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Auditores Federais da Receita contra abuso de autoridade; fachada da sede do órgão
Congresso versus Receita: parlamentares se preparam para votar lei do “abuso de autoridade” de auditores da Receita Federal.| Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado

A Câmara dos Deputados pode votar já nas próximas sessões um projeto de lei sobre a Receita Federal com dois possíveis dispositivos que contrariam servidores do órgão, que veem na proposta mecanismos para a fragilidade do combate à corrupção. O projeto em questão é o de número 6.064, que fala sobre o fim do “voto de minerva” em reuniões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), e que pode trazer em seu miolo uma emenda para coibir “abusos de autoridade” por parte de auditores da Receita.

Entre os atos que a emenda interpreta como abuso está a comunicação feita ao Ministério Público de possíveis indícios de crimes por parte de auditores fiscais sem que os processos administrativos estejam concluídos. O projeto teve seu regime de urgência aprovado em maio e agora aguarda ser colocado em pauta pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) - o que pode ocorrer menos de um mês após o Congresso derrubar 18 vetos de Bolsonaro à lei de abuso de autoridade, que desagradou grande parte do Poder Judiciário.

A iniciativa aparece em um momento em que a Receita voltou ao foco do debate político por conta de acontecimentos que causaram embaraço ao governo de Jair Bolsonaro (PSL) e ao próprio órgão. Nesta quarta-feira, auditores fiscais foram presos com mais de R$ 1 milhão e milhares de euros e dólares em dinheiro vivo. Em setembro, o presidente Bolsonaro destituiu do comando da Receita o economista Marcos Cintra, que defendia a criação de um imposto aos moldes da antiga CPMF. Além disso, Bolsonaro chegou a dizer que a Receita estaria fazendo “perseguição” contra um irmão dele que mora no interior de São Paulo.

Mas a circunstância que mais relacionou - de modo negativo - o governo Bolsonaro à Receita Federal foi o “caso Queiroz”. A denúncia, ligada especialmente ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, teve início em investigações que constataram movimentações financeiras suspeitas por parte de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. A atuação da Receita no caso foi criticada por aliados de Bolsonaro. Até o Supremo Tribunal Federal (STF) interviu: Gilmar Mendes suspendeu o processo.

O presidente chegou a anunciar mudanças na estrutura da Receita e disse que ele tinha competência para “mandar” na composição do órgão. A fala despertou reação de servidores, que ameaçaram uma renúncia coletiva a postos-chave.

Do “voto de minerva” ao jabuti contra auditores da Receita

O projeto 6.064 foi apresentado em 2016 pelo deputado Carlos Bezerra (MDB-MT) e, em seu texto original, não menciona a questão do abuso de autoridade de auditores da Receita Federal. O texto, curto, contém apenas dois artigos e se refere somente ao voto de desempate nas sessões do Carf.

Nessas sessões, são discutidos temas relacionados à cobrança de tributos e os impasses são decididos com base em votações entre os membros da turma que conduz a reunião. Os votos são dados por oito pessoas, quatro do Carf e quatro representantes dos contribuintes. Quando há empate, o voto derradeiro é do presidente da turma - também membro do Carf.

Tal situação é contestada, por exemplo, pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e também por membros dos contribuintes, que veem na existência do “voto de minerva” uma quebra da isonomia entre as partes do conselho. Por isso, a proposta de Bezerra prevê que, em vez do voto de desempate, as situações de igualdade sejam decididas sempre a favor dos contribuintes.

A proposta não encontra resistências nem defesas muito incisivas dentro da Câmara. O maior ponto de contestação vem da emenda sobre o abuso de autoridade dos auditores que pode ser adicionada ao projeto. O texto seria o que se apelida, na linguagem legislativa, de “jabuti” - ou seja, um acréscimo a um projeto que não se relaciona exatamente ao objeto original da iniciativa. No caso, é a restrição às comunicações ao Ministério Público de possíveis irregularidades.

Para o auditor fiscal Crésio Pereira de Freitas, vice-presidente de Assuntos da Seguridade Social da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), a medida engessa a atuação dos profissionais da área. “Qualquer cidadão, se tiver conhecimento de uma irregularidade, precisa informar as autoridades competentes. Por que com os auditores fiscais seria diferente? Por que querem manietar os auditores fiscais?”, declarou.

Freitas disse também que o cenário de “abuso de autoridade” sugerido pelo projeto não é identificado pelos auditores no seu cotidiano. “Tenho 21 anos de auditor fiscal e nunca fui acusado de abuso, e nem conheço alguém que tenha sido. É claro que quando encontramos alguma irregularidade a pessoa não fica satisfeita, mas isso não se transforma em uma denúncia de abuso”, apontou.

A possibilidade de um “jabuti” ser adicionado ao projeto 6.064 surgiu em maio, quando o Congresso analisou a Medida Provisória (MP) 870, que reestruturava o governo federal. Na ocasião, parlamentares sugeriram incluir a temática do abuso de autoridade dentro do texto da lei que seria originada da MP. Houve contestações e a ideia não foi adiante, mas permaneceu um compromisso de que um novo texto poderia ser apresentado à época da análise do 6.064.

A emenda sobre o abuso de autoridade ainda não foi formalizada por parlamentares.

Deputados prometem reação

O deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE) é autor de uma emenda ao projeto 6.064 que busca trazer efeito oposto à proposta sobre o abuso de autoridade dos auditores fiscais. A iniciativa de Coelho prevê um acréscimo à lei 9.430/1996, que aborda a legislação tributária federal, para especificar entre os deveres dos auditores a obrigação de comunicar ao Ministério Público “indícios de crimes identificados no desempenho de suas atribuições”.

“Construímos esse projeto junto com os auditores da Receita. É uma proposta que apresenta direitos e deveres dos auditores. Por exemplo, para garantir o sigilo dos investigados e punir quem eventualmente o violar. Mas também para que um auditor não seja punido por identificar um crime”, ressaltou o parlamentar, que é líder do seu partido.

Vice-líder do PDT, Paulo Ramos (RJ) também disse que o partido “vai votar com os auditores”. Segundo o deputado, o cenário atual é de “desmonte da Receita Federal”. “Nós queremos a Receita com poder de investigação, com competência, mas que não se transforme em um instrumento de perseguição política”, ressaltou.

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