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João Amoêdo foi o quinto colocado na eleição presidencial de 2018 pelo partido Novo.
João Amoêdo foi o quinto colocado na eleição presidencial de 2018 pelo partido Novo.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O empresário João Amoêdo esteve à frente do partido Novo por mais de 10 anos. Deixou a presidência da sigla na última quinta-feira (5), quase um ano e meio depois de receber 2,7 milhões de votos na eleição para presidente da República, em 2018. Ele concedeu à Gazeta do Povo sua primeira entrevista após passar o bastão do comando do partido. "Acho que saindo da presidência do Novo, eu consolidaria ainda mais a instituição, nossos princípios e ideais", declarou Amoêdo, que continuará vinculado ao partido, como integrante do conselho curador da Fundação Brasil Novo.

Amoêdo avalia a gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) como um governo que "começou bem, mas se deteriorou". Para ele, o presidente precisaria deixar de lado as polêmicas e "ter um tratamento mais sério com a imprensa", além de priorizar ações como as reformas tributária e administrativa. Ele ainda definiu como "frustrante" o crescimento de 1% do PIB em 2019, e afirmou que o único ponto positivo do número é servir de estímulo para a aprovação das reformas.

O quinto colocado na disputa presidencial de 2018 falou também sobre a controversa medida adotada pelo único governador eleito por seu partido – Romeu Zema, de Minas Gerais. O governador anunciou um aumento salarial de 41% para os policiais, que motivou mobilizações similares de outras categorias e levou a uma preocupação generalizada com as contas públicas do estado.

O ato de Zema atingiu justamente uma das principais bandeiras do Novo, que é a responsabilidade fiscal. "Foi um erro", disse Amoêdo, sobre a decisão de Zema. O Novo chegou a entrar com uma ação na Justiça para frear o aumento. Apesar disso, segundo o ex-presidenciável, a relação entre o governador mineiro e o partido segue positiva.

Já quanto a outro filiado à sigla, o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), Amoêdo diz que o status do vínculo entre as partes prossegue o mesmo do fim do ano passado: o de suspensão e de tramitação de um processo contra o ministro no Conselho de Ética da legenda.

Amoêdo ressaltou, ao longo da entrevista, que não mais fala como presidente do partido. O cargo agora é ocupado por Eduardo Ribeiro, um farmacêutico de Santa Catarina. "Preciso mudar meu mindset", brincou.

Como foi a decisão de deixar a presidência do Novo? O que foi levado em conta?
Já era uma ideia que eu vinha amadurecendo há algum tempo. Já estava no Novo há praticamente 10 anos. Na verdade 10 anos contando aí a concepção do projeto, depois a estruturação, a busca de assinaturas - algo que é muito difícil, todos temos acompanhado o Aliança, partido do Bolsonaro - e foi um trabalho muito grande. E eu achei que era um momento importante já, e eu entendi que era o momento de passar o bastão. A gente sempre pregou no Novo um desapego ao poder, uma postura humilde, coerente, e acho que saindo da presidência consolidaria ainda mais a instituição, nossos princípios e ideais, e por isso decidi. E isso também me dá um pouco mais de tempo. Foi muito trabalho. Nesses últimos 10 anos, prioritariamente meu tempo foi dedicado ao Novo, então eu queria ter um pouco mais de disponibilidade, um pouco mais de liberdade. Foi a junção dessa série de coisas que me fez caminhar para essa decisão.

Em relação ao partido, quais as metas futuras do senhor?
Eu continuarei no conselho curador da fundação [Brasil Novo]. O Novo pretende agora desenvolver mais a fundação como um centro de treinamento para os mandatários, para as pessoas que queiram ir para a política. Isso vai ser o principal objetivo. Então quero permanecer atuando lá. Também pela própria exposição que eu tive durante a campanha presidencial, quero ajudar em 2020 os nossos candidatos a nível municipal, no que eu puder. E quero ter uma presença bastante atuante na vida política do Brasil. Nós ainda precisamos fazer muitas mudanças no país. O país ainda não encontrou o rumo do crescimento, da retomada de crescimento, então eu gostaria de continuar atuando neste processo também.

Em relação à proposta do aumento de 41% ao funcionalismo em Minas Gerais. Muito se fala que o Novo teria proposto a ação para tentar consertar o erro do governador Zema. É isso mesmo?
Na verdade, acho que a gente pode separar as coisas. Nós entendemos que foi um erro esse aumento. Depois, inclusive, soltamos um comunicado recomendando o veto integral - não só o aumento na área de segurança, mas nas outras áreas que foram aprovadas na sequência. E nós realmente identificamos esse problema da Lei de Responsabilidade Fiscal. E a gente fez isso pensando não só no estado de Minas, mas a gente tem uma preocupação também, e vamos concorrer no nível municipal, com as prefeituras, onde você tem essa flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal. Então foi pensando no conjunto. Diria que uma das principais pautas do Novo é a responsabilidade fiscal, é a preocupação com o dinheiro do pagador de impostos. Não é à toa que o Novo é o único partido que não usa dinheiro público nas suas campanhas, nem na manutenção dos partidos, e os mandatários economizam também em verbas de gabinete e assessores, então nós entendemos que isso é uma contribuição para nós termos um saneamento melhor das contas públicas. E aí entramos com a ação. Obviamente, a ação terá um impacto imediato e pode ajudar o governador, lá em Minas, dentro do nosso enfoque de reduzir despesas. E aí estamos aguardando o posicionamento do ministro que está com a ação para julgar.

No geral, qual a avaliação que o senhor faz do governo Zema?
Eu acho que no geral vai muito bem. A gente tem que lembrar que ele assumiu um estado com uma dívida, um déficit previsto para o ano passado de R$ 15 bi, ele trouxe esse déficit para abaixo de R$ 10 bi, fez uma reforma administrativa que economizou mais de R$ 1 bilhão, conseguiu fazer uma atração de investimentos que foi mais do que o dobro dos últimos quatro anos somados, quase R$ 55 bilhões, os índices de criminalidade diminuíram. Agora, ainda tem um desafio grande, que é começar a fazer a privatização das principais empresas, realmente sanear as contas e dar um equilíbrio que hoje Minas não tem ainda.

Houve críticas pesadas de apoiadores do Zema ao partido Novo. A relação do Novo com o Zema está em boas condições?
A relação com ele é boa. É importante mencionar: o governador tem independência das medidas. Tanto é que essa do aumento, por exemplo, a gente sabia que havia uma negociação, mas não participamos em nenhum momento da negociação, de discussão de índice. A gente soube depois o percentual de aumento. A relação está boa e eu entendo que permanecerá boa. Mas agora eu começo a falar mais como um filiado do que como presidente do partido. Mas até ontem [5 de março], quando eu estava à frente, a relação estava boa. E acredito que assim permanecerá.

Ainda falando sobre governos estaduais, como o senhor viu a troca de farpas entre o presidente Bolsonaro e os governadores naquela questão do preço dos combustíveis?
Eu vi do ponto de vista negativo por parte do presidente. Primeiro, pela forma como foi colocada. Era meio que "vamos fazer uma aposta", um desafio. "Eu baixo daqui, você baixa daí". E na prática isso era inviável. Porque os estados estão, em sua grande maioria, com suas contas em situação muito ruim, então não tem espaço para fazer redução. Do ponto de vista do governo federal, talvez não tão grave, mas a situação também não é boa. Então era um desafio que na prática não funcionava. E o que eu acho que ele [Bolsonaro] deveria estar fazendo, justamente para melhorar a vida dos estados, era aquilo que cabe à União: buscar dar mais segurança jurídica, fazer a reforma administrativa, passar a reforma tributária para a gente ter uma simplificação dos impostos. Então eu achei que foi mais um discurso feito pelo presidente para a turma que o segue, que o acompanha, mas de pouca efetividade para a grande maioria da população.

Como o senhor recebeu o crescimento de 1% do PIB?
Frustrante. A gente acabou tendo um crescimento menor que o do governo Temer. Havia uma expectativa de retomada. Neste ano a gente já entra aí com a ameaça do coronavírus e uma queda generalizada da atividade econômica mundial, o que pode afetar o Brasil. O único ponto positivo que a gente poderia imputar a esse PIB muito baixo é a necessidade urgente de reformas na economia brasileira. Administrativa, tributária, maior abertura da economia, privatização de empresas. Então se esse PIB não servir pelo menos como um incentivo para que seja feito mais rapidamente [as reformas], foi péssimo. Especialmente num país como o Brasil, que precisa se desenvolver, que tem uma quantidade elevada de pessoas desempregadas.

O ministro Ricardo Salles foi suspenso do Novo no ano passado, e o senhor sempre costuma dizer que ele é uma escolha pessoal do presidente Bolsonaro, não uma participação do partido no governo. Como está a situação partidária do Ricardo Salles e qual a análise do senhor sobre a atuação dele como ministro?
A situação partidária dele hoje é rigorosamente a mesma. Ele está com a filiação suspensa, tem um processo contra ele que ficou público no comitê de ética do partido, e esse processo está sob a gestão do comitê de ética, e em andamento. Agora, a gestão do ministro, é difícil de analisar sem estar dentro para ter os dados, os números, saber exatamente o que está acontecendo. Até porque algumas medidas têm efeito que demoram a acontecer. Mas olhando a percepção geral é que é uma gestão que traz muita polêmica, vendo vários questionamentos, inclusive, de investidores externos, de grupos, sobre o impacto ambiental no Brasil pela postura que ele adotou. Então no mínimo acho que deveria ter uma revisão em relação à postura. Aparentemente, nas últimas semanas, nos últimos meses, o ministro saiu um pouco dos holofotes, o que acho que é bom. Talvez exatamente por outras questões que apareceram. Então acho que isso é uma oportunidade de repensar. Infelizmente, no governo Bolsonaro tem alguns ministros que vão muito pela linha ideológica. Como por exemplo ministro da Educação e outros, enquanto a gente tem outros que vão para o lado profissional. Então era bom que a gente deixasse essa linha ideológica de lado e fosse para a linha de entregar resultados para a população.

Qual a avaliação geral do senhor sobre o governo Bolsonaro?
A minha avaliação é que ele começou bem, com nomeações, especialmente na área econômica, muito boas. Agora, é difícil dissociar o governo da atuação do presidente. Por mais que eu particularmente não goste de falar muito de pessoas, prefiro falar de ideias, mas a atuação do presidente Bolsonaro tem prejudicado muito mais do que ajudado o governo. Falta, desde o primeiro momento, uma definição clara das prioridades. Ele fala em temas como a carteira da UNE e não fala da reforma administrativa, da reforma tributária. Ele tem um relacionamento muito pouco profissional com a imprensa, que é um órgão de contato dele com o público. Então também é uma coisa que não funciona. Também tem uma postura de realmente trazer temas para polemizar, e me dá a impressão que já pensando na reeleição, em 2022, e a minha avaliação é que houve uma deterioração em relação às expectativas para o governo. Começou bem, começou com a equipe na parte econômica boa, que é o mais crítico para a retomada do crescimento. Agora, toda essas polêmicas, o entorno do presidente, a falta de prioridades, o tipo de atuação dele, está fazendo uma deterioração e ele pode no final ter um governo que entregue muito pouco. Especialmente se nós tivermos - e já começou - um cenário externo pior, e nesse ano temos eleição municipal. Eu acho que ele deveria tomar algumas atitudes: trocar o ministro da Educação, começar a ter um tratamento mais sério em relação à imprensa, focar na reforma administrativa e tributária, deixar polêmicas de lado, reduzir a participação familiar nas decisões. Acho que esse deveria ser o roteiro.

O Movimento Brasil Livre divulgou um vídeo com pesadas críticas ao senhor, pautado em outro vídeo, do ex-subprefeito Paulo Mathias, que foi reprovado no processo seletivo interno de candidatura e diz que não existe transparência no Partido Novo. Como o senhor responde a isso? Quais os critérios do Novo em seus processos?
Já é o terceiro ano que nós fazemos o processo seletivo do Novo: foi feito em 2016, em 2018 e agora em 2020. Tivemos mais de 1.200 inscritos para vereador. Cada processo reúne cerca de 30 ou 40 entrevistadores, em todos os diretórios do Novo. Eu, particularmente, na época como presidente, até ontem, no caso dos vereadores, não participei de nenhuma entrevista. E acho que o resultado das pessoas que foram eleitas, que estão nos representando no nível federal, estadual e municipal, e tem sido destaque em todos os rankings que têm sido feitos, mostram muito a qualidade das pessoas que estão indo para o Novo e mostram a lisura e transparência do processo. Obviamente que não faz o menor sentido, nem eu e nenhum outro presidente do Novo, nem o próprio diretor nacional, fazendo entrevista com 1.200 vereadores. Agora, é natural que as pessoas que são reprovadas tenham alguma crítica, algum senão. Mas o crescimento do partido, que foi o que mais cresceu percentualmente, em termos de filiados nos últimos anos, mesmo sendo uma filiação paga, fala muito sobre a gestão.

O Aliança está praticamente descartando comparecer nas eleições deste ano. O Novo teria interesse em recepcionar parte dos pré-filiados ao Aliança?
Não, de forma nenhuma. O Novo não será um partido de barriga de aluguel. As pessoas são muito bem-vindas com o Novo desde que estejam em linha com os nossos princípios e valores. Não faria o menor sentido. Estou falando agora como um filiado - até preciso mudar meu mindset (risos). Eu, como filiado, acho que não faz o menor sentido.

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