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Presidente Jair Bolsonaro queima o que resta do seu capital político em uma disputa com governadores que já foram seus aliados.
Presidente Jair Bolsonaro queima o que resta do seu capital político em uma disputa com governadores que já foram seus aliados.| Foto: Isac Nóbrega/PR

Após o pronunciamento transmitido em rede nacional na noite desta terça-feira (24), o presidente Jair Bolsonaro ficou ainda mais isolado na condução da crise causada pela pandemia do coronavírus. O pronunciamento, em que Bolsonaro pede o fim do isolamento como estratégia para evitar o contágio da doença e ataca a imprensa e parte dos governadores, foi a gota d’água para o rompimento com o governo federal, mesmo entre antigos aliados do presidente. Nesta quarta-feira (25), os governadores dos principais estados do país vão se reunir virtualmente para discutir soluções para a crise e sem a presença de Bolsonaro. Apenas o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), não participará.

Bolsonaro dobrou a aposta no embate com os governadores. Ao sair do Palácio da Alvorada, pela manhã, disse que os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), fazem demagogia no enfrentamento à crise e se acham donos dos estados, adotando medidas “além da normalidade”. Para Bolsonaro, "os governadores do Rio e de São Paulo estão fazendo demagogia para esconder problemas".

A declaração foi um pouco antes de uma reunião virtual com os governadores da região Sudeste do país. O encontro virtual foi marcado por uma discussão ríspida com Doria. O tucano lamentou o pronunciamento feito pelo presidente na véspera. “O senhor, como presidente da República, tem que dar o exemplo”, disse Doria. “Nossa prioridade é salvar vidas. Estamos preocupados com as vidas, presidente, salvar vidas nos nossos estados”, completou.

O presidente disse em seguida: “agradeço as suas palavras, governador, completamente diferente e dissociada por ocasião das eleições de 2018, onde vossa excelência apropriou-se do meu nome para se eleger governador. Acabou as eleições, vira as costas e começa a atacar covardemente aquele que emprestou seu nome para sua campanha”. “Guarde suas declarações para a ocasião das eleições de 2022”, completou Bolsonaro.

Nas redes sociais, o governador criticou a postura do presidente. Ele classificou como "decepcionante" a postura do presidente. "Levamos as solicitações do Governo de SP e nosso posicionamento sobre a forma como a crise deve ser enfrentada. Recebi como resposta um ataque descontrolado do Presidente. Ao invés de discutir medidas para salvar vidas, preferiu falar sobre política e eleições. Lamentável e preocupante", disse o governador.

Reação dos governadores: do afastamento ao rompimento com Bolsonaro

A postura de Bolsonaro irritou boa parte dos governadores, que já não tinham digerido bem o pronunciamento do presidente no dia anterior. Mesmo governadores que evitaram romper definitivamente com o governo federal, como Witzel, no Rio de Janeiro, tomaram o cuidado de riscar uma linha no chão e tomar uma distância estratégica do presidente da República. Já o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), teve uma reação mais incisiva.

Em entrevista coletiva, ele rompeu oficialmente com o governo federal. “Fui aliado de primeira hora, durante todo o tempo. Mas não posso admitir que venha agora um presidente lavar as mãos e responsabilizar outras pessoas por um eventual colapso. Não faz parte da postura de um governante”, disse. Caiado também afirmou que, a partir de agora, só falará com o presidente através de comunicados oficiais.

Antigo aliado de Bolsonaro, Caiado já vinha apresentando sinais de descontentamento com a postura do presidente. O governador de Goiás chegou se dirigir ao local de manifestações convocadas por Bolsonaro em Goiânia, no dia 15 de março, para pedir às pessoas que fossem para casa e evitassem aglomerações por causa do risco do coronavírus. O governador, porém, foi hostilizado pelos bolsonaristas.

Doria diz que Bolsonaro prefere escutar "gabinete do ódio"

O governador de São Paulo cumprimentou o colega Ronaldo Caiado “pela postura, pela firmeza, pela decisão correta, em defesa da vida” em entrevista coletiva nesta quarta. Depois da discussão durante a reunião com Bolsonaro, o tom crítico de Doria aumentou. O governador pediu que o presidente aja com serenidade, equilíbrio e entre uma pergunta e outra – quando não foi direto ao ataque – mandou mensagens claras de contrariedade com as ações de Bolsonaro.

“Não é hora de separatismos, não é hora de rivalidades, é hora de todos estarmos juntos no combate a essa gravíssima crise no combate ao coronavírus”, disse o governador paulista, que classificou o momento como a “maior crise de saúde pública da história do país”.

O relacionamento com o ministro da Saúde, Henrique Mandetta, segundo o tucano até o momento é bom. “Falo praticamente todos os dias com o ministro [da Saúde], da parte de São Paulo não há afastamento, com exceção de ontem à noite, quando liguei e ele não me atendeu. Compreendo as restrições do ministro ao não me retornar após as ações desastrosas do presidente”, disse.

O governador de São Paulo fez questão de ressaltar a união dos 27 governadores neste momento. E comentou a possibilidade de um possível pedido de impeachment, ventilado depois do pronunciamento do presidente. “Essa é uma decisão do Congresso Nacional, não é uma decisão de governadores e nem minha como governador do estado de São Paulo”. Além disso, afirmou que o presidente “mais atrapalha do que ajuda” com suas ações intempestivas durante o enfrentamento da pandemia. “Não é a minha única opinião, é a opinião majoritária dos brasileiros pesquisados pelo instituto Datafolha”, pontuou.

Doria aproveitou a oportunidade para dedicar uma “reflexão” a Bolsonaro. “Presidente, vamos refletir juntos, não pode haver fronteira entre a solidariedade e o amor ao próximo, irmão Dulce nos ensinou que as pessoas que espalham amor não tem tempo, nem disposição para jogar pedras. Pense nisso, presidente. Lidere o seu país, lidere o seu povo, com a alma aberta, com o coração aberto, fazendo o bem às pessoas e não transforme isso numa conflagração, numa luta política e numa disputa eleitoral”.

Witzel cobra que Bolsonaro assuma responsabilidade por orientações 

Em outra coletiva de imprensa, o governador do Rio, Wilson Witzel, afirmou que não vai voltar atrás nas medidas para evitar a aglomeração de pessoas no estado. “No momento não há espaço para abertura do confinamento, muito menos de afrouxamento das medidas que tomamos, estamos preservando vidas”, disse.

Para Witzel, o pronunciamento de Bolsonaro “não encontra eco em opiniões técnicas” sobre o enfrentamento ao coronavírus. “Não convergi com aquilo que o presidente falou ontem”, afirmou.

O governador também tentou se distanciar do presidente ao pedir, reiteradas vezes, que caso Bolsonaro entenda que o enfrentamento à crise deve ser feito de forma diferente do que os estados estão fazendo, se responsabilize por isso. “Ele [Bolsonaro] manifestou uma opinião política a respeito da situação”, disse o governador do Rio. “Não adianta falar, é preciso colocar no papel e assumir a responsabilidade pelos atos normatizados”, cobrou.

Witzel pediu, ainda, que a população fluminense fique em casa, apesar das orientações do presidente. “Pronunciamento não tem validade jurídica, pronunciamento é discurso político. Só depois que vira instrumento normativo é que todos os brasileiros precisam cumprir”, afirmou, ressaltando que comerciantes que insistirem em manter as portas abertas no Rio de Janeiro podem responder civil e criminalmente.

Prefeitos seguem governadores e também criticam postura do presidente

Em nota, a Frente Nacional dos Prefeitos (FNP) repudiou as declarações de Bolsonaro em seu pronunciamento. A entidade reúne prefeitos de 406 municípios brasileiros, inclusive das capitais. Na nota, os prefeitos questionam se o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, corrobora a fala de Bolsonaro. “As declarações presidenciais colocam prefeitos e governadores como tomadores de “decisões exageradas”. Esse questionamento é fundamental para esclarecer como devem ser os próximos encaminhamentos diante dessa crise”, diz a FNP.

“Não contar com essa liderança e, pior, contar com uma postura irresponsável, alicerçada em convicções sem embasamento científico, que semeiam a discórdia e até mesmo a convulsão social, compromete as relações federativas”, dizem os prefeitos. A entidade também destaca que as declarações de Bolsonaro “indicam um caminho perigoso de ruptura federativa”.

Em transmissão ao vivo no Facebook, o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (DEM), reforçou o apelo para que a população da cidade siga em isolamento para conter a propagação do coronavírus. Sem mencionar o pronunciamento do presidente, Greca disse que não iria politizar o tema e transformar a crise em palanque.

“Vamos seguir a recomendação da Organização Mundial da Saúde. Por amor a Curitiba, pelo bem dos curitibinhas, nós continuamos em casa”, disse o prefeito. “Não quer dizer que os serviços essenciais não vão funcionar, que os pais de família da construção civil não devam trabalhar, assim como enfermeiras, guardas, policiais, trabalhadores do transporte”, acrescentou.

Já o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), defendeu o isolamento, mas agradeceu a “mensagem de otimismo” transmitida pelo presidente, segundo ele, em seu pronunciamento.

"É fundamental, incontornável e irremediável mantermos medidas de afastamento social nos próximos 15 dias", disse Crivella. "O que entendemos do pronunciamento do presidente é que é preciso enxergar a luz no fim do túnel e mostrar às pessoas que o sacrifício de agora (distanciamento social) vai dar frutos", disse Crivella sobre o pronunciamento do presidente.

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