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Crise institucional
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro Alexandre de Moraes, do STF, se cumprimentam durante posse de novos ministros do Superior Tribunal do Trabalho (TST), em Brasília, na semana passada.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro (PL) recorreu da decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli que, na semana passada, arquivou a notícia-crime que ele apresentou contra o também ministro Alexandre de Moraes, acusando-o de abuso de autoridade por investigá-lo no inquérito das fake news. No recurso, a defesa de Bolsonaro pede que Toffoli reconsidere sua decisão ou leve o caso ao plenário do STF. O objetivo é que a Corte remeta a notícia-crime à Procuradoria-Geral da República (PGR), que poderia então pedir ao STF a abertura de inquérito contra Moraes.

Na notícia-crime, Bolsonaro acusa Moraes de cinco crimes de abuso de autoridade. Diz que o ministro estende injustificadamente a investigação contra ele, prejudicando-o; nega à defesa acesso integral aos autos; presta informação falsa ao dizer que concedeu esse acesso; impõe medidas ilegais a outros investigados, como bloqueio de contas em redes sociais; e instaurou a investigação contra o presidente (em razão de críticas às urnas eletrônicas) sem indícios de crime.

Ao rejeitar a notícia-crime, Toffoli considerou que, para a configuração do crime de abuso de autoridade, a vítima deve demonstrar que o juiz tem por objetivo prejudicar alguém ou beneficiar a si mesmo ou um terceiro. Ele afirmou que não há indícios, “ainda que mínimos”, de crime por parte de Moraes contra Bolsonaro.

Após a apresentação da notícia-crime ao STF, a defesa de Bolsonaro protocolou uma representação na PGR acusando Moraes pelos mesmos crimes, mas o órgão ainda não se manifestou sobre o caso – se avaliar que há consistência nas imputações, a PGR também poderia pedir investigação contra Moraes ao STF, sem necessidade de usar a notícia-crime enviada a Toffoli.

Ainda assim, no recurso, a defesa de Bolsonaro afirmou que, segundo o regimento do STF, notícias-crimes protocoladas na Corte devem ser, “necessariamente”, encaminhadas à PGR. Também argumentou que basta a existência de “meros indícios” para que se abra uma investigação penal, sendo desnecessária, nessa fase inicial, a apresentação de uma “prova cabal” de que Moraes teria agido com intenção de prejudicar Bolsonaro.

Em terceiro lugar, a defesa disse ser “descabido” levar as “considerações” que faz contra o ministro aos próprios inquéritos, como indicou Toffoli. “Os fatos imputados não encerram mera divergência de interpretação de Lei, mas podem configurar crime de abuso de autoridade”, afirmou no recurso o advogado constituído pelo presidente, Eduardo Magalhães.

Avaliação exclusiva da PGR

Ao insistir que o caso seja remetido diretamente à PGR, a defesa argumentou que não caberia a Toffoli fazer um juízo prévio sobre a ocorrência ou não de crime, mas sim ao Ministério Público, no caso, representado pela PGR.

“Cabe ao dominus litis [Ministério Público] e tão somente a ele, avaliar a presença ou a ausência de interesse em instaurar uma investigação em desfavor do noticiado [Moraes]. É, portanto, de atribuição exclusiva da Procuradoria-Geral da República a análise sobre a existência de indícios mínimos de autoria e de materialidade delitiva, assim como o juízo sobre a necessidade de se abrir um Inquérito para investigar os fatos indigitados perante o Pretório Excelso”, afirmou a defesa de Bolsonaro.

Para reforçar essa tese, citou três decisões recentes do próprio Toffoli em que ele, em vez de arquivar imediatamente notícias-crimes (apresentadas contra o ministro aposentado Celso de Mello, o deputado Ivan Valente, do PSOL-SP, e contra o próprio Bolsonaro), remeteu as acusações diretamente à PGR. "Não cabe a esta Corte, em relação aos crimes de ação penal pública, neste momento, exercer qualquer juízo valorativo sobre os fatos alegadamente criminosos", afirmou Toffoli nesses casos. O advogado citou mais 25 notícias-crime da oposição contra Bolsonaro em que esse foi o procedimento adotado. Apontou, assim, um tratamento não isonômico à sua ação por parte de Toffoli.

Avaliação sobre eventual dolo de Moraes

No recurso, Bolsonaro também afirmou que, ao contrário do que entendeu Toffoli, é possível demonstrar que Moraes agiu com intenção de prejudicá-lo no inquérito das fake news.

Na notícia-crime, o presidente diz que sofre desgaste político, especialmente num ano eleitoral, com as notícias na imprensa sobre a continuidade da investigação, mesmo após pareceres da PGR e relatórios da Polícia Federal concluindo que ele não cometeu crime ao cobrar mais segurança e transparência no sistema de votação eletrônico.

De qualquer modo, a defesa de Bolsonaro diz que, nesse momento inicial do caso, não caberia a Toffoli fazer uma “análise exauriente” sobre a ocorrência ou não de dolo, arquivando o caso de imediato. Isso deveria ser feito, conforme jurisprudência do próprio STF, somente no final do processo, isto é, no momento da sentença pela condenação ou absolvição do acusado.

“O exame de uma elementar subjetiva demanda uma análise aprofundada dos autos, na linha de uma cognição exauriente, tal exame deve ocorrer após a instrução probatória, em sentença, e não por intermédio de decisões perfunctórias [...] A decisão ora guerreada realizou o exame sobre a presença do dolo especial em fase processual embrionária, antes do oferecimento da denúncia, e muito antes da prolação de qualquer sentença, “queimando” diversas etapas da persecução criminal”, afirmou a defesa no recurso.

‘Confusão de papéis processuais’

Por fim, no recurso, a defesa de Bolsonaro rechaça a recomendação de Toffoli de que as acusações de abuso contra Moraes deveriam ser apontadas no âmbito dos próprios inquéritos que ele conduz contra o presidente. Isso acarretaria uma “confusão de papéis processuais”.

“O Exmo. Ministro Relator passaria a figurar não só como Juiz da causa, mas igualmente como autor de fatos em tese irregulares que foram realizados no bojo desta mesma causa”, argumenta, acrescentando que nessas investigações Moraes já figura, ao mesmo tempo, como julgador e vítima dos casos investigados, o que contraria o princípio da imparcialidade.

“Aviar nos autos de tais Inquéritos a presente Notícia-Crime implicaria na criação de um imbróglio processual ainda maior: a mesma pessoa concentraria os papéis não só de Juiz e de Vítima, como vem ocorrendo, mas igualmente o papel de possível autor de fatos irregulares praticados na condução de tais Inquéritos”, diz o recurso. “O noticiado [Moraes] não pode analisar e julgar a sua própria conduta”, acrescentou em seguida.

A defesa ainda contestou a avaliação de Toffoli de que a notícia-crime acusava Moraes de “crime de hermenêutica”, isto é, uma tentativa de condenar o ministro por interpretar a lei de maneira contrária ao interesse do investigado. Disse que as condutas do ministro se amoldam aos tipos penais da lei de abuso, não se tratando de uma divergência em relação a seus atos.

Defesa usa como precedentes decisões contra Moro e a favor de Lula

Na parte final do recurso, para reforçar a viabilidade da notícia-crime, Bolsonaro ainda citou as recentes decisões do STF que declararam o ex-juiz Sergio Moro parcial nas ações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e ainda a ação do petista que garantiu à sua defesa acesso amplo ao acordo de leniência da Odebrecht.

“Em todos esses julgamentos, o Pretório Excelso conferiu ao investigado o direito de ter um Juiz imparcial, de ser processado somente quando há justa causa e, também, de ter acesso integral aos autos. Assim, foi tendo por base tais julgados que, com o máximo respeito, aviou-se a presente Notícia-Crime, a fim de fazer valer, igualmente para o presente caso, o entendimento do Supremo Tribunal Federal com relação a tais temas”, diz o recurso.

Afirmou que os inquéritos das fake news, dos atos antidemocráticos e das milícias digitais, “parecem, de certa forma, replicar a mesma tônica que o ex-Juiz Sérgio Moro ecoava na condução da operação Lava Jato”. “Igualmente por esta razão, é que o Presidente da República bateu às portas do Supremo Tribunal Federal, a fim de que essa Corte vigie os direitos e garantias dos investigados também no presente caso, como já o fez em outros processos”, afirmou.

Na conclusão do recurso, porém, a defesa nega que tenha apresentado a notícia-crime para provocar a suspeição de Moro. Diz que tal objetivo nunca foi buscado e exigiria uma ação própria, que indicasse provas e testemunhas. Na decisão que arquivou a notícia-crime, Toffoli diz que as acusações contra Moraes não serviriam para declará-lo parcial. A defesa afirmou que não caberia a ele fazer essa avaliação.

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