A recuperação do Brasil após a pandemia de coronavírus pode ter a área social como um dos seus principais focos de disputa política. O governo de Jair Bolsonaro prepara um projeto de renda mínima que deve ser apresentado nos próximos dias para substituir o Bolsa Família. E a oposição, principalmente o PT, não quer que Bolsonaro monopolize a agenda social, e também vai apresentar sua proposta. Além disso, essas iniciativas tentarão encontrar espaço num Congresso Nacional ainda focado no combate à Covid-19 e, agora, também na reforma tributária.
O foco comum das propostas de governo e oposição é o Bolsa Família, tido como ponto de partida para as novas ações. As iniciativas falam de ampliação do programa e de mudanças no critério de beneficiados. Outro ponto semelhante nas proposições é a de buscar uma conexão entre o pós-Bolsa Família e o auxílio emergencial que está sendo pago atualmente pelo governo, como parte das medidas ligadas à luta contra os efeitos da Covid-19 na economia. Há ainda similaridade no modo como as propostas do governo e oposição contemplam a ideia de se conceder uma renda mínima aos brasileiros.
Mas os pontos de convergência param por aí e a temática social tende a ser um dos novos campos de batalha entre apoiadores e críticos do governo Bolsonaro.
O Bolsa Família foi criado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em seu primeiro mandato, a partir do Bolsa Escola e outros programas sociais existentes antes da gestão petista. E é tido como uma das principais marcas dos governos do PT.
Já Bolsonaro tem intensificado ações para ampliar sua popularidade no Nordeste, região em que foi derrotado na eleição de 2018 e que é a principal beneficiária do Bolsa Família. E, para isso, Bolsonaro pretende lançar ainda em 2020 o programa Renda Brasil – que iria substituir o Bolsa Família e "turbiná-lo". O PT enxergou esse movimento e não quer perder espaço na discussão da agenda social.
Proposta do governo é na linha do "gastar melhor"
A proposta do Renda Brasil deve ser formalizada pelo Palácio do Planalto até a primeira quinzena de agosto. Entre as metas do novo programa está a de ampliar o número de beneficiários do Bolsa Família, que saltaria de 41 milhões para 57,3 milhões de pessoas.
O Renda Brasil também tende a dispor de um caixa maior que o do Bolsa Família: o Planalto fala em um orçamento de R$ 51 bilhões, contra os R$ 32 bilhões do programa atual. O montante maior, porém, não representa mais despesas, e sim um rearranjo dos recursos aplicados. O Renda Brasil planeja coibir o pagamento de mais de um benefício às mesmas famílias e restringir o acesso ao seguro-defeso (pago a pescadores no período do defeso, quando não podem pescar para garantir a reprodução das espécies aquáticas), por exemplo. O entendimento do governo é que há pessoas que não estão em situação de miséria são contemplados com o auxílio.
Outro foco do programa é no acesso ao emprego: beneficiários poderão arrumar empregos com leis trabalhistas menos rígidas. Haveria também a possibilidade de retorno rápido ao programa, se necessário.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que o valor pago mensalmente aos contemplados com o Renda Brasil pode girar em torno de R$ 200 a R$ 300 – hoje o o Bolsa Família paga de R$ 41,00 a R$ 205,00 por mês.
Guedes foi o articulador de uma ação que envolveu o Renda Brasil e gerou ruídos entre o governo e o Congresso. O ministro propôs recentemente que parte dos recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), aprovado pela Câmara, fosse direcionado ao novo projeto.
A ideia fez com que a votação do fundo para a educação chegasse a ser posta em dúvida. Mas o projeto do Fundeb passou – e sem a destinação de quantias ao Renda Brasil, o que foi interpretado como uma derrota do governo, embora o próprio presidente Bolsonaro tenha tentado difundir a versão de que se saiu vitorioso na votação da Câmara.
Sem ter os recursos do Fundeb para o Renda Brasil, agora a nova aposta da equipe econômica de Bolsonaro é financiá-lo com os recursos que seriam arrecadados com a nova CPMF – o imposto sobre transações eletrônicas defendido por Guedes. Mas a nova CPMF também enfrenta forte resistência no Congresso.
PT aposta em união da oposição para emplacar o seu novo Bolsa Família
A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse em entrevista à CNN que o governo Bolsonaro tende a "se trair" na condução do Renda Brasil. A petista chamou a proposição do governo de "oportunismo" e recordou que, em anos anteriores, Bolsonaro foi um crítico do Bolsa Família.
O PT deve protocolar nos próximos dias no Congresso o projeto "Mais Bolsa Família", que o partido define como uma reformulação do programa original.
A proposta, assim como o Renda Brasil, também aumenta o o orçamento do progrma e número de beneficiados do Bolsa Família – que chegaria a 30 milhões de família. Segundo o PT, o dinheiro para o novo projeto viria por meio de uma reforma tributária "que geraria R$ 270 bilhões por ano exclusivamente para bancar o programa social, e também a taxação dos super-ricos, aqueles que estão no topo da pirâmide social brasileira: os 0,3% de milionários do país".
À Gazeta do Povo, Gleisi disse acreditar que o Brasil tende a sair da pandemia em uma "crise econômica sem precedentes". "Nós achamos que é o momento de fortalecer o programa de base, de poder fazer com que pessoas possam se recolocar no mercado", afirmou a deputada. A presidente do PT falou também que o programa se beneficiaria da estrutura que hoje atende o Bolsa Família e que teria "aplicação imediata".
Apesar de a oposição ser, hoje, minoritária no Congresso, Gleisi acredita que a iniciativa do PT tem condições de ser aprovada no parlamento. Para tanto, segundo a petista, seria necessária uma união com outros partidos. Gleisi cita o auxílio emergencial como referência: "Nós conseguimos aprovar um auxílio de R$ 600, quando o governo queria R$ 200. Foi uma grande vitória da oposição".
Outra força da oposição, o Psol, também sugeriu um projeto ligado ao Bolsa Família. A iniciativa do partido se chama Renda Básica Permanente e prevê pagamentos de R$ 600 a trabalhadores maiores de 18 anos e mães adolescentes. Assim como na proposta petista, o partido estima a imposição de um imposto sobre grandes fortunas como meio para a arrecadação necessária para o benefício.
Câmara tem "pacote social" afetado pela pandemia
Caso as propostas de governo e oposição efetivamente avancem na Câmara no segundo semestre, terão a "concorrência" de uma iniciativa idealizada ainda no ano passado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e coordenada por Tabata Amaral (PDT-SP).
O grupo de proposições, que foi apelidado de "pacote social", aborda também o Bolsa Família e outras áreas como saneamento básico, educação, trabalho e geração de renda. Mas a pandemia de coronavírus fez com que as propostas permanecessem na geladeira ao longo de 2020.
"A proposta da agenda social não teve alteração e os projetos continuam válidos. No entanto, é importante destacar, por mais que seja importante uma modernização e ampliação do Bolsa Família, é ainda mais salutar, principalmente após os impactos da pandemia e os resultados do auxílio emergencial para conter extrema pobreza e desigualdades, regulamentar a Renda Básica, um projeto muito mais amplo para o Brasil", diz Tábata Amaral.
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