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Jair Bolsonaro e Mauricio Macri durante encontro em Brasília, em janeiro de 2019
Bolsonaro vai se encontrar com Maurício Macri na Casa Rosada, nesta quinta-feira.| Foto: Alan Santos / Presidência da República

O presidente Jair Bolsonaro chega à Argentina nesta quinta-feira (6) em um momento delicado para o seu colega do país vizinho, Mauricio Macri. A Argentina vive uma crise econômica, com aumento de inflação e desemprego, além de crescimento econômico abaixo do esperado pelo governo. Os impactos políticos já são sentidos: as pesquisas mais recentes indicam que Macri terá dificuldades para conseguir a reeleição na disputa de outubro.

Com esse ambiente, a visita de Bolsonaro a Buenos Aires pode se transformar em um empurrão – favorável ou negativo – para o restante de mandato de Macri. O componente favorável viria de resultados positivos no campo econômico. Brasil e Argentina mantêm expressivas relações comerciais e a construção de usinas hidrelétricas binacionais está na agenda dos encontros.

A parte negativa teria conotação política. Macri tem acumulado impopularidade em seu país e a aproximação com Bolsonaro pode acentuar o problema. Lideranças políticas argentinas convocaram manifestações contra o presidente brasileiro, que serão pautadas em resposta a declarações de Bolsonaro vistas como homofóbicas, machistas e em defesa do regime militar.

Mesmo a reforma da Previdência que o governo brasileiro pretende fazer está no foco dos militantes argentinos, que temem que o projeto de Bolsonaro se transforme em um "estímulo" para que Macri adote proposta semelhante na Argentina.

Mais do que "contribuir" com o governo Macri, entretanto, o objetivo de Bolsonaro é garantir que a Argentina não se transforme em um foco de preocupações para o Brasil. É a primeira visita oficial do presidente a um país da América do Sul após a ida ao Chile, em março.

"Venezuela do Sul"

Em janeiro, durante visita de Macri a Brasília, Bolsonaro chamou a Argentina de "nação irmã". A declaração foi uma das poucas falas afetuosas do presidente em relação ao país vizinho. De lá até os dias atuais, as principais referências à Argentina se deram em tom de ressalva. Como no início de maio, durante um evento no Itamaraty, em que Bolsonaro declarou: "a preocupação de todos nós deve se voltar um pouco mais ao sul, à Argentina. Por quem poderá voltar a esse país. Não queremos, o mundo todo não quer, uma Venezuela mais ao sul do nosso continente".

Embora não tenha citado nomes, o presidente se referia à ex-presidente argentina Cristina Kirchner. Quando Bolsonaro fez o seu discurso, ela estava cotada para concorrer novamente à Presidência da Argentina. No dia 18, entretanto, ela anunciou que será candidata a vice, em chapa encabeçada por Alberto Fernández, ex-chefe de gabinete de Néstor Kirchner, também ex-presidente e marido de Cristina, morto em 2010.

Bolsonaro falou sobre o "perigo" do retorno de Kirchner ao comando da Argentina em outras ocasiões, como no encontro com o ex-presidente americano George W. Bush em 15 de maio. Ele chamou de "gol contra" uma possível volta de Kirchner à presidência.

Cristina Kirchner presidiu a Argentina em uma época em que diversos países da América do Sul tiveram presidentes de esquerda e centro-esquerda, como Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff no Brasil, Evo Morales na Bolívia, Hugo Chávez na Venezuela e Rafael Corrêa no Equador.

O período é celebrado por lideranças do PT e de outros partidos de esquerda, que identificam na época um momento de forte integração regional. Já os representantes da direita latino-americana atribuem a esses gestores os problemas atuais na área econômica, como desemprego e dificuldade de crescimento.

A "onda" atual da centro-direita – que além de Brasil e Argentina tem também o Paraguai, com Mario Abdo Benítez – influencia também nos órgãos diplomáticos da região. Em abril, Bolsonaro anunciou que o Brasil estava saindo da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), bloco criado em 2008, justamente na época dos governos de esquerda.

O brasileiro e outros seis presidentes, no mês anterior, haviam assinado documento para criação do Prosul, fórum de cooperação que inclui Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Peru, Colômbia e Equador. A exclusão da Venezuela é proposital.

O momento foi celebrado pelo embaixador argentino no Brasil, Carlos Magariños. Em abril, ele declarou: “avançamos mais em três meses de governo Bolsonaro do que em três anos de governo Temer”.

A virada política na América do Sul também tem impacto no campo dos costumes, que é prioritário para o bolsonarismo. No fim de maio, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, participou de debates sobre aborto no parlamento argentino. Ela disse que o governo brasileiro defende a vida desde a concepção.

Sua reunião foi com integrantes do Partido Celeste, agremiação lançada no ano passado que tem o combate ao aborto como uma de suas principais bandeiras. O tema ocupou o centro do debate político na Argentina no ano passado, após o Senado rejeitar em agosto um projeto que legalizaria o aborto – a proposta havia sido aprovada pela Câmara local dois meses antes.

Fronteiras rompidas?

As declarações públicas – e reiteradas – de Bolsonaro sobre a política interna da Argentina reabriram o debate sobre se o presidente estaria apenas manifestando suas opiniões ou se estaria interferindo nas decisões de outro país.

Para o deputado federal Paulão (PT-AL), membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, as falas de Bolsonaro são "um desserviço" para a diplomacia nacional. "Ele está gerando dois problemas, tanto do ponto de vista diplomático quanto do ponto de vista econômico. Primeiro porque está mostrando uma interferência que é algo que não faz parte da nossa tradição, da nossa política externa. E segundo porque é algo que pode trazer problemas ao Brasil se o governo na Argentina se modificar", disse.

Aliado de Bolsonaro, o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) é da opinião de que a fala do presidente é uma "postura arriscada". "Se o grupo de Cristina Kirchner vencer, o Bolsonaro, como chefe de Estado brasileiro, acaba ficando exposto", afirmou o parlamentar, que é vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

Mas o deputado atenuou a manifestação de Bolsonaro: "temos que levar em conta que a Cristina Kirchner odeia o Bolsonaro, então é uma situação de mão dupla. Além disso, o Bolsonaro, ao falar dessa forma, está sendo bem honesto, bem franco. Não creio que ficar com uma diplomacia cínica seria o caminho mais adequado a ser seguido".

Também na economia

As metáforas negativas envolvendo a Argentina não se restringiram ao campo político. No último dia 23, o ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou que a eleição de Bolsonaro impediu o Brasil de virar "uma Venezuela", mas não evitou a possibilidade de que o país se tornasse "uma Argentina".

A fala de Guedes diz respeito às sucessivas crises econômicas do país vizinho que foram causadas, segundo ele, pela ampliação do tamanho do Estado realizada durante os governos de esquerda.

Não à toa, os argentinos veem a economia como a maior fragilidade do seu país. Pesquisa feita no início de maio pela empresa Synopsis Consultores apontou que inflação e desemprego são os dois maiores problemas da Argentina, na opinião dos cidadãos. A saúde pública, que no Brasil costuma liderar a lista de queixas, foi mencionada por apenas 0,7% dos entrevistados.

"A Argentina está, agora, se livrando do populismo e do socialismo que travaram sua economia. Mas o Macri está fazendo isso de maneira ainda muito tímida, contemporizadora", analisou o deputado Orleans e Bragança.

Grande elenco

A comitiva de Bolsonaro na Argentina será grande. O presidente estará acompanhado de seis ministros: Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia), Bento Albuquerque (Minas e Energia), Marcos Pontes (Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional).

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), também integrará o grupo. Há ainda a possibilidade da presença do ministro Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública.

Se Moro estiver na comitiva, será a segunda viagem dele à Argentina em um período curto de tempo – ele esteve no país em 30 de maio. Na ocasião, se encontrou com autoridades do país que repassaram a ele uma lista com nomes de torcedores com histórico de violência, a quem o ministro disse que tentará barrar a entrada no Brasil, em virtude da Copa América.

Antes, a Argentina recebeu o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente e chefe da Comissão de Relações Exteriores da Câmara. Ele cumpriu agenda em Buenos Aires e, a exemplo do pai, disse que a Argentina será "uma nova Venezuela" caso o grupo de Cristina Kirchner vença as eleições previstas para outubro.

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