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Militares da Operação Verde Brasil 2 apreendem madeira ilegal extraída da floresta amazônica em Porto Velho (RO), em maio de 2020.
Militares da Operação Verde Brasil 2 apreendem madeira ilegal extraída da floresta amazônica em Porto Velho (RO), em maio de 2020.| Foto: Estevam/CComSEx/EB/Flickr

Em reação às críticas que o Brasil sofre por causa do desmatamento da Amazônia, o presidente Jair Bolsonaro disse que vai revelar "nos próximos dias" a lista dos países que compram madeira ilegal da regiçao amazônica. Em discurso na cúpula do Brics, bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, na terça-feira (17), Bolsonaro afirmou que o país sofre "injustificáveis ataques" e que algumas nações que criticam importam madeira brasileira ilegalmente da Amazônia.

Países como França, Bélgica, Inglaterra, Portugal, Dinamarca e Itália foram citados, na semana passada, por Bolsonaro como supostos "receptadores" de madeira ilegal do Brasil, com base em rastreamento da Polícia Federal. A maior parte da madeira que deixa o Brasil é utilizada no exterior pela indústria moveleira, além de construção de casas e assoalhos.

"Revelaremos nos próximos dias nomes dos países que importam essa madeira ilegal nossa através da imensidão que é a região amazônica", disse. "Porque, daí, sim, estaremos mostrando que estes países, alguns deles que muitos nos criticam, em parte têm responsabilidade nessa questão."

A reportagem apurou que, apesar da retórica, o governo não fez nenhum movimento oficial, via Itamaraty ou Ministério da Justiça, para informar aos demais países sobre a possibilidade de estarem colaborando com o crime.

Segundo o superintendente regional da Polícia Federal no Amazonas, delegado Alexandre Silva Saraiva, investigações mostraram que "a causa primordial do desmatamento na Amazônia" é o tráfico de madeira dentro e fora do país.

"Nossa madeira está sendo negociada no mercado internacional por um preço vil. Nos Estados Unidos, por exemplo, nossos ipês estão sendo negociados a preço de compensado, mais barato que madeira de pinus, e na Europa vêm sendo negociados pelo preço de eucalipto. Ou seja, uma árvore que fornece madeira extremamente valiosa sendo vendida por preço de eucalipto e pinos", disse, em entrevista para o vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia.

Na semana passada, Bolsonaro já havia falado sobre o assunto em conversa com apoiadores e em transmissões ao vivo em redes sociais. Na ocasião, alegou que os compradores internacionais de madeira têm feito "vista grossa" para o material que adquirem no Brasil, enquanto ele acaba levando a fama de ser o responsável pelo desmate irregular.

Bolsonaro exibiu pequenos discos de madeira, dizendo que, "em cima do DNA" de amostras rastreadas pela Polícia Federal, se sabe para qual país foi. "Essa daqui, por exemplo. Vai para a França, Bélgica, Inglaterra, Portugal, Dinamarca e Itália. E assim, cada bolacha aqui, está descoberto para onde vai a madeira", comentou.

O presidente disse que muitos países que criticam o Brasil "são, na verdade, os receptadores" de madeira ilegal. "Daí você pode falar: 'Ah, mas a nota fiscal é legal.' Os caras sabem que não é legal. Os caras sabem. Agora, quando interessa pra eles, fazem vista grossa. Nunca procuraram saber se estava vindo de lugar permitido ou não. E sempre nos criticam'."

Mourão também citou a tecnologia com as "bolachinhas" na viagem que fez à Amazônia com embaixadores europeus, no início do mês. Lá, pediu colaboração dos países para fiscalizar a venda ilegal, e não os acusou, como fez Bolsonaro. Em "bolachas" mostradas pelo deputado Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente, nas redes sociais aparecem os nomes dos seguintes países associados a tipos de madeira: Reino Unido, Bélgica, Dinamarca, França, Portugal, Itália e Holanda.

Quais são os maiores destinos estrangeiros da madeira brasileira extraída da Amazônia

Em 2017, a PF aprendeu, na 1.ª fase da operação Arquimedes, 10 mil m³ de madeira, volume que, se enfileirado, cobriria o percurso entre Brasília e Belém (1,5 mil quilômetros). A carga iria para outros estados e países da América do Norte, Ásia e da Europa.

Em abril do ano passado, a Justiça Federal do Amazonas autorizou o compartilhamento de provas da operação, a maior já realizada no país, com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O acordo, solicitado pelo Ministério Público Federal (MPF), visava possibilitar a repatriação da madeira ilegalmente exportada.

A reportagem obteve documento do Ibama que mostra, detalhadamente, quais são os maiores destinos estrangeiros da madeira nacional. Os dados mostram que, entre 2007 e 2019, os Estados Unidos lideraram o consumo da madeira nacional, tendo adquirido 944 mil m³ de produtos do Brasil. O segundo maior comprador foi a França com 384 mil m³, seguida por China (308 mil m³), Holanda (256 m³) e Bélgica (252 mil m³).

Esses dados do Ibama referem-se a exportações oficiais — trata-se de madeiras que deixaram o Brasil de forma legalizada. Não significa, porém, que a origem de toda essa madeira é legal. Essa situação acontece por causa da forte informalidade e criminalidade que domina o mercado madeireiro no Brasil. Com base nos dados no mercado legal de madeira, o setor exportou cerca de R$ 3 bilhões nos últimos cinco anos. São aproximadamente R$ 600 milhões anuais.

Antes de uma chapa de ipê ou mogno chegar ao porto, ponto final para saída do Brasil, ela percorre uma cadeia que, invariavelmente, é marcada pela corrupção. O crime se baseia em uma indústria de papéis falsos. Por meio de agentes públicos que atuam de forma criminosa, documentos são emitidos para "esquentar" a madeira roubada de terras indígenas e unidades de conservação, por exemplo.

Na prática, um país que importa madeira pode até achar que adquiriu produto 100% legal, quando, na realidade, sua origem pode ser fruto de esquema fraudulento, que costuma inviabilizar o preço do mercado entre os que desejem atuar de forma legalizada. Foi o que concluiu o Ministério Público na Operação Arquimedes.

Governo Bolsonaro flexibilizou exigências para exportação de madeira brasileira

A preocupação que o presidente Jair Bolsonaro expõe agora com a exportação ilegal de madeira da Amazônia, prometendo "revelar" os países que compram o produto brasileiro, não encontra respaldo em atos recentes do próprio governo, que flexibilizou a fiscalização nacional.

Em março deste ano, quando o Brasil entrava na pandemia, o Ibama acabou com as inspeções que eram feitas nos portos do país. Na ocasião, madeireiros do Pará parabenizaram o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, com uma "nota de agradecimento e esperança" do Centro das Indústrias do Pará (CIP), por ter liberado a exportação de madeira de origem nativa, sem a necessidade dessa autorização específica.

Por um "despacho interpretativo", o Ibama suspendeu efeitos da instrução normativa 15/2011 do próprio órgão. Com a decisão, produtos florestais passaram a ser apenas acompanhados de um documento de origem florestal (DOF). Esse DOF de exportação, que existe desde 2006, serve, na prática, só para que a madeira seja levada ao porto, enquanto a instrução normativa previa autorização para a exportação em si.

Uma análise técnica do próprio Ibama aponta que o Código Florestal distingue a licença de transporte e armazenamento (DOF) da autorização de exportação. A instrução previa, por exemplo, inspeções por amostragem e outros controles para a exportação que o DOF não exige. Os madeireiros, no entanto, defenderam que a exigência daquela autorização específica teria "caducado", porque teria sido revogada pela existência de outro recurso, o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaor), que começou a ser implementado em 2014.

O presidente do Ibama entendeu que o argumento fazia sentido e nem seria preciso revogar a instrução normativa de 2011, porque o próprio Sinaflor teria alterado as regras, "sendo suficiente para exportar o DOF exportação ou a Guia Florestal expedida pelos Estados-membros". Na prática, uma guia de transporte estadual passou a valer no lugar de uma autorização de exportação do Ibama.

ONGs recorreram de decisão que facilitou exportação de madeira

As organizações socioambientais, que já foram chamadas de "câncer" por Bolsonaro, foram as instituições que recorreram à Justiça para tentar derrubar a decisão do governo que, na prática, fragilizou o controle da exportação de madeira no país, favorecendo a saída de material ilegal do Brasil.

Em junho deste ano, o Instituto Socioambiental (ISA), a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa) e o Greenpeace Brasil entraram com ação na 7.ª Vara Ambiental e Agrária da seção judiciária do Amazonas, para pedir a anulação imediata da decisão do Ibama que acaba com a autorização de exportação que era emitida pelo órgão.

A ação civil pública pedia, em síntese, a nulidade de um despacho do Ibama que, na prática, conforme dizem as ONGs, "liberou a exportação de madeira nativa sem fiscalização a pedido de madeireiras". A ação requer ainda que a União deixasse de emitir qualquer outro ato normativo que comprometesse a legislação já existente de controle fiscalizatório da exportação de madeiras nativas no país.

Segundo as ONGs, o objetivo era "evitar o flagrante desrespeito à legislação protetiva do meio ambiente, especialmente a que disciplina os procedimentos de fiscalização e controle da exportação de madeira nativa, afetando com vigor especial a Amazônia, patrimônio nacional e bioma essencial para a garantia do núcleo essencial do direito da coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado".

A Justiça indeferiu a liminar na primeira instância. As ONGs, então, entraram com um recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que ainda aguarda apreciação.

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