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Eduardo Bolsonaro disse que AI-5 poderia ser resposta à "radicalização da esquerda"
Eduardo Bolsonaro disse que AI-5 poderia ser resposta à “radicalização da esquerda”.| Foto: Lula Marques/Fotos Públicas

A declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) de que a “radicalização da esquerda” no Brasil poderia levar a “um novo AI-5” – referência ao Ato Institucional Número 5, promulgado em 1968 e tido como a medida mais restritiva do regime militar – motivou uma série de declarações de repúdio vindas de políticos dos mais variados espectros ideológicos. As críticas vieram do PSOL ao PSDB, do Novo ao PT, do MBL ao PCdoB, incluindo o próprio PSL ao qual Eduardo ainda está filiado. Governadores, prefeitos, magistrados e advogados também fizeram coro. Eduardo ficou praticamente isolado.

A fala do líder do PSL na Câmara ocorreu em entrevista concedida na segunda-feira (28) à jornalista Leda Nagle, e divulgada nesta quinta-feira (31). Após a repercussão negativa e um puxão de orelha do próprio presidente da República, o filho "03" de Jair Bolsonaro tentou amenizar os efeitos da declaração. Disse que “talvez tenha sido infeliz ao falar de AI-5” e que “não há qualquer possibilidade de retorno” da norma. Segundo ele, sua intenção foi dizer que o governo teria que se preparar caso protestos com vandalismo e violência ocorressem no Brasil, aos moldes do que há no Chile.

O deputado também pediu desculpas “a quem porventura tenha entendido que eu estou estudando o retorno do AI-5”. Essas declarações foram em entrevista ao programa Brasil Urgente, do apresentador José Luiz Datena – que disse considerar o AI-5 “um horror”. Datena é apontado como possível candidato do bolsonarismo para a prefeitura de São Paulo em 2020. O deputado também recuou em vídeo nas suas redes sociais.

O pedido de desculpas de Eduardo não deve amenizar as reações à sua fala inicial sobre o AI-5, que foram além das críticas. Diferentes partidos anunciaram que pedirão a cassação do mandato do deputado à Câmara. O movimento Livres também disse que solicitará o afastamento do deputado. O Livres era vinculado ao PSL até o então pré-candidato a presidente Jair Bolsonaro chegar ao partido, no primeiro semestre do ano passado.

O impacto das declarações de Eduardo reverteu um clima positivo para o presidente que havia se instalado no Congresso nos últimos dois dias, após reportagem da TV Globo, veiculada na terça-feira (29), que apontou uma possível conexão de Bolsonaro com o assassinato da vereadora Marielle Franco.

Como a denúncia do porteiro que disse ter conversado com Bolsonaro para autorizar a entrada dos criminosos em seu condomínio foi desmentida pelo Ministério Público horas depois, integrantes de diferentes partidos criticaram o que consideraram uma postura “injusta” da TV Globo e endossaram críticas da família Bolsonaro à reportagem. A solidariedade a Bolsonaro veio até do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), que tem contestado decisões do governo, e de membros do PSL que ficaram do lado de Luciano Bivar no racha interno do partido.

Reação ao AI-5 pode unir adversários

A fala de Eduardo Bolsonaro sobre o AI-5 colocou em posições semelhantes partidos que raramente concordam em outros assuntos, como PT, PSDB, DEM, Novo, PCdoB e PSOL. A mobilização despertada pelo posicionamento pode até unir algumas dessas legendas no pedido de cassação do mandato do filho do presidente.

“Essa é uma causa suprapartidária, e podemos, sim, contar com o apoio de partidos com os quais geralmente divergimos. A realidade é que não podemos naturalizar esse tipo de discurso, não podemos simplesmente ignorar”, disse a deputada Érika Kokay (PT-DF).

Embora tenham se tornado adversários nas últimas décadas, a maior parte dos grandes partidos brasileiros, como MDB, PSDB, PT e PDT, tem entre seus fundadores e lideranças históricas políticos que fizeram oposição e foram perseguidos pelo regime militar. Um deles, o senador José Serra (PSDB-SP), escreveu nesta quinta: “subescrevo o posicionamento do meu partido”. O PSDB divulgou nota em que disse que “ameaçar a democracia é jogar o Brasil novamente nas trevas”.

Um dos raros momentos de defesa de Eduardo Bolsonaro veio por parte do deputado Bibo Nunes (PSL-RS), que é um dos principais apoiadores do bolsonarismo na Câmara. Em entrevista à imprensa, o parlamentar disse que Eduardo “falou na condicional” e que havia colocado o AI-5 como possibilidade “apenas se houver uma esquerda extremada”.

“O AI-5 foi extremo, mas isso não quer dizer que vamos trazer o extremismo de volta. A não ser que tenhamos também o extremismo por parte da esquerda. Mas não vejo ambiente para isso na esquerda brasileira”, apontou. Nunes ainda chamou o presidente Bolsonaro de “um democrata autêntico”.

Jair Bolsonaro é o primeiro presidente brasileiro após a redemocratização que é defensor do regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. Desde quando exercia mandato como deputado, Bolsonaro costumeiramente homenageava os militares responsáveis pelo golpe que depôs João Goulart em 1964 e iniciou a ditadura. Ele também manifestou apoio ao regime na sessão de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, quando dedicou seu voto ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que foi condenado por torturas cometidas durante a ditadura.

AI-5 pode abafar o caso Marielle?

Apesar de a entrevista de Eduardo Bolsonaro ter sido gravada um dia antes de a TV Globo divulgar a reportagem sobre a suposta relação do presidente com o crime contra Marielle Franco, ao longo desta quinta-feira (31) a hipótese de que a fala sobre o AI-5 tenha sido uma “cortina de fumaça” para ocultar o caso foi mencionada por diversos políticos – que apoiam e que criticam o governo.

O deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), que faz oposição a Bolsonaro, é um que acredita na hipótese. “A oposição está caindo na isca do presidente Jair Bolsonaro. Em vez de falarmos da questão da Marielle, em vez de falarmos do Queiroz [ex-assessor de Flávio Bolsonaro, acusado de comandar um esquema de ‘rachadinhas’], estamos debatendo isso”, apontou. O parlamentar também falou que a oposição precisa “definir seu foco”: “temos tarefas demais para uma oposição que numericamente é pequena”.

Na mão oposta, o deputado Filipe Barros (PSL-PR), defensor do governo, aponta a hipótese da “cortina de fumaça” como tentativa de retirar a responsabilização da TV Globo pela reportagem publicada contra Bolsonaro.

“Ontem uma fake news escandalosa, fabricada pela #GloboLixo, foi revelada e ganhou enorme atenção. Hoje, uma frase hipotética sobre uma situação também hipotética ganha manchetes histéricas nos jornais. Será que querem desviar a atenção?”, escreveu o deputado, em seu perfil no Twitter.

Conteúdo editado por:Sergio Luis de Deus
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