A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (14) projeto de lei que define crimes de abuso de autoridade cometidos por agentes públicos dos poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, além do Ministério Público, no exercício de suas funções. A proposta, vista nos bastidores como uma reação da classe política a juízes e procuradores do MP, foi aprovada em votação simbólica. Como já passou pelo Senado, o projeto nº 7.596 segue agora para sanção ou veto do presidente da República Jair Bolsonaro.
A proposta teve origem no Senado, onde foi aprovada em 2017 após parecer favorável do relator, o ex-senador Roberto Requião (MDB-PR). O texto prevê ao menos 32 ações que caracterizam abuso de autoridade, com penas que variam entre seis meses e quatro anos de prisão e multa. Em caso de reincidência, também pode haver a inabilitação para exercício da função pública por um a cinco anos e até a perda do cargo.
Na Câmara, o projeto teve o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) como relator. Depois de um acordo no colégio de líderes, a tramitação em regime de urgência – ou seja, sem a necessidade de passar pelas comissões da Casa – foi aprovada no plenário por 342 votos a 83. Três destaques poderiam modificar o texto-base foram rejeitados.
Apesar de o projeto ter sido aprovado no momento em que a Lava Jato passa por sua fase mais crítica, os deputados negam que a votação guarde relação com a operação ou que seja uma resposta às reportagens publicadas na imprensa com mensagens do Telegram atribuídas a membros da força-tarefa do Ministério Público Federal do Paraná.
Um deputado ouvido pela Gazeta do Povo na condição de anonimato, porém, disse acreditar que a votação do abuso de autoridade é uma retaliação à Lava Jato. “Encontraram um momento em que a Lava Jato está fragilizada politicamente para colocar para votação”, disse. O deputado Filipe Barros (PSL-PR) também acredita que o projeto tem a operação como alvo. "Esse projeto não resolve o problema do abuso de autoridade, ele serve para atingir a Lava Jato", disse.
A líder do governo na Câmara, deputada Joice Hasselmann (PSL) disse que o texto aprovado nesta quarta é mais suave, pois engloba todos os poderes, não apenas Judiciário e Ministério Público. Mesmo assim, ela considera que há pontos delicados no texto que veio do Senado, como, por exemplo, a previsão de punição para uso de algemas quando o preso não representa risco de fuga. Para Joice, esse trecho é muito subjetivo e aberto a interpretação.
"Escolheram o melhor texto, o que menos bate de frente com o Ministério Público", concordou o deputado Rodrigo Agostinho (PSB). Ele também considera o texto menos duro. Agostinho também destacou que era importante votar o projeto. "Em muitos casos o abuso de autoridade está casado com casos de corrupção", afirmou.
Para o deputado Delegado Waldir (PSL-GO), o problema está justamente em englobar todos os poderes. Para ele, os policiais não deveriam ser enquadrados nos mesmos requisitos de juízes e promotores. "O projeto é um tapa nas forças policiais, ele é excessivo e avança na defesa de direitos de bandidos", disse. Para ele, o problema é que a polícia tem atribuições diferentes do Ministério Público e do Judiciário. "Estão em momentos diferentes da persecução penal", afirmou.
Segundo Joice, o governo tentou negociar com o relator a retirada de pontos polêmicos, mas Ricardo Barros se recusou a modificar seu relatório. A opção, segundo a deputada, é o presidente Jair Bolsonaro vetar trechos que sejam considerados problemáticos. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), se comprometeu a não derrubar vetos presidenciais, casos eles ocorram.
Delegado Waldir, que é do partido de Bolsonaro, disse que a votação do projeto é resultado de um acordo com o governo: o abuso de autoridade seria votado após a aprovação da MP da Liberdade Econômica e da reforma da Previdência. Ele também destacou que, como o projeto é impopular, os deputados aproveitaram que a imagem da Câmara está em alta após a aprovação da previdência e a Lava Jato está em um momento de fragilidade política.
O que o texto define como abuso de autoridade
Entre as práticas classificadas como abuso de autoridade no projeto aprovado na Câmara estão obter provas por meios ilícitos; entrar em imóvel alheio sem determinação judicial; impedir encontro reservado entre um preso e seu advogado; decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado sem intimação prévia; fotografar ou filmar um preso sem o seu consentimento ou para expô-lo a vexame; e colocar algemas no detido quando não houver resistência à prisão.
O projeto prevê também punição para a “carteirada” — quando uma autoridade faz uso do cargo para exigir vantagem ou privilégio. Também será punida a autoridade que procurar colocar obstáculos à análise de um processo ao pedir vista por tempo excessivo, impedindo que ele seja apreciado pelo órgão colegiado ao qual ela pertence. No Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, é comum que os ministros peçam vista, ou seja, mais tempo para analisar o processo, e demorem para devolver os casos a julgamento.
Uma das maiores polêmicas do projeto, já em 2017, era o chamado crime de hermenêutica, ou seja, a criminalização de interpretações diferentes da mesma lei. O dispositivo foi duramente criticado por membros da Lava Jato, inclusive pelo ex-juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro. Depois de uma intensa discussão sobre o tema, essa previsão foi retirada do texto aprovado no Senado.
Abuso de autoridade também voltou à tona no Senado
No Senado, o assunto também voltou à tona depois do início da publicação de reportagens com as conversas no Telegram. Em junho, o Senado aprovou mudanças na lei de abuso de autoridade, incluídas no pacote das 10 Medidas Contra a Corrupção, encampado pela Lava Jato em 2016 e apresentado ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular. O texto aprovado voltou para a Câmara dos Deputados, mas ainda não foi votado. O projeto é diferente do aprovado nessa quarta-feira pelos deputados.
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