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Esplanada dos Ministérios, em Brasília: banco de talentos foi criado para ajudar o governo a escolher nomes técnicos para cargos na administração pública.
Esplanada dos Ministérios, em Brasília: banco de talentos foi criado para ajudar o governo a escolher nomes técnicos para cargos na administração pública.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

A relação ganha-ganha que o presidente Jair Bolsonaro estabeleceu com o Centrão em busca de apoio político colocou em suspeição o chamado "banco de talentos" do governo federal. A aliança garante ao Planalto mais votos no Congresso. Em contrapartida, os parlamentares podem indicar livremente pessoas de sua confiança para ocupar cargos dentro da estrutura federal. É o famoso "toma-lá-dá-cá" que Bolsonaro tanto criticou durante a campanha eleitoral e no primeiro ano de seu mandato.

Em maio do ano passado, o governo criou por decreto o Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (Sinc), uma ferramenta de análise de indicações para cargos e funções de confiança na administração pública federal. A expectativa com o "banco de talentos" era transformar a controversa distribuição de cargos no governo em um modelo transparente, técnico e aberto até mesmo a integrantes da oposição.

Mas a indicação de um nome investigado por irregularidades para ocupar a presidência do Banco do Nordeste pôs um ponto de interrogação em todo esse esforço. Alexandre Borges Cabral, apontado como apadrinhado político do Centrão, ficou menos de 24 horas na direção do banco. Chegou a ser empossado no dia 3 de junho, mas foi exonerado em seguida após reportagem do jornal O Estado de São Paulo revelar que ele era investigado por contratações suspeitas na Casa da Moeda, estatal que ele presidiu entre 2016 e 2019. O prejuízo teria chegado a R$ 2,2 bilhões.

“Os critérios que serão aplicados no banco de talentos foram criados pela CGU [Controladoria-Geral da União]. A pessoa tem que ter ficha limpa, curso superior e não pode ser parente de algum político. A partir daí, olha-se a parte técnica e as informações são passadas ao ministro correspondente, para que ele tome uma decisão”, destacou o ex-deputado Carlos Manato, que exercia a função de secretário da Casa Civil para a Câmara, na época da criação do Sinc.

Mas, na prática, a medida parece que não emplacou. A Gazeta do Povo conversou com deputados de diferentes partidos que compõem o Centrão, e ouviu deles que o "banco de talentos" pouco — ou mesmo nada — avançou além do prometido no início do ano passado.

"Nunca indiquei ninguém por meio desse banco e não sei de ninguém que tenha indicado. Lembro da proposta, do anúncio, mas isso não está no nosso dia a dia. É algo que não teve prosseguimento", afirmou o líder do Solidariedade na Câmara, deputado Zé Silva (MG). "Não soube disso, não fiz parte", acrescentou o deputado Capitão Augusto (PL-SP), presidente da Frente Parlamentar de Segurança, a chamada "bancada da bala". "Isso sequer aconteceu", disse o deputado Hildo Rocha (MDB-MA).

Na prática, indicações convencionais

O sistema prometido pelo governo Bolsonaro em 2019 não substituiu o modelo habitual das indicações políticas para a estrutura federal: políticos com influência (e interesses) apresentam nomes aos responsáveis pelas nomeações, que efetivam as contratações.

Bolsonaristas alegam que o governo atual se diferencia dos anteriores por exigir condições técnicas dos indicados — o "banco de talentos" — e também por não fazer a concessão de ministérios com "porteira fechada" — isto é, ceder a um partido ou grupo político desde o cargo de ministro até as funções dos escalões inferiores.

É por meio desse sistema que as nomeações recentes de apadrinhados do Centrão teriam se consolidado no governo. Como Garigham Amarante Pinto, escolhido pelo PL e que se tornou diretor de ações educacionais do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE), e Fernando Leão, o novo diretor do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), referendado pelo PP.

O modelo informal de seleção e contratação de funcionários em cargos comissionados conta até mesmo com os mecanismos "paralelos" de investigação rotineiramente citados pelo presidente Bolsonaro, e que foram mencionados por ele na reunião ministerial de 22 de abril.

Apelidada da "Abin palalela", numa referência à Agência Brasileira de Inteligência, a rede bolsonarista inclui servidores distribuídos em diferentes órgãos e mesmo pessoas que estão fora da gestão pública. Foi para este grupo que Bolsonaro pediu um dossiê sobre a relação entre o empresário Carlos Wizard Martins e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), rival do presidente. Wizard havia sido indicado para ser o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, mas desistiu da função antes mesmo da posse.

Ms até a "Abin paralela" de Bolsonaro tem suas falhas. Os sistemas de monitoramento formais e informais não detectaram problemas na vida pregressa de Alexandre Cabral, escolhido para comandar o Banco do Nordeste. Segundo a revista Veja, ele fora indicado para o posto por Valdemar Costa Neto, ex-deputado federal condenado no escândalo do mensalão e figura influente no PL. Cabral é investigado no Tribunal de Contas da União (TCU) pelas irregularidades que teria cometido na Casa da Moeda.

Atual responsável por fazer a intermediação entre Planalto e Congresso e gerenciar as demandas por cargos, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, diz que as contratações sob sua alçada se dão após consulta ao "banco de talentos". Ele falou a respeito em carta divulgada em maio deste ano, quando justificou a colegas das Forças Armadas a necessidade da aproximação do governo com o Centrão.

Ramos sustentou que as nomeações ocorrem “após intensa pesquisa da vida pregressa do indicado, sob aspectos morais, jurídicos e político-ideológicos, realizada pelo Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (SINC).”

"Banco de talentos" para servidores tem 58 mil currículos

À parte do sistema para contratação de comissionados com vínculos políticos, o governo tem outro "banco de talentos" — este, voltado a servidores concursados, que desejam transitar entre diferentes braços da administração federal.

O sistema é gerenciado pelo Ministério da Economia e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e tem, hoje, 58 mil currículos em sua base. É aberto a todos os servidores da estrutura federal. Foi lançado em 2018, ainda no governo Michel Temer, e sua versão atual está no ar desde setembro do ano passado.

"O uso crescente da plataforma desde sua criação indica que os objetivos estabelecidos em seu lançamento têm sido alcançados. A expectativa, além disso, é que o aprimoramento gradual da ferramenta ofereça cada vez mais funcionalidades e promova integração com os demais processos de gestão de pessoas", afirmou o Ministério da Economia sobre o sistema, em nota enviada à Gazeta do Povo.

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