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Quem do governo Bolsonaro vai fazer a aproximação do Brasil com Biden se ele vencer
Jair Bolsonaro em discurso em Washington durante visita aos Estados Unidos em março de 2019.| Foto: Alan Santos/PR

Apesar da torcida pela reeleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, o governo Bolsonaro se sente preparado para construir uma boa relação com um possível governo do democrata Joe Biden. E a ponte de diálogo será formada pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e pelo embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster.

Auxiliares de Araújo disseram à Gazeta do Povo que a representação do Itamaraty nos Estados Unidos dispõe de técnicos com contatos e capital político e diplomático tanto entre republicanos como democratas.

O embaixador inclusive já iniciou um processo de aproximação com democratas. Tão logo assumiu a embaixada em Washington de forma definitiva, após ser aprovado em sabatina pelo Senado em setembro, Forster buscou congressistas democratas refratários ao governo Bolsonaro.

Em junho, democratas da Comissão de Orçamento e Tributos da Câmara americana informaram à Casa Branca ter “fortes objeções à busca de qualquer acordo comercial ou à expansão de parcerias comerciais com o Brasil do presidente Jair Bolsonaro”. Em julho, um documento do Congresso apontou que o governo brasileiro representa riscos para a democracia, direitos humanos e meio ambiente. Forster priorizou reuniões com cada um dos congressistas democratas signatários da carta de rejeição a acordos com o Brasil.

Por isso, em caso de vitória de Biden, o governo acredita que tem meio caminho andado para promover articulações com os democratas. “Muita gente acha que embaixadas têm relações apenas com o Executivo, mas também têm com o Legislativo. Nestor visitou um a um dos deputados democratas. É alguém que tem relação diversificada com todos”, diz um interlocutor do Itamaraty.

O que se fala no Itamaraty é que Forster inovou a articulação pela embaixada, se aproximando mais de lideranças de ambos partidos, do centro político norte-americano, e de think thanks – centros e institutos de pesquisa independentes voltados para a produção e disseminação de conhecimento e ideias sobre diferentes assuntos políticos e econômicos.

O que pensam Forster e Araújo sobre a possível relação com Biden

Em entrevista à Gazeta do Povo, Forster reconheceu que Biden pode desacelerar as relações com o Brasil, mas não travá-las. Também admitiu que alguns membros do Partido Democrata mostram-se contrários ao aprofundamento da relação comercial com o Brasil, mas destacou que trabalhará a construção de um diálogo.

“Falar com os dois lados está no DNA da diplomacia”, explicou. “Isso faz parte da nossa tradição. É nossa obrigação fazer isso. A gente não fala com base em simpatias políticas. A gente fala com base em preocupação com a defesa do interesse nacional brasileiro. Só isso que nos interessa”, disse o embaixador.

Já o chanceler Ernesto Araújo aposta que o relacionamento entre os dois países está acima de governos e que isso pode facilitar o entendimento entre os dois governos. “A relação muito especial e produtiva com os Estados Unidos é com os Estados Unidos, não com o presidente Trump”, disse Araújo em recente entrevista à CNN. “Não há nenhuma razão para acreditar que ela não avance se houver a eleição de Joe Biden.”

Interlocutores do Itamaraty ouvidos pela Gazeta do Povo reiteram a afirmação de Araújo. Segundo eles, o Brasil não tem alinhamento automático com os Estados Unidos, apesar de essa ser uma crítica frequente contra o governo Bolsonaro. “Não teve com Trump, e não vai ter com Biden. Vamos construir essa relação passo a passo, independentemente de um governo democrata ou republicano”, diz uma fonte.

A percepção no Itamaraty é que uma interlocução com Biden não seria difícil de ser construída. Alguns técnicos do Ministério das Relações Exteriores veem o democrata com um perfil muito político e que isso pode ser bom. Ou seja, em um possível governo de Biden, os Estados Unidos tem boas possibilidades de optar por uma relação muito mais pragmática com o Brasil do que se pode esperar.

“Particularmente, o perfil político dele [Biden] me lembra muito o do [Michel] Temer [ex-presidente] e do Marco Maciel [ex-vice-presidente]. Não o vejo como um radical”, aponta um assessor da chancelaria brasileira.

E ainda que Biden seja pressionado – possivelmente por pressão da ala mais radical dos democratas – a adotar medidas mais duras contra o Brasil, dentro do governo Bolsonaro há quem duvide de que isso venha a se concretizar. Para interlocutores do Itamaraty, o deep state (ou establishment, o estamento burocrático que controla, na prática, o Estado) não o deixaria cumprir uma agenda mais radical.

Senado brasileiro pode ajudar na relação com democratas dos EUA

O Ministério das Relações Exteriores pode não ser o único a buscar pontes do governo Bolsonaro com Biden. Dentro do Senado, mais precisamente na Comissão de Relações Exteriores, aliados mais próximos do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), defendem um nome do Congresso para ajudar no diálogo. Trata-se de Márcio Coimbra, diretor-executivo do Interlegis, think tank do Legislativo.

Apadrinhado do próprio Alcolumbre, Coimbra é visto pelos senadores como um quadro que permitir uma interlocução do Congresso e do próprio governo Bolsonaro nos Estados Unidos. “Ele não precisa fazer uma relação institucional, mas poderia ser uma pessoa poderia buscar uma relação informal, como fez no início do governo Bolsonaro. Mas, desta vez, apresentando importantes players do Partido Democrata”, diz um senador ouvido pela Gazeta do Povo.

Senadores lembram que foi Coimbra o responsável por apresentar o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) a nomes influentes do Partido Republicano, ainda em 2018, após apuradas as urnas na eleição presidencial brasileira. Além disso, no início do governo, Coimbra chegou a comandar a diretoria de gestão corporativa da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) – instituição responsável por promover produtos nacionais no exterior.

Nos Estados Unidos, Coimbra também trabalhou com o ex-senador republicano Fred Thompson e com Morton Blackwell, presidente do Leadership Institute, um instituto independente que trabalha com treinamento e estratégia de campanha dos republicanos. Embora tenha trabalhado para republicanos, o tempo de Coimbra em Washington abriu portas para ele com democratas.

Entre os quadros influentes do Partido Democrata, Coimbra tem boa interlocução com a ex-senadora democrata Heidi Heitkamp, cotada para assumir a secretaria de Agricultura – o equivalente ao Ministério da Agricultura – em um governo Biden. Outro nome com quem Coimbra tem bom diálogo é o senador democrata Chris Coons, cotado para a Secretaria de Estado – o equivalente ao Ministério das Relações Exteriores.

Militares do Planalto terão algum papel na articulação com Biden?

Embora tenham tenham contatos com as Forças Armadas dos Estados Unidos e sejam importantes na formulação da geopolítica do governo Bolsoanro, militares do Planalto ouvidos pela Gazeta do Povo garantem que não participarão do processo de articulação com os democratas americanos em caso de vitória de Joe Biden.

Eles afirmam que, se forem procurados pela chancelaria brasileira, não se negarão a emitir opinião. Mas dizem que essa é uma área que eles não se envolverão diretamente. “Qualquer relacionamento com as Forças Armadas do governo Biden se dará entre militares. Trata-se de uma relação mais protocolar, não vamos interferir a competência do Ernesto [Araújo]”, explica um interlocutor governista.

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