“Eu falei para ele: ‘Mete a foice em todo mundo no Ibama’.”.
A frase acima foi dita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) durante evento na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) no dia 11 de junho. O “ele” a quem o presidente se referia é o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
A ideia de “meter a foice”, exposta por Bolsonaro no discurso na capital paulista, sintetiza parte da política ambiental empreendida pelo governo federal nesses pouco mais de seis meses de mandato. O que desperta críticas e elogios.
De um lado, as contestações aparecem por conta de uma suposta flexibilização de normas ambientais e também por um rompimento com algumas práticas de gestão que vigoravam no setor já havia décadas. “A agenda positiva desse governo para o meio ambiente ainda não começou. O ministro [Salles] fala que está melhorando a eficiência, que está acabando com a ideologia, mas não vimos até agora nenhum projeto de lei apresentado para o setor, nada de positivo”, disse o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Agostinho (PSB-SP).
Já os elogios mencionam a busca por uma aliança maior entre sustentabilidade e produção e também pela busca da diminuição da burocracia, da influência de ONGs e da chamada “indústria da multa”, algo identificado pelo governo Bolsonaro como um problema também na área ambiental. “O trabalho que está sendo desenvolvido até o momento mostra um grande interesse de se regularizar projetos que envolvem o meio ambiente e também fazer com que o Ministério não seja uma pasta marcada por denúncias de corrupção, por envio de dinheiro a organizações que não deveriam receber recursos”, destacou o deputado federal Delegado Pablo (PSL-AM).
A atuação de Salles e do Ministério do Ambiente tem, até o momento, se concentrado em quatro principais eixos. Um é o da gestão – na qual se concentram as ações para diminuição da burocracia e alterações na estrutura administrativa. Em outro, as medidas para a solução de problemas urbanos, campo que foi definido como prioritário pelo ministro. Um terceiro eixo de atuação é o da “dinamização da economia”, que é onde se dão as políticas de diálogo com o setor produtivo. E é, também, onde residem grande parte das críticas dos ambientalistas. Por fim, há um eixo voltado para as relações internacionais na temática ambiental.
“Foice” administrativa
A “foice” mencionada por Bolsonaro no discurso da Fiesp tem no campo da gestão seu principal alcance. Durante o período de transição, o então presidente eleito sugeriu a possibilidade de fusão entre os ministérios de Agricultura e Meio Ambiente. A ideia não foi posta em prática, mas a pasta ambiental perdeu alguns dos órgãos que estavam sob seu comando, como o Serviço Florestal Brasileiro, direcionado à Agricultura, e a Agência Nacional de Águas, remetida ao Ministério do Desenvolvimento Regional.
Em outra ação relacionada a um tema constantemente abordado por Bolsonaro, o ministério promoveu um “cerco” a ONGs que atuam no setor. O presidente é crítico à atuação das entidades, por entender que o trabalho das instituições impede a implantação de empreendimentos que poderiam dinamizar a economia.
Logo nos primeiros dias de governo, o Ministério do Meio Ambiente anunciou a suspensão de convênios e parcerias com ONGs, pelo período de três meses. E, em maio, o ministro Ricardo Salles disse que a pasta buscará outro destino para parte dos recursos do Fundo Amazônia, que é idealizado para estimular a preservação da floresta e tem, na sua composição atual, ONGs entre suas principais beneficiárias.
“Da forma como as coisas estavam [antes do atual governo], o Ministério estava terceirizando a gestão do meio ambiente para as ONGs”, afirmou o deputado Delegado Pablo.
Além da alteração na sistemática relacionada às ONGs, o governo também empreendeu modificações em mecanismos da estrutura interna ambiental que despertaram reações contrárias. A mais recente foi a alteração na composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que foi de 96 para 23 integrantes. Na mudança, perderam assento no conselho representantes dos governos estaduais, de ONGs e também de braços do próprio governo federal, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
O próprio ICMBio pode ser alvo de outra redução: a de seus escritórios de representação pelo Brasil. Atualmente existem 11 bases do instituto pelo país, e Salles anunciou a ideia de reduzir esse número para apenas cinco, com uma em cada região.
As modificações têm sido chamadas, por adversários do governo, de “desmonte” da política ambiental. Uma carta foi divulgada no início de maio por sete ex-ministros do Meio Ambiente, que foram titulares da pasta nos governos de Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, em crítica às decisões de Salles.
“Não podemos silenciar diante disso. Muito pelo contrário. Insistimos na necessidade de um diálogo permanente e construtivo. A governança socioambiental no Brasil está sendo desmontada, em afronta à Constituição. Estamos assistindo a uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente”, diz um trecho do texto.
Lua de mel com a produção
Bolsonaro falou, em diferentes ocasiões, que sua política para os indígenas tem como um dos pontos-chave o de “modernizar” as condições de vida para essa parcela da população. De acordo com o presidente, os índios detêm terras mas são impedidos, pelas leis atuais, de explorá-las, o que inviabilizaria ações para o crescimento econômico. Ele chegou a dizer que Acre, Roraima e Amapá estariam “quase inviabilizados” por conta do grande número de reservas indígenas existentes nos estados.
O posicionamento de Bolsonaro indica outra diretriz da política ambiental do governo federal, que figura também nas falas de Salles: a de buscar a modificação de leis que, na avaliação dos atuais gestores, travariam o desenvolvimento. Nesta seara estão, além das legislações para a população indígena, também outras de preservação ambiental e de multas para produtores.
Um exemplo recente desse direcionamento foi divulgado por reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, que revelou o interesse do governo em reduzir as áreas de 60 unidades de conservação que têm, em seu interior, aeroportos, ferrovias, estradas federais ou portos. A iniciativa é citada pelo governo como uma forma de dar “segurança jurídica” aos empreendimentos e contestada pelos ambientalistas, que temem o efeito da diminuição da cobertura florestal.
Em entrevista recente, o ministro Ricardo Salles disse ser o primeiro em décadas a chegar ao comando do Meio Ambiente sem ser um “ativista” do setor. “O Ministério do Meio Ambiente foi, historicamente, gerido por ambientalistas que não tinham compromisso com o desenvolvimento econômico”, afirmou, em entrevista ao UOL. Ele tem reiterado que todas as suas ações buscam o “casamento” entre produção e preservação.
A fala não é suficiente, na opinião do deputado Rodrigo Agostinho. “Isso todo mundo quer. Mas, se não houver uma reconciliação entre o agronegócio e o meio ambiente, não teremos resultados positivos”, disse o parlamentar. Segundo o presidente da Comissão do Meio Ambiente, políticas que dão pouca prioridade às ações de preservação tendem a prejudicar os produtores – como exemplo, ele citou boicotes de países internacionais a produtos brasileiros por causa dos agrotóxicos, e também a aplicação de defensivos agrícolas que beneficiam um tipo de lavoura mas afetam outras que estão próximas.
“Há muitas áreas que estão sendo desmatadas no Brasil que não estão sendo destinadas para a agricultura. O desmatamento que está acontecendo no sul da Amazônia não é para plantação, é para simplesmente tirar o que está em terra pública, principalmente de madeira, e levar embora”, analisou.
Recentemente, outro projeto anunciado por Bolsonaro, também sob a ótica de modificar leis ambientais para dinamizar a economia, foi alvo de controvérsias: a construção de uma “Cancun brasileira” no litoral do Rio de Janeiro. A sugestão é a de tirar o status de reserva protegida da Estação Ecológica de Tamoios, que fica no município de Angra dos Reis. Segundo o presidente, a região teria potencial para se transformar em um referencial turístico, o que atualmente não seria aproveitado por causa da legislação.
A fala foi contestada tanto do ponto de vista ambiental quanto do jurídico. No campo ambiental, destacou-se que a região é detentora de uma biodiversidade que poderia ser prejudicada com a implantação de empreendimentos turísticos, além de ser próxima da usina nuclear que funciona na cidade. Já o aspecto jurídico que despertou debate foi por conta da sugestão, por parte de Bolsonaro, de que ele poderia alterar a situação com “uma canetada” – operadores do direito entendem que tal modificação deveria ser analisada pelo Congresso Nacional.
Outro aceno de Bolsonaro ao setor produtivo foi o de indicar o combate ao que chamou de “indústria da multa no campo”. No mesmo evento da Fiesp em que disse a Salles para “passar a foice”, o presidente celebrou o fato de o Ibama ter aplicado menos multas em 2019. “No primeiro bimestre deste ano, tivemos um menor percentual de multas no campo, e vão continuar diminuindo, vamos acabar com essa indústria da multa no campo”, comentou.
Foco nas cidades
Longe da Amazônia e do agronegócio, um setor que tem recebido prioridade na política ambiental do governo Bolsonaro é o urbano. O ministro Ricardo Salles tem destacado, desde o início de sua gestão, que seu foco estaria nas cidades. Ele mencionou problemas como a falta de saneamento básico e de coleta de lixo adequada como suas prioridades.
Uma das ações empreendidas com essa temática foi o lançamento da Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade do Ar, no início de junho. O projeto tem conexão com diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e também com o Ministério da Saúde. A iniciativa estimula o monitoramento constante da qualidade do ar nas cidades e ações para controle da emissão de gases poluentes.
Com o resto do mundo, sinais de guerra e paz
Em dezembro, antes de tomar posse, Bolsonaro deu uma declaração que acendeu o sinal amarelo sobre as políticas ambientais de seu governo: "Nós vamos sugerir mudanças no Acordo de Paris. Se não mudar, saímos fora". O acordo mencionado pelo presidente é o tratado internacional para o combate às mudanças climáticas. As críticas do presidente, ecoadas por alguns de seus apoiadores, era a de que o acordo impediria o desenvolvimento industrial do Brasil, impondo ao país restrições que os países mais ricos não tiveram no passado.
O temor, no entanto, durou pouco menos de um mês. O presidente voltou atrás em sua decisão e teve em Salles um defensor da manutenção do Brasil como signatário do tratado.
Mas outras controvérsias relacionando a política ambiental do Brasil com a comunidade internacional se repetiram ao longo desses seis meses. Uma recente é a relacionada ao Fundo Amazônia. As verbas que compõem a reserva econômica são provenientes, principalmente, dos governos de Noruega e Alemanha. E declarações de Salles de que o fundo estaria com problemas de gestão motivaram contestação dos países europeus, que ameaçaram diminuir o valor destinado ao Brasil. A situação ainda não está plenamente resolvida.
Houve ainda as idas e vindas envolvendo a realização do evento Climate Week, que estava previsto para Salvador em agosto. Salles cancelou a recepção do encontro, promovido pela Convenção do Clima da ONU, e disse que a Climate Week só serviria “para a turma fazer turismo em Salvador e comer acarajé”. A fala desagradou o prefeito da capital baiana, ACM Neto, que bancou a Climate Week – e acabou fazendo Salles recuar da decisão.
O “fujão”
Na data em que o Senado promoveu uma sessão solene para celebrar o dia do meio ambiente, em 6 de junho, Salles encarou um protesto em “tempo real”. Após deixar a audiência com os trabalhos ainda em curso, no momento em que o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) iria discursar, foi chamado de “fujão” pelos presentes. Salles alegou que tinha um compromisso no Rio de Janeiro e não poderia se atrasar.
Depois da audiência, Salles se ocupou em dizer que não era “fujão” e que não havia promovido desmonte no Ministério do Meio Ambiente – sua alegação é de que o problema seria herdado de gestões anteriores. As críticas dos adversários se repetiram, e prosseguem até os dias atuais.
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