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Candidato do governo à presidência da Câmara, Arthur Lira é acusado pelo MPF de ter liderado esquema de rachadinha
Arthur Lira, candidato de Bolsonaro à presidência da Câmara.| Foto:

Candidato do governo do presidente Jair Bolsonaro para o comando da Câmara, o deputado federal Arthur Lira (Progressistas-AL) liderou um esquema milionário de "rachadinha" quando era deputado na Assembleia Legislativa de Alagoas. A acusação é do Ministério Público Federal (MPF).

Documentos sigilosos obtidos pelo jornal O Estado de S.Paulo indicam que Lira participou de um esquema na Assembleia que, entre 2001 e 2007, desviou R$ 254 milhões dos cofres públicos. A PF concluiu que 85% desses recursos saíram da folha de pagamento de servidores. Só Lira, que hoje é o principal líder do Centrão na Câmara, movimentou R$ 9,5 milhões em sua conta na época em que era deputado estadual em Alagoas.

As informações estão em uma ação penal que Lira ainda responde na Justiça estadual. Ele já foi condenado pelo caso na esfera cível.

Segundo a denúncia, para desviar o dinheiro da Assembleia, o "grupo criminoso" liderado por Lira incluiu na folha de pagamentos funcionários fantasmas. O esquema, afirma a acusação, usava empresas de terceiros para simular negociações e empréstimos pessoais como forma de justificar a movimentação financeira nas contas dos parlamentares.

As investigações apontam que a "rachadinha" na Assembleia de Alagoas ocorreu, em parte, quando Lira ocupava um cargo no comando do Legislativo estadual. De 2003 a 2006, ele foi primeiro-secretário – cargo que administra os recursos da Assembleia, razão pela qual seu papel no esquema era central, uma vez que cabia a ele liberar o dinheiro para outros parlamentares. O esquema envolveu pelo menos 12 deputados estaduais.

A esquema de rachadinhas em Alagoas havia sido alvo da Operação Taturana, da Polícia Federal, em 2007. Os investigadores apontaram que o grupo usou o dinheiro desviado para comprar carros, apartamentos e terrenos. A partir daí, foram abertos processos cíveis e criminais, mantidos em segredo de Justiça até agora.

A responsabilidade de Lira no esquema é detalhada em denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República, em 2018. Na ação, a ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge denunciou o deputado por crimes de peculato (desvio de dinheiro público) e lavagem de dinheiro. A íntegra do documento, de 30 de abril de 2018, ainda não tinha vindo a público.

Cheques para pagar salários iam parar na conta de outras pessoas

Com base em laudos da Polícia Federal (PF) e documentos da Receita Federal e do Conselho de Controle da Atividades Financeiras (Coaf), a Procuradoria registrou que cheques emitidos pela Assembleia, a título de pagamento salarial, iam parar em contas de pessoas físicas diferentes. Logo em seguida, os valores eram transferidos para parlamentares ou pessoas relacionadas a eles.

"No cumprimento dos mandados de busca e apreensão na residência de Arthur Lira foi apreendida uma planilha denominada 'Cheques em aberto a vencer', contendo relação numérica de 566 cheques, cada um no valor de R$ 2.360,66, com valor total de R$ 1.336.133,56", destaca trecho da denúncia.

A investigação da Polícia Federal (PF) afirma que o esquema do então deputado estadual Arthur Lira usou como operadores o diretor financeiro da Assembleia Legislativa de Alagoas à época, Eduardo Albuquerque da Rocha, o motorista George Melo de Araújo Loureiro e o assessor Eudásio Gomes, que admitiu ter ajudado a desviar o dinheiro público. Segundo a apuração, os três funcionários, apontados como "entrepostos financeiros" de Lira, transferiram R$ 1,066 milhão diretamente para o deputado.

A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) indica que os três funcionários da Assembleia de Alagoas eram responsáveis por descontar cheques na boca do caixa ou depositar em suas próprias contas. Os valores desviados eram divididos depois entre os deputados. Por causa dessa atividade, a PGR os definiu como "entrepostos financeiros" de Lira.

Embora as diligências tenham identificado transferências de R$ 1,066 milhão para o deputado, a movimentação financeira na conta dos servidores foi maior. Entre janeiro de 2004 e dezembro de 2005, Gomes e o motorista movimentaram R$ 12,4 milhões.

À PF, o assessor Eudásio Gomes confessou ter participado da operação para desviar os recursos que foram parar na conta de parlamentares. No depoimento, ele disse que o diretor financeiro da Assembleia lhe repassava cheques para serem depositados em sua conta e na do motorista. Na maioria dos casos, os cheques eram de assessores de Lira, que trabalhavam no gabinete antes de ele se tornar líder do Centrão.

A conta de Gomes também recebia depósitos de cheques de servidores vinculados a outros quatro deputados estaduais - entre eles o então presidente da Casa, Celso Luiz. "Após o saque dos valores, o dinheiro era entregue ao próprio deputado estadual", disse o ex-funcionário.

Negócios fictícios teriam lavado dinheiro para Arthur Lira

Um laudo da PF também apontou que Lira e os demais investigados simularam negócios com quatro companhias diferentes – Top Factoring, Multinvest Participações, Blumare Veicolo e Financial Factoring Fomento Mercantil. Apenas a Blumare recebeu 120 cheques emitidos pela Assembleia estinados ao pagamento de servidores comissionados, que somam R$ 249 mil. Ao mesmo tempo, a análise da movimentação nas contas de Lira revelou que a mulher do dono da empresa repassou R$ 210 mil a ele.

O esquema também consistia em usar a verba de gabinete para quitar empréstimos pessoais nos bancos Rural e Bradesco. "No período que o deputado federal Arthur César Pereira de Lira foi o gestor financeiro da Assembleia Legislativa de Alagoas era comum a emissão de empenhos irregulares, com rubricas de 'adiantamento de valores', 'contribuição' e 'contribuição parlamentar'", destacou a denúncia da PGR.

Raquel Dodge definiu grupo de Arthur Lira como "quadrilha"

Na denúncia criminal, Raquel Dodge pediu a prisão e a perda da função pública de Lira e o pagamento do "dano mínimo" causado aos cofres públicos, ao fim do processo.

A ex-procuradora-geral definiu o grupo como uma "quadrilha". Em duas ocasiões, Dodge assinalou que só não incluiu o crime de organização criminosa na acusação porque já estava prescrito, ou seja, com o passar dos anos, não era mais passível de punição.

Esse processo tramita na 3.ª Vara Criminal de Alagoas desde 2018 e ainda não foi julgado.

Arthur Lira já foi condenado na esfera cível

Além da ação penal, o esquema de "rachadinha" levou o deputado a ser condenado em segunda instância na área cível por improbidade administrativa. Esta decisão, de 2016, o impediria de disputar a eleição de deputado federal, em 2018. Mas uma liminar do então vice-presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas, Celyrio Adamastor, suspendeu os efeitos da sentença e o liberou a concorrer. Foi eleito com 143.858 votos, numa aliança que reuniu PSDB, PSB, DEM, Republicanos, PTC, entre outros partidos.

Quatro anos após a decisão de segunda instância, porém, o caso ainda não chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Faltava um mero despacho da presidência do TJ, que só foi dado em outubro passado. O Tribunal de Justiça de Alagoas disse ao Estadão que "a secretária está providenciando o envio do processo" ao STJ.

A acusação cita como outros possíveis beneficiários do esquema 11 colegas parlamentares de Lira. Os nomes listados na denúncia não foram alvo da acusação apresentada pela PGR, mas alguns foram condenados em ação de improbidade.

O outro lado: o que Lira diz

O deputado Arthur Lira, por meio de sua assessoria, divulgou uma nota em que diz confiar que será absolvido pela Justiça alagoana. "O deputado Arthur Lira já apresentou sua defesa com todas as explicações necessárias, esclarecendo qualquer dúvida sobre a lisura de suas ações quando deputado estadual em Alagoas. Lira confia na Justiça e tem certeza de sua total e plena absolvição. Não há condenação contra o deputado", diz a nota. Na verdade, ela já foi condenado na segunda instância pelo caso na esfera cível, por improbidade administrativa.

O Estadão também contatou Eudásio Gomes, que admitou ter participado do esquema, para saber se ele hoje mantém as afirmações que prestou em depoimento. O ex-assessor afirmou que não desejava comentar o caso, pois estava tentando "apagar isso da vida". Chegou a dizer que teve "a vida destruída" após o episódio, mas declarou não guardar raiva de ninguém.

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