Diante das queimadas de proporções históricas que se alastraram recentemente em São Paulo, no Pantanal e na Amazônia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) optou por apontar culpados em vez de reconhecer falhas do governo federal e assumir responsabilidades. No domingo (25), o presidente apressou-se em atribuir os milhares de focos de queimadas a atos criminosos, ordenando que a Polícia Federal (PF) investigue responsáveis, além de culpar as mudanças climáticas pela tragédia. Ele não considerou, contudo, o corte de verbas em prevenção e combate a esses eventos que ocorreu já no começo da sua gestão.
Lula foi criticado, sobretudo de parlamentares de oposição, por entrar em contradição com uma das principais bandeiras de sua campanha presidencial: a defesa do meio ambiente. O petista condenou diversas vezes o avanço das queimadas nos biomas nacionais sob o governo de Jair Bolsonaro (PL) e prometeu um cenário melhor. Mas agora que as queimadas são mais numerosas e extensas em seu governo em relação ao anterior, Lula recorreu a gestos escapistas.
Conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ao longo do ano de 2024 e antes mesmo do último fim de semana, de 1º de janeiro a 23 de agosto, o país já havia registrado 102.670 focos de queimadas, número recorde para o mesmo período nos últimos 14 anos. Cerca de metade dos pontos se concentram na Amazônia. O maior patamar em igual base de comparação ocorreu em 2010, com 114.265 focos registrados.
A extensão da área queimada ultrapassou os 113 mil quilômetros quadrados no primeiro semestre, superando qualquer outro registro da série histórica que vem sendo contabilizada há 17 anos.
O senador Márcio Bittar (União Brasil-AC) exigiu por meio de suas redes sociais uma mudança de atitude do governo, particularmente da ministra Marina Silva, no sentido de assumir responsabilidades. “O Brasil está sob fumaça e nunca assistiu a tanta queima no campo. Hipócritas, Lula e Marina não têm mais a quem culpar, pois antes era mais fácil, atribuindo tudo a Bolsonaro. Agora, eles acabam atribuindo os fatos ao aquecimento global, ao El Niño e a outras variações do clima”, reclamou.
O deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) criticou a incoerência nas ações de Lula e Marina Silva. "É lamentável ver o presidente Lula e a ministra Marina Silva, que tanto criticaram o governo Bolsonaro pelas queimadas, agora se esquivando da responsabilidade. Quando era conveniente, eles apontavam o dedo e faziam discursos inflamados. Agora, quando a situação se repete, preferem silenciar e buscar desculpas. Essa postura só demonstra a hipocrisia que domina o atual governo”, disse.
Falhas e omissões de Lula com queimadas podem gerar nova crise com o agro
A postura de Lula pode resultar mais adiante em uma nova crise com o agronegócio, sobretudo se endossar a tese levantada pela ministra do meio ambiente, Marina Silva, de crimes orquestrados como “dia do fogo”, numa referência ao 10 de agosto de 2019, quando houve registros de queimadas simultâneas em mais de 470 propriedades rurais. “Há uma forte suspeita de que está ocorrendo de novo”, afirmou ela.
O aumento das tensões com um setor que, como o próprio presidente reconhece, não lhe é favorável, pode também ser induzido pelos prejuízos elevados causados pelas chamas. Só em São Paulo, as perdas são estimadas em R$ 1 bilhão, segundo o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A ministra afirmou se preocupar com o ocorrido em território paulista e avalia que a situação poderia ser até pior se o governo federal não tivesse se preparado desde o início para eventual aumento nas queimadas, negando qualquer falha.
Apesar das ponderações feitas pela ministra, o cenário crítico atual já havia sido apontado em previsões meteorológicas e por características cíclicas das queimadas e do clima seco. Mesmo assim, o combate aos incêndios teve um corte de cerca de 50% no montante previsto para o Orçamento da União de 2024. O Ibama chegou a pedir R$ 120 milhões para essa tarefa, mas o governo destinou R$ 65,7 milhões. Por fim, a dotação publicada após a votação no Congresso caiu para R$ 50 milhões.
Polícia Federal sai à caça de responsáveis pelos milhares de focos de incêndio
A PF já instaurou 31 inquéritos para apurar as causas dos incêndios em várias regiões do Brasil e outras investigações podem ser abertas nos próximos dias. As delegacias da corporação estão mobilizadas para atuar especialmente em territórios indígenas e situações de interesse da União, como nos casos em que atrapalhe a operação de aeroportos.
“Até agora, não conseguimos detectar nenhum incêndio causado por raios, o que significa que tem gente colocando fogo”, afirmou Lula ao visitar neste domingo (25) o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), na sede do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em Brasília. “A Polícia Federal vai investigar e o governo vai trabalhar com os estados no combate aos incêndios”, prometeu o presidente na rede social X.
Bandeira preservacionista de Lula sucumbe às falhas de seu governo
Apesar de o presidente ter sido eleito assumindo a missão de defender as florestas e criticando a gestão ambiental de Bolsonaro, o petista tem se mostrado incapaz de encarar o desafio das queimadas, sobretudo na região amazônica.
Além de citar investigações sobre incêndios criminosos, Lula aproveitou a nova crise ambiental para exigir mais ajuda dos países mais ricos, no sentido de conter as mudanças climáticas. Essa tem sido uma forma de ele lidar com problemas relacionados ao meio ambiente - contra os quais não tem tido sucesso.
“Temos que combater as mudanças do clima com muita inteligência, investimento, inclusive com financiamento dos países mais ricos que já devastaram suas florestas. Essa conta não pode ser apenas do Sul Global”, anotou o presidente no X.
Para a oposição, o chefe do Executivo já não consegue mais esconder suas falhas. “Lula bateu mais um recorde e, sob sua incompetente gestão, o país está em chamas”, protestou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), líder da minoria no Congresso, em suas redes sociais.
Ele e muitos congressistas, sobretudo os mais próximos de Jair Bolsonaro, cobraram manifestações de protestos de ecologistas e de celebridades, tais quais as muitas feitas durante o governo do ex-presidente. “Cadê as manifestações dos artistas? Cadê a ministra do meio ambiente?”, reagiu a deputada Bia Kicis (PL-DF).
A deputada Sílvia Waiãpi (PL-AP) cobrou ativistas para que critiquem Lula como fizeram com Bolsonaro. "O Brasil enfrenta recorde de focos de incêndio, e o que vemos? Silêncio total! Os mesmos artistas e ONGs que se reuniam para atacar Bolsonaro por uma faísca, hoje permanecem calados e omissos. Um boicote contra o Brasil, contra os brasileiros", disse.
"É hora de alerta não apenas com o fogo que vem destruindo casas, plantações e mata animais, mas também das vozes que se calam, e deveriam falar, diante desse momento crítico que o país enfrenta", disse o deputado Sargento Gonçalves (PL-RN).
Onda de queimadas em SP foi contida no próprio fim de semana, diz governo local
Os incêndios em série registrados no interior de São Paulo nos últimos dois dias, a partir da quinta-feira (22), somaram 2,8 mil queimadas, que consumiram 59 mil hectares de lavouras de cana-de-açúcar, uma perda calculada pelo segmento em mais de R$ 350 milhões. No domingo (25), havia 21 cidades de São Paulo com focos ativos, e outras 46 cidades em alerta máximo para possível aproximação das chamas. O governo paulista afirma ter controlado a situação a partir desta segunda-feira (26), enquanto apura responsabilidades pelas queimadas.
A polícia de São Paulo prendeu em flagrante três suspeitos, entre os quais um homem de 42 anos que teria ateado fogo em uma mata na região de Batatais (SP). Durante a prisão, ele teria afirmado que era integrante da facção Primeiro Comando da Capital (PCC). Ele já foi preso anteriormente e tem antecedente criminal por outros crimes, como homicídio. Segundo o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE) da Defesa Civil, as rodovias interditadas ao longo do fim de semana pela fumaça estão liberadas desde domingo (25).
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