Decotelli, o ex-ministro da Educação demitido antes de tomar posse.| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

A demissão – antes mesmo da posse – de Carlos Decotelli do Ministério da Educação (MEC) na terça-feira (30) expôs mais uma vez a “desinteligência” da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O órgão é responsável por “fornecer ao presidente da República e a seus ministros informações e análises estratégicas, oportunas e confiáveis, necessárias ao processo de decisão”, segundo sua página oficial na internet, mas falhou em encontrar inconsistências no currículo do indicado pela ala militar do governo para o cargo de ministro da Educação.

Bolsonaro já vinha se mostrando insatisfeito com as atividades de inteligência no Brasil. Na reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgada por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), essa já era uma reclamação do presidente. No encontro, Bolsonaro afirmou que o sistema de inteligência brasileiro “desinforma” e disse ter um “sistema particular” de informações, que segundo ele, funciona melhor que os canais oficiais.

"O meu [sistema] particular funciona. Os que têm oficialmente desinformam. E voltando ao tema: prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho", disse Bolsonaro na reunião. Na ocasião, o presidente também reclamou da falta de relatórios de inteligência recebidos da Polícia Federal (PF), embora essa não seja uma atribuição da corporação.

"Eu não posso ser surpreendido, ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF que não me dá informações; eu tenho a inteligência das Forças Armadas que não me dá informações, a Abin tem os seus problemas, tem algumas informações, só não tem mais porque tá faltando realmente... temos problemas... aparelhamento, etc. A gente não pode viver sem informação", disse Bolsonaro, em 22 de abril.

"Então essa é a preocupação que temos que ter: a questão estratégia. E não estamos tendo. E me desculpe o serviço de informação nosso – todos – é uma vergonha, uma vergonha, que eu não sou informado, e não dá para trabalhar assim, fica difícil. Por isso, vou interferir. Ponto final. Não é ameaça,. Não é extrapolação da minha parte. É uma verdade”, completou.

Abin falhou na checagem de Decotelli

Decotelli, que ficou cinco dias no cargo, foi alvo de uma série de polêmicas envolvendo seu currículo. Diferentemente do que constava em seu currículo Lattes, Decotelli não obteve título de doutor na Universidade Nacional de Rosário, Argentina, como confirmou a própria instituição. A Universidade de Wuppertal, na Alemanha, também negou que Decotelli tenha feito um pós-doutorado na instituição, como apresentava seu currículo.

Na terça (31), foi a vez de a Fundação Getúlio Vargas (FGV) informar que Decotelli não fez parte do quadro de professores efetivos da instituição, como dizia o ex-ministro dizia, mas que apenas atuou como "colaborador". "Ele foi um professor colaborador, não tinha vínculo com a FGV. Deu aula em diversos cursos lato sensu. Foi também um dos coordenadores do MBA em Finanças na FGV e do curso Gestão Financeira Corporativa", disse a universidade, em nota.

Além dos problemas de currículo, Decotelli também teve problemas com a Controladoria Geral da União (CGU), ao autorizar, em 2018, uma licitação de R$ 3 bilhões que foi investigada e reprovada pelo órgão.

Falha da Abin prejudica área militar do governo

A Abin é subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado pelo general Augusto Heleno.

No Twitter, Heleno se defendeu sobre o episódio e negou que a Abin tenha falhado. "O GSI/ABIN examinam, sobre quem vai ocupar cargos no Governo, antecedentes criminais, contas irregulares e pendentes, histórico de processos e vedações do controle interno. No caso de Ministros, cada um é responsável pelo seu currículo", afirmou.

Apesar de Heleno assegurar que a Abin não falhou, o presidente Jair Bolsonaro teria ficado irritado com a confusão envolvendo o nome de Decotelli, segundo o jornal Folha de S.Paulo. E teria ordenado que o GSI realize uma devassa na vida pública de todos os candidatos a ocupar o Ministério da Educação.

Segundo o cientista político André Rosa, formado pela Universidade de Brasília (UnB), a Abin historicamente costuma checar o passado das indicações para o governo federal. “A Abin faz esse filtro, mas pensando em questões mais estruturais, fazendo um dossiê da pessoa que está entrando. Também deveria fazer a questão do [currículo] Lattes”, diz. “Mentir sobre isso é uma mentira de perna super curta, a Abin fica até surpreendida de não ter checado uma coisa tão trivial”, completa o cientista político.

A indicação de Decotelli para o Ministério da Educação partiu da ala militar do governo após a demissão de Abraham Weintraub, que colecionou polêmicas durante sua gestão. O nome de Decotelli era uma tentativa da ala militar em diminuir a temperatura da crise entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional.

Com a demissão, antes mesmo da posse, os militares saem do episódio enfraquecidos. “A ala militar tem uma perda e fica até um pouco queimada. Era a oportunidade que tinha de emplacar o ministro dela, sendo que os dois anteriores eram da ala olavista”, diz Rosa.

“A ala militar teoricamente teria que trabalhar mais essa parte de inteligência, uma área mais estratégica. A praxe deles teria que ser mais responsável em termos de inteligência. Uma indicação nesse sentido é um descrédito total a essa ala militar”, diz o cientista político pela UnB.

Decotelli não foi o primeiro ministro polêmico

Apesar de ser o caso mais emblemático, por se tratar de um ministro de Educação que mentiu sobre sua vida acadêmica, Decotelli não foi o único ministro com problemas que poderiam facilmente ter sido checados pela Abin.

No governo Bolsonaro, outros dois ministros também mentiram em seus currículos. A ministra da Família, Mulher e Direitos Humanos, Damares Alves, costumava dizer em eventos públicos que era "mestre em educação" e "em direito constitucional e direito da família". Questionada, a ministra reconheceu que não objete os títulos acadêmicos e afirmou à Folha de S. Paulo que os títulos eram referentes ao ensino bíblico.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também não obteve o título de mestre em direito público pela Universidade de Yale, nos Estados Unidos, ao contrário do que afirmou em um artigo publicado na Folha de S. Paulo em 2012. O ministro atribuiu o erro a sua assessoria de imprensa.

Os dois casos, porém, não tiveram uma repercussão tão negativa. Para Rosa, três fatores explicam o caso de Decotelli ter se tornado mais emblemático. “Peso um: não é início de governo mais; é o segundo ano de mandato. Peso dois: é uma pandemia, onde o Bolsonaro está sendo muito criticado. Peso três: é o ministro da Educação que está mentindo sobre títulos acadêmicos”, explica o cientista político pela UnB.

Ainda no governo Bolsonaro, o presidente do Banco do Nordeste foi exonerado do cargo no início de junho. Ele foi indicado ao cargo pelo centrão, mas era investigado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), suspeito de corrupção.

Antes de Bolsonaro, também já houve casos de ministros que trouxeram problemas para o governo federal. Foi o caso, por exemplo, de Cristiane Brasil, nomeada pelo ex-presidente Michel Temer para comandar o extinto Ministério do Trabalho. Ela tinha pendências na Justiça Trabalhista e teve a posse impedida por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

No governo Dilma Rousseff, em 2013, a atual deputada e então ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann (PT), teve que exonerar um assessor após polêmicas. Eduardo Gaievski, nomeado por Gleisi, era acusado de suposto crime de estupro e chegou a ser preso no Paraná depois de ser exonerado do cargo. Após as suspeitas virem à público, ele também foi suspenso do quadro de filiados do PT.


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