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Outdoor de Mauricio Macri parcialmente coberto por cartazes com slogans contra o governo argentino, em Buenos Aires: atual presidente saiu derrotado das eleições primárias da Argentina.
Outdoor de Mauricio Macri parcialmente coberto por cartazes com slogans contra o governo argentino, em Buenos Aires: atual presidente saiu derrotado das eleições primárias da Argentina.| Foto: Juan Mabromata/ AFP

Um dos aliados mais fiéis do governo Jair Bolsonaro pode perder o poder para um representante da esquerda latino-americana. Mauricio Macri, presidente da Argentina que tenta a reeleição, ficou 15 pontos percentuais atrás de Alberto Fernández, que tem Christina Kirchner como vice, nas eleições primárias obrigatórias que ocorreram no domingo (11). Mas o que isso representa para o Brasil e o Mercosul?

Macri defende políticas econômicas liberais e, principalmente por isso, tem mantido boas relações com Bolsonaro e sua equipe econômica. Brasil e Argentina têm demonstrado forte sintonia nas decisões do Mercosul desde que Bolsonaro assumiu a Presidência. Relação até certa forma surpreendente, já que o presidente brasileiro, enquanto candidato nas eleições de 2018, era um crítico do bloco comercial com os países vizinhos. Uma eventual vitória da oposição na Argentina pode até fazer com que Bolsonaro reveja a sua política para o Mercosul.

Alberto Fernández, vencedor das primárias argentinas, é um opositor de Bolsonaro e visitou o ex-presidente Lula na prisão, em julho. Enquanto chama o petista de "querido amigo" e considera sua prisão "uma mácula ao Estado de Direito", diz que Bolsonaro é "racista", "misógino" e "a favor da tortura". Além disso, fala em revisar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, considerado uma das grandes vitórias do atual governo brasileiro na política externa.

Bolsonaro já deixou clara diversas vezes a sua preferência por Macri e sua aversão ao kirchnerismo. Após o resultado das primárias argentinas, disse que não quer ver argentinos fugindo para o Rio Grande do Sul. Sobre Fernández, falou que não quer romper relações, mas que a ideia do argentino de rever o acordo do Mercosul com a União Europeia "é o primeiro sinalizador de que vai ser uma situação bastante conflituosa".

Vitória da oposição na Argentina vai criar dificuldades

Amâncio Jorge de Oliveira, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), acha que a derrota de Macri traria dificuldades relevantes dentro do bloco econômico sul-americano. "Existia até então certo alinhamento liberal no Mercosul. Outros países têm essa mesma tendência liberal na América do Sul, como Chile e Colômbia. A volta da esquerda na Argentina significaria uma fratura nessa coluna vertebral de centro-direita liberal na América do Sul. Isso teria um impacto muito forte para o Mercosul", avalia.

Para Oliveira, as consequências negativas da provável eleição de Fernández para as relações com o Brasil e o Mercosul deverão ser estancadas pelo empresariado, para quem não interessa um conflito entre os dois países no campo comercial.

"O que força muito a relação da Argentina com o Brasil são os empresários. Em alguns momentos, falou-se que o Mercosul seria desativado, mas isso não interessa ao setor privado. Embora o desalinhamento possa existir em relação à cúpula governamental, a pressão para o comércio existir é muito forte no setor privado", explica.

Mesmo assim, algumas mudanças relevantes nas relações entre os dois países, inclusive no setor comercial, deverão acontecer se Macri for mesmo derrotado. Oliveira aponta alguns aspectos em que poderá haver embate, como no tratamento dado pelo Mercosul à Venezuela, no acordo firmado entre o Mercosul e a União Europeia, na afinidade do bloco sul-americano com os Estados Unidos e na aproximação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico (bloco formado por Chile, Colômbia, Costa Rica, México e Peru).

No caso do acordo entre Mercosul e UE, a avaliação de Fernández é de que o bloco sul-americano teria feito muitas concessões para os europeus. Nesse sentido, segundo Oliveira, os argentinos poderiam forçar uma revisão de certos pontos do acordo, como nas cotas de exportação agrícola.

Nas relações comerciais com o Brasil, o protecionismo de Fernández e sua hostilidade a Bolsonaro poderiam significar um arrefecimento nas exportações brasileiras à Argentina. Hoje, os argentinos são nosso terceiro maior importador, atrás só de China e Estados Unidos. O principal impacto poderia ser nos setores automotivo e de autopeças, que dominam as exportações para a Argentina.

No entanto, por mais que os discursos se acirrem entre os presidentes, a relação política conflituosa não deverá afetar de forma significativa o comércio entre os dois países, segundo Oliveira. "Dos dois lados, existe uma interdependência tão grande que, apesar dos discursos e declarações, não acredito que possa haver uma ruptura comercial. O pragmatismo deve falar mais alto. Contornam-se os problemas políticos, e as conversas continuam, sobretudo do lado da Argentina, que precisa muito do Brasil em termos comerciais."

Pouca chance de virada

Nos resultados das primárias, Alberto Fernández ficou com 47% dos votos, contra 32% de Mauricio Macri. Como as eleições são em outubro, há tempo para uma virada de Macri, mas analistas consideram isso improvável.

Liberal na economia, Macri tentou promover uma transformação econômica que ainda não surtiu o efeito desejado. Embora a crise econômica do país se deva em grande parte a decisões tomadas pelo kirchnerismo entre 2003 e 2015, os argentinos mostraram no último domingo que não pretendem dar mais tempo a Macri para corrigir os problemas.

Nesta quarta-feira (14), o atual presidente argentino anunciou um pacote para tentar salvar a sua candidatura, focado especialmente em atrair votos da classe média. Entre as medidas estão aumento do salário mínimo e congelamento dos preços dos combustíveis.

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