A ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na articulação com o Congresso influenciou o agravamento da crise entre o governo e o Congresso, segundo analistas ouvidos pela Gazeta do Povo. O petista vem focando seu terceiro mandato em outras agendas, como a internacional, por exemplo, e delegou a interlocutores o relacionamento com a Câmara dos Deputados. Mas o saldo dessa estratégia não tem sido positivo.
Sem maioria na Câmara, o enfraquecimento do governo na Casa se agrava, o que força a gestão petista a buscar coalizões com outros partidos, sobretudo com o Centrão. O grupo é formado por legendas que não têm um posicionamento definido sobre diversas pautas de interesse do governo. Nesse sentido, os parlamentares requerem alocação de verbas, distribuição de cargos e concessão de favores políticos em troca de apoio. Mas essa articulação não tem sido frutífera.
Além de reclamações vinda dos próprios parlamentares, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), também fez críticas públicas ao pouco engajamento do governo com a Casa. Lira, inclusive, chegou a dizer que o ministro Alexandre Padilha, Relações Institucionais, figura que deveria ser o principal articulador do Executivo com os parlamentares, era “incompetente” e um “desafeto pessoal”.
Foram declarações de Lira que expuseram a falha de comunicação entre o Planalto e o Congresso. Na avaliação da doutora em Ciências Políticas Deysi Cioccari, o presidente Lula precisa retomar a atuação dos dois primeiros mandatos e dialogar com congressistas. Cioccari observa ainda que apenas atender as cobranças dos políticos do Centrão por mais verbas ou emendas não seria capaz de resolver o ruído com o Congresso.
“No primeiro ano [do terceiro mandato], a gente viu o Lula dando ministérios para o Centrão, tirando nomes técnicos na tentativa de acalmar [esses partidos], mas [só fazer isso] não vai acalmar. O que o Lula pode tentar fazer agora é começar a participar da articulação do governo, para começar a prestigiar os parlamentares pessoalmente. Não é só conversar com líderes de bancada, mas fazer o que ele fez quando ele assumiu [a presidência] pela primeira vez”, opina.
Mas a relação do Executivo com o Congresso mudou muito. O sistema chamado de presidencialismo de coalizão que vigorou durante os dois primeiros mandatos de Lula perde cada vez mais terreno para o semipresidencialismo, no qual o Congresso exerce um papel de maior protagonismo definindo sua própria agenda e decidindo sobre a destinação de cada vez mais recursos por meio de emendas parlamentares.
Maior participação de Lula não deve resolver, mas amenizar embates com o Congresso
Na concepção do cientista político Adriano Cerqueira, professor de Ciências Políticas do Ibmec de Belo Horizonte, um governo “fraco em termos de apoio popular, tende a ser fraco em termos de apoio político”. Apesar de ter uma base de fiéis eleitores, Lula não possui mais o mesmo apoio que manteve em seus primeiros mandatos. A polarização enfrentada nos últimos anos enfraqueceu a base do petista e os dilemas da atualidade são outros.
A vitória acirrada de Lula para o terceiro mandato evidenciou a divisão política do Brasil. Além disso, o mandatário ainda não descobriu como falar com seus “não eleitores” e pesquisas de opinião indicam consecutivas quedas na sua popularidade. Enquanto o presidente tem falado constantemente com sua base fiel do PT, ele acaba deixando de lado a articulação ponderada que conversa com outras alas.
Mas, além disso, esse posicionamento “radical”, não tem desagradado só a população, mas também as esferas políticas do Congresso que têm receio em apoiar pautas do petista pelo seu forte apelo ideológico. Dessa forma, o governo tem sido pressionado cada vez mais a ceder espaço e verbas em troca de apoio para pautas que lhe são de interesse.
Seus ministros, contudo, têm tido dificuldade de fazer essa articulação com os parlamentares. Nesta semana, Lula chegou a cobrar mais interlocução de seus ministros com o Congresso, visando melhorar o clima com o Legislativo. Durante lançamento de um programa de microcrédito no Palácio do Planalto, o petista pediu que Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente e responsável pela pasta de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, “fosse mais ágil”.
O presidente ainda sugeriu que Fernando Haddad, ministro da Fazenda, ao invés de “ler um livro, perdesse algumas horas conversando no Senado e na Câmara”. E, por fim, ele orientou que Wellington Dias, à frente do Ministério do Desenvolvimento Social, e Rui Costa, da Casa Civil, passassem uma “parte do tempo conversando” no Congresso.
Na concepção da especialista Deysi Cioccari, porém, apenas o presidente pode tentar reverter essa situação, já que seus articuladores não têm “dado conta do recado”. “Não adianta Rui Costa, não adianta [Alexandre] Padilha, não adianta [Fernando] Haddad, tem que ser o Lula”, observa. O presidente da Câmara, Arthur Lira, já deixou claro que não está satisfeito com o envio de “representantes” para negociar com o Governo.
Levantamento feito pelo Estadão, mostrou ainda que Lula manteve 74% menos encontros com parlamentares que seu antecessor, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Nesse terceiro mandato, Lula teve cerca de 118 agendas oficiais com deputados e senadores. No mesmo período, os termos “senador” e “deputado” apareceram 451 vezes na agenda oficial de Bolsonaro.
“Esse é um ano eleitoral, um ano complicado, e o presidente Lula possui a habilidade da conversação e do discurso, habilidade que os dois mandatos presidenciais lhe deram e pode ajudar agora nessa articulação. Não acho que vai equilibrar a balança dos poderes [entre Executivo e Legislativo], mas pode amenizar um pouco. A saída que eu vejo é só ele entrando no jogo”, pontua.
O ruído entre o Executivo e o Legislativo
A relação entre Executivo e Legislativo sofre abalos há alguns anos, mas o governo de Lula 3 tem acumulado mais derrotas junto ao Congresso, sobretudo na Câmara dos Deputados. É o presidente da Casa que pauta os temas que entram em votação, inclusive os que desagradam ao governo.
O desgaste entre as duas partes ficou pior quando Lula editou, durante o recesso legislativo do começo do ano, uma Medida Provisória (MP) que limitava a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia. A decisão ia na contramão do que o Congresso havia aprovado em 2023. Devido à falta de articulação política, o governo teve que voltar atrás e propor um projeto de lei para discutir a questão. O governo, contudo, ainda não desistiu dessa pauta e deve judicializar a questão.
Além disso, o corte de aproximadamente R$ 5,6 bilhões em emendas parlamentares de comissão pelo Executivo também piorou o clima do governo com o Congresso. A decisão causou tremenda insatisfação entre parlamentares, mas o governo não quer incluir o montante no Orçamento. Ao desgaste entre os poderes, soma-se o veto parcial de Lula ao projeto de lei que restringiu as "saidinhas" dos presos.
A restrição foi aprovada pelo Congresso, mas um possível veto do governo quer permitir que presos do regime semiaberto possam sair para visitar as famílias “por motivos humanitários”. Parlamentares da oposição, contudo, prometem a derrubada dos vetos do mandatário.
Descontentamento do Congresso com governo deve se estender
Nesse momento, o governo tenta negociar com deputados e senadores a possibilidade dos vetos impostos por Lula não serem derrubados pelo Congresso. A disputa, porém, parece longe de um fim. Ainda nesta semana, o petista recebeu Arthur Lira no Palácio do Alvorada, residência oficial da presidência em Brasília. Lula e Lira não quiseram expor o que foi tratado no encontro, mas analistas avaliam como um aceno de Lula ao presidente da Câmara
Depois de conversarem, Lira comentou as críticas que fez ao ministro Alexandre Padilha e admitiu ter cometido “erros e acertos” ao chamá-lo de incompetente. “Tenho erros e acertos. Não tenho problema de reconhecer o erro quando o faço. Vinha apontando, reservadamente ao governo e eles sabem disso, que há alguns meses que não funciona a articulação do governo”, disse em entrevista ao programa "Conversa com Bial", da TV Globo.
Contudo, o Congresso o embate entre governo e Congresso se agravou. Nesta quinta-feira (25), o líder do governo no Congresso, o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), também foi alvo de críticas de Lira depois de articular o quarto adiamento da sessão do Congresso para analisar os vetos de Lula.
Durante uma sessão na Câmara, Lira teria perguntado aos parlamentares se algum deles havia recebido um telefonema ou convite para conversar com Randolfe Rodrigues nos últimos dias, segundo a TV CNN Brasil. Sem qualquer resposta positiva dos presentes, Lira se voltou para José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Câmara, e disse: “Tá vendo, Guimarães. Como é que vocês querem votar algo se o líder do governo no Congresso nem sequer conversa com os líderes partidários?”. Randolfe Rodrigues disse posteriormente que buscaria “melhorar” após saber da “crítica construtiva” feita por Arthur Lira.
O clima se agravou na quinta-feira (26) após o governo acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), para suspender a desoneração de 17 setores da folha de pagamento. Zanin, que foi advogado de Lula, encaminhou a liminar para ser analisada pelos demais ministros no plenário virtual.
A sessão tem início à meia-noite desta sexta (26) e vai até o dia 6 de maio. A decisão do governo de judicializar a desoneração, contudo, não agradou os parlamentares. Em nota, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), afirmou que o governo errou ao levar a questão para o Judiciário e que recorreria da decisão.
Ou seja, mais uma vez, ao invés de tentar uma aproximação com o Congresso, Lula decidiu mostrar força recorrendo ao STF. A atitude só tende a piorar a governabilidade, colocar em risco os projetos do presidente e, no futuro, pode até levar ao cenário extremo da aceitação da análise de um pedido de impeachment pelos parlamentares.
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