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Lula agenda econômica
Agenda econômica do ex-presidente Lula começa a ficar mais clara a nove meses das eleições.| Foto: Fernando Bizerra Jr/EFE

Com a proximidade das eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começa a dar as primeiras pistas de sua agenda econômica caso vença a disputa presidencial. Nesta semana, o líder petista defendeu, por exemplo, a revogação da reforma trabalhista. Também já falou publicamente que irá rever o teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas públicas.

A opinião de Lula é chancelada por outros próceres do PT, como a presidente do partido Gleisi Hoffmann e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. "Está na hora de revogar o que deu errado: Lei do Teto, a reforma que não gerou empregos, política de preços dos combustíveis. Deter a privatização selvagem e rever os contratos lesivos ao país", escreveu Gleisi, no Twitter, nesta sexta-feira (7).

Proposta pelo governo do ex-presidente Michel Temer (MDB) e em vigor no Brasil desde 2017, a reforma trabalhista promoveu um conjunto de alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para os defensores, a proposta deu mais segurança jurídica para empregadores e trabalhadores, além de regulamentar novas formas de trabalho e estimular a formalização dos informais.

Para Lula e outras lideranças do PT, no entanto, a reforma provocou uma precarização do trabalho no Brasil e não gerou novos empregos. Pelas redes sociais, o líder petista defendeu que os brasileiros "acompanhem de perto" o que está acontecendo com a reforma trabalhista na Espanha. No país europeu, governo, sindicatos de trabalhadores e empresários fizeram um acordo para revisar alterações nos direitos dos trabalhadores feitas em 2012. Agora, haverá regras mais rígidas para as terceirizações, por exemplo.

“A reforma espanhola serviu de modelo para a brasileira e ambas não criaram empregos, só precarizaram os direitos. Já temos o caminho”, concordou a deputada Gleisi Hoffmann (PR), em outro post recente no Twitter.

As críticas ao teto de gastos

Além da reforma trabalhista, Lula já afirmou que pretende revogar a emenda constitucional que criou o teto de gastos. Também aprovado pelo Congresso durante o governo de Michel Temer, a ideia era que a restrição de despesas à inflação levaria a um reequilíbrio das contas públicas, impediria o crescimento exagerado da dívida pública, diminuiria o risco de investir no país e levaria a uma queda dos juros brasileiros.

“Quando você dá R$ 1 bilhão para rico é investimento e quando dá R$ 300 para o pobre é gasto? Nós vamos revogar esse teto de gastos”, prometeu Lula.

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo nesta semana, Guido Mantega afirmou que o teto de gastos provocou "diversas distorções" na gestão orçamentária. "As gestões fiscais dos governos Temer e Bolsonaro foram um desastre que, desde 2016, só acumulou déficits primários", argumentou o ex-ministro dos governos Lula e Dilma Rousseff.

No Twitter, Gleisi disse que "manter o teto de gastos" na atual situação econômica do país é uma atitude "suicida". Para ela, o teto "só funcionou para cortar investimento em obras, saúde e educação, enquanto dívida, juros e inflação crescem no país em recessão"

Reforma tributária para taxar os mais ricos

Lula também sinaliza para uma reforma tributária que reduza a taxação dos mais pobres e aumente os tributos sobre a renda e patrimônio da parcela da população que corresponde ao 1% mais rico do país. Outro ponto defendido é a redução da carga tributária sobre o consumo – através de impostos indiretos, como ICMS e IPI.

“Do jeito que está, quem ganha R$ 7  mil por mês paga mais imposto proporcionalmente do que quem ganha R$ 70 mil. Que as pessoas paguem imposto sobre dividendos, sobre lucros, sobre herança. Precisamos de uma reforma tributária progressiva”, defendeu Lula recentemente.

As mudanças nas regras tributárias envolvendo a taxação dos mais ricos também foi citada por Mantega no artigo à Folha de S. Paulo. "É imprescindível realizar uma reforma tributária, que simplifique os impostos federais, estaduais e municipais. É importante também diminuir a taxação dos mais pobres, aumentando os tributos sobre a renda e patrimônio dos 1% mais ricos, de modo a reverter a regressividade da estrutura tributária brasileira", escreveu o ex-ministro.

Interferência na política de preços da Petrobras e fim das privatizações 

Crítico da política de preços da Petrobras para os combustíveis, o ex-presidente Lula defende que a estatal altere o modelo de paridade que equipara o preço interno com a cotação internacional do petróleo. "Digo em alto e bom som: nós não vamos manter essa política de preços de aumento do gás e da gasolina que a Petrobras adotou por ter nivelado os preços pelo mercado internacional. Quem tem que lucrar com a Petrobras é o povo brasileiro", disse Lula em entrevista à Rádio Gaúcha.

No Congresso, o PT apresentou um projeto de lei para acabar com a paridade e criar alternativas para custear a queda do preço, como um imposto sobre exportação do petróleo. De acordo com Lula, metade da inflação hoje está subordinada aos preços controlados pelo governo. “Portanto, o governo tem muita responsabilidade pela inflação. Pelo preço da energia, do gás, da gasolina, do diesel”, disse.

Além disso, o ex-presidente já sinalizou que não pretender dar andamento às privatizações de estatais federais. “O Estado fraco não serve para nada. É preciso ter um Estado que não só tenha capacidade de investimento, como tenha empresas públicas capazes de fazer investimento, que é o caso da Petrobras, dos Correios, da Eletrobras, da Caixa, do Banco do Brasil e do BNDES”, disse o petista em entrevista à Rádio 97 FM do Rio Grande do Norte.

Recentemente, Gleisi Hoffmann postou texto nas redes sociais em que defendia como “notícias alvissareiras” a revogação da privatização de empresas de energia na Argentina. Líderes do PT são contrários, por exemplo, à privatização da Eletrobras, cuja a conclusão está prevista ainda para este ano, e a venda dos Correios, em discussão pelo Congresso.

Plano econômico de Lula é mantido sob reserva pelo PT

Faltando cerca de nove meses para as eleições, Lula e integrantes do PT pretendem fazer declarações controladas sobre o plano econômico do partido. De acordo com líderes petistas, a medida é uma forma de evitar "ruídos e visões distorcidas" dos adversários políticos e do mercado financeiro.

Apesar das manifestações de Mantega, o PT descarta que o ex-ministro irá assumir o comando da agenda econômica, que inicialmente será conduzida pelo próprio ex-presidente. Até o início da campanha, Lula deve manter o discurso voltado para o eleitor de baixa renda, defendendo a ampliação do investimento público e de gastos sociais, com o equilíbrio fiscal em segundo plano.

"Eu quero um Estado com força para que ele seja o indutor do desenvolvimento. Um Estado que não tenha preocupação de fazer dívida para investir num ativo produtivo para este país", disse durante coletiva de imprensa recente.

Ao ser questionado sobre os planos, Lula tem afirmado que tem um "legado para comprovar a responsabilidade econômica que teve durante os anos de 2003 e 2010". Na sua última passagem por Brasília, o petista descartou uma nova carta ao povo brasileiro, documento endereçado aos empresários e à elite econômica durante a campanha de 2002, quando foi eleito pela primeira vez.

"Acho que pessoas de boa fé e as pessoas minimamente inteligentes desse país sabem que a melhor carta que eu posso assinar ao povo brasileiro é eles lerem o que aconteceu na economia brasileira quando eu fui presidente da República", afirmou.

O que os economistas dizem sobre a agenda de Lula

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo divergem sobre as propostas ensaiadas pelo ex-presidente Lula para sua agenda econômica. Mestre em economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o professor Leandro Souza defendeu que a reforma trabalhista modernizou o modelo de contratação e que a geração de empregos é consequência do aquecimento da economia, afetado pela pandemia do novo coronavírus.

"Não podemos esquecer de analisar o fator pandemia, que paralisou a economia no mundo todo. A reforma deixou o mercado mais flexível e isso facilita a geração de emprego. Agora, para isso, o país também tem que estar com a economia aquecida. A geração de trabalho vem através da demanda por pessoas", argumenta.

De acordo com Souza, qualquer retrocesso nesse sentindo iria criar uma insegurança para os empregadores e trabalhadores. "Tem emprego que só foi gerado nesse período porque as novas regras permitiram. Se a gente tem uma eventual alteração ou revogação dessa legislação em um curto espaço de tempo, isso pode ser um recado ruim para o mercado e para os trabalhadores de forma geral", completou.

Favorável ao teto de gastos, o economista Lucas Macedo alerta que a regra já começou a se desrespeitada pelo governo Bolsonaro e que o fim da regra proposta por Lula vai de encontro com o pensamento de curto prazo dos políticos. Macedo argumenta que, com o cumprimento do teto e a definição de prioridades, seria possível recompor a credibilidade econômica do Brasil.

"Os políticos têm uma visão de curto prazo para o país, pois eles não têm o compromisso com trajetórias de médio e longo prazo. Ao invés de criarmos mais gastos, temos que reformar para que o enorme orçamento da União seja melhor usado", argumentou.

Para o economista, o país precisa discutir reformas estruturantes como forma de estabilizar a economia. "Precisamos de medidas de desburocratização e novas concessões e privatizações para atrair investimentos. Além de, claro, a aprovação das reformas tributária e administrativa para impulsionar esse crescimento", completou.

Na mesma linha, o advogado e economista Alessandro Azzoni argumenta que propostas como a revogação do teto podem aumentar o descrédito do Brasil. Para ele, o mercado externo ainda investe no país por conta do equilíbrio de gastos.

"O teto dos gastos veio justamente para disciplinar a gestão pública. Foi estabelecido uma paridade entre o que se arrecada e o que se gasta. Ele é o que segura as nossas reservas internacionais. Quando houve uma ameaça de rompimento do teto de gastos pelo governo Bolsonaro, a repercussão foi extremamente negativa, com a perda de posição na bolsa e o dólar subindo. Isso demonstra que o mercado externo está centrado no Brasil porque existe uma segurança", afirma.

Já André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton Investimentos, afirma que, até o momento, Lula não apresentou o que vai fazer, apenas o que vai desfazer. "Eu faço uma crítica geral em relação ao que ele [Lula] está falando, porque até agora ele está dizendo que quer desfazer de coisas, mas ele não está falando que quer fazer coisas. Isso já é uma sinalização por si só ruim. Não vai ter teto, vai revogar a reforma trabalhista, mas exatamente o que vai colocar no lugar? Isso é mal visto pelo mercado porque gera incerteza", explica.

Para Perfeito, outro ponto que pode gerar incertezas é a possibilidade de rever privatizações como a da Eletrobras. "Muita gente está esperando isso [privatização], não só da Eletrobras, mas se espera que se avance para o Banco do Brasil, Petrobras. A ideia da privatização é boa porque se destrava valor. A questão é a seguinte: se não vai privatizar, qual é o plano?", questionou.

Sobre o teto de gastos, Perfeito acredita que, independentemente do governo que for eleito, a regra do teto de gastos será revista. "Eu acho que o Congresso e os políticos vão ter que revisitar o assunto, porque ele se mostrou muito complicado de se lidar em momentos como o atual. Pode não acontecer uma outra pandemia, mas pode acontecer uma seca terrível, por exemplo. O Sul está em uma situação horrorosa. Isso para dizer que a medida do teto dos gastos foi importante porque estabeleceu uma meta fiscal, mas a gente sabe que ela já está comprometida até por um governo tido como liberal como o governo Bolsonaro", completou.

Para o economista, o teto pode ter regras menos rígidas. "Eu acredito que o teto de gastos é uma discussão vai ter que ser revista por qualquer governo. Até pelo Bolsonaro e pelo Paulo Guedes [ministro da Economia], porque ela se mostrou draconiana. Acredito que podemos ter um regime menos rígido, mas vendo o superávit como um todo, não só os gastos ou criar uma meta um pouco mais flexível", concluiu.

Numa argumentação mais alinhada com as ideias do PT, André Roncaglia, professor da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios, argumenta que apenas com uma nova reforma trabalhista, a revisão do teto de gastos e uma reforma tributária podem favorecer a retomada da economia. "A agenda que o ex-presidente Lula e o ex-ministro Mantega vem demonstrando é de retomada dos investimentos públicos e uma tentativa de retomar a proteção social. Essa agenda vai fazer com que a renda cresça, vai gerar crescimento econômico e vai gerar mais empregos", opinou.

Ainda segundo Roncaglia, no cenário econômico "anêmico" que o Brasil está, é preciso um espaço fiscal maior de investimentos. "Esse espaço fiscal poder ser construído. O teto de gastos coloca uma camisa de força na nossa capacidade de financiamento dessa nova estrutura produtiva que a gente precisa", completou.

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