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Uma delegação do Partido Comunista da China (PCCh) se encontrou com representantes do Partido dos Trabalhadores (PT), na semana passada, para assinar acordo de cooperação internacional. As legendas fecharam seis compromissos com o objetivo de "aprofundar constantemente as relações amistosas".
A aproximação com o PCCh, porém, não é vista com bons olhos por especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. Isso porque o partido é o responsável pelo regime autoritário na China. Sob o comando de Xi Jinping, o autocrata chinês está há mais de dez anos no poder e é acusado de cometer crimes contra os direitos humanos, de restringir o acesso da população à internet e manipular as notícias veiculadas na imprensa local e enviar minorias religiosas para campos de trabalhos forçados.
As fontes explicam que não é incomum que os partidos busquem estreitar laços com legendas de ideologia similar em outros países. “É natural que isso aconteça. Mas algumas questões ali são meio estranhas", avalia o cientista político e diretor de Projetos do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais, Marcelo Suano.
O cientista político chama atenção para alguns pontos do documento: o PT e o PCCh concordam em “estabelecer intercâmbios complexos, de múltiplos níveis e institucionalizados, com troca de delegações de diversos níveis para fortalecer o estudo mútuo de experiências de governança. O intercâmbio e a cooperação entre as escolas, departamentos de comunicação, think-tanks e as demais estruturas dos dois partidos também serão reforçados, assim como os contatos amistosos entre as organizações de massa alinhadas aos dois partidos”.
Para Suano, o problema pode surgir quando a coparticipação entre os países passa do âmbito programático ou de formação cultural. Segundo ele, supostamente, a “colaboração” poderia chegar até a informações estratégicas, como as de inteligência. "Há o risco de existir uma interferência direta da China no país [...] A possibilidade de ter troca de informações estratégicas é muito grande e não me assustaria que houvesse uma troca de colaboração de serviço e inteligência, tal qual foi proposto com o serviço de inteligência da Venezuela. Você ter treinamentos ou algumas discussões de serviço de inteligência é uma coisa, mas ter trocas de informações e trabalhos conjuntos, é uma aberração", alerta o cientista político.
Para ele, a depender da abertura que o governo brasileiro der, a China poderia "interferir de forma muito pesada na sociedade, na política, na economia brasileira e em qualquer instância do país. A nossa soberania poderia ficar em risco".
Cerca de 40 pessoas do Partido Comunista da China vieram ao Brasil na semana passada. Li Xi, secretário da Comissão Central de Inspeção Disciplinar do Partido Comunista da China, membro do alto escalão do governo chinês, também se encontrou com o vice-presidente e ministro de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Aproximação com a China
Principal parceiro comercial do Brasil, a aproximação com a China tem sido fielmente defendida por Lula. Mas, além da balança econômica, o petista também fez declarações em que exalta a política do gigante asiático. Na última semana, após encontro com Li Xi, Lula celebrou a visita do “país-irmão, com quem mantemos uma relação extraordinária não apenas do ponto de vista comercial, mas também do ponto de vista político”.
Para os especialistas, a aproximação do presidente brasileiro com líderes autocratas não passa confiança à população. "Em várias ocasiões, Lula disse que considerava o Partido Comunista Chinês exemplar, um partido modelo. Aí já temos uma situação que traz certo desconforto para a maneira como nós pensamos a democracia na configuração ocidental", avalia Suano.
Conforme relembra o doutor em Relações Internacionais e pesquisador da Universidade de Havard, Vitelio Brustolin, “a China é um país de partido único. O Partido Comunista da China é o fundador e único partido governante da República Popular da China, desde 1949. O Partido Comunista tem governado aquele país, com controle exclusivo sobre o Exército de Libertação Popular”.
Há mais de dez anos no poder, o autocrata chinês preside um governo que não conta com a participação da população e no qual os próprios representantes escolhem seus próximos substitutos. Sem a inclusão de outras legendas nas discussões políticas do país, Brustolin chama atenção para um detalhe que envolve as negociações com o PT: “Um acordo com o Partido Comunista da China é, na prática, um acordo com o próprio governo chinês".
China de Xi não é pragmática e reformista, quer implantar "Marxismo do Século 21"
O Partido dos Trabalhadores vem tentando minimizar a aproximação com o Partido Comunista da China afirmando que as conversas já acontecem há anos e não seriam novidade.
Mas a China de Xi Jinping não é a mesma que vem sendo retratada há pelo menos duas gerações por analistas ocidentais como um país que deixou a ideologia de lado para se adaptar ao pragmatismo do mercado.
Sob Hu Jintao (2002-2012) e Jiang Zemin (1987-2002), a China era vista sob a ótica do país que fez reformas econômicas pragmáticas, que permitiu empresas privadas, atraiu investimentos externos e aumentou as liberdades individuais. Era a ideia de "primeiro fazer o bolo crescer para depois dividir". Nessa época, o comunismo chinês passou a não ser levado a sério por muitos analistas.
Mas tudo mudou com Xi Jinping, que decidiu "dividir o bolo" como manda a ideologia Marxista-Leninista de Mao Tse-Tung, o líder da revolução comunista na China (1949). Na prática, ele fez com que o controle da política voltasse a se concentrar totalmente no Partido Comunista Chinês.
Isso também aumentou drasticamente o controle sobre a sociedade e diminuiu as liberdades individuais. A economia voltou à tendência estatizante e empresários de sucesso começaram a ser perseguidos. De forma similar, a política externa do país passou a ser a de enfrentamento e Xi prometeu retomar Taiwan a qualquer custo até 2049.
Ou seja, não é com a China pragmática e reformista que o PT está lidando, mas com a versão que quer implementar o que vem sendo chamado por Xi como "Marxismo do Século 21".
Aceno de Lula a ditadores
Desde que assumiu a presidência, Lula tem feito acenos a ditadores da esquerda, como Nicolás Maduro, na Venezuela, e o próprio Xi Jinping, na China. Suano ressalta que, ao fazer acenos a tais regimes, Lula demonstra que as perspectivas de governo de países ditatoriais podem ser supostamente consideradas “aceitáveis” - o que vai no sentido oposto da democracia que o petista diz defender.
Neste mesmo contexto, o mandatário brasileiro também já tem repetido discursos do governo chinês, conforme pontua o colunista da Gazeta do Povo Leonardo Coutinho. “Quando Lula falou em democracia relativa em relação ao regime de Nicolás Maduro, na Venezuela, ele estava basicamente replicando um conceito que o Partido Comunista Chinês passou a usar, meses antes, como forma de se legitimar e contestar críticos à falta de liberdade, às violações aos direitos humanos na China”, pontua.
“Não se deve esperar uma relação de equilíbrio e reciprocidade entre os brasileiros e chineses. A tendência é que os comunistas chineses avancem sobre o PT influenciando o partido fundado por Lula muito mais que recebendo qualquer contribuição petista”, salienta Coutinho.
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