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Rebelião em Altamira
Confronto entre Comando Vermelho e Comando Classe A deixou 52 mortos, sendo 16 decapitados em rebelião em presídio de Altamira no Pará. Imagem ilustrativa.| Foto: Atila Alberti/Tribuna do Paraná

Os assassinatos de ao menos 57 presos no Centro de Recuperação de Altamira, no Pará, na segunda-feira (29),  podem deflagrar uma nova onda de violência envolvendo as maiores facções criminosas do país, segundo autoridades e analistas ouvidos pela Gazeta do Povo.

As mortes ocorreram durante uma ação de detentos vinculados à facção criminosa local CCA (Comando Classe A). Segundo a Susipe (Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará),  eles invadiram e incendiaram uma área do presídio onde estavam presos ligados ao CV (Comando Vermelho) – facção do Rio de Janeiro que atua em diversos estados do país.

A Susipe afirmou que 16 detentos foram decapitados e 41 morreram asfixiados devido ao incêndio.

Apesar das mortes terem sido promovidas por uma facção local, o episódio pode levar a um acirramento da disputa por poder e território entre as maiores facções criminosas do Brasil: o CV e o PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo.

Isso porque o CCA, responsável pelo massacre em Altamira, teria firmado uma aliança recente com o PCC, segundo investigações de autoridades da polícia e da promotoria no Pará e em São Paulo.

Porém, até a noite de segunda-feira, não haviam sido encontrados indícios de que lideranças do PCC, que cumprem pena em penitenciárias de São Paulo ou presídios federais, tenham ordenado a ação dos membros do CCA no Centro de Recuperação de Altamira, segundo uma autoridade envolvida nas investigações.

Facções buscavam aliança

Antes das mortes desta semana, lideranças do CV e do PCC vinham tentando costurar uma aliança, segundo o promotor Lincoln Gakiya, do Gaeco (Grupo de Atuação Contra o Crime Organizado) do Ministério Público em Presidente Prudente, unidade que investiga os movimentos dos líderes do PCC no sistema penitenciário.

De acordo com ele, juntas, as facções queriam fazer frente a políticas penitenciárias defendidas pelo ministro da Justiça Sérgio Moro. Entre elas está a adoção de regras mais rígidas para o benefício da visita íntima a detentos ligados a organizações criminosas.

Inspiradas na política antimáfia italiana, as regras do ministro determinam, por exemplo, que em uma penitenciária de segurança máxima, o preso não tenha contato físico com a visita e converse com ela apenas em um parlatório ou por videoconferência. Esse tipo de medida dificulta a transmissão de ordens dos líderes para o resto da facção.

O PCC e o CV eram aliados até meados de 2016, mas entraram em conflito pelo domínio de presídios e áreas de tráfico de drogas, segundo Camila Nunes Dias, pesquisadora da Universidade Federal do ABC, de São Paulo.

“Essa disputa criou uma polarização nas facções do Brasil inteiro. Raramente as facções locais ficam neutras”, afirmou.

O promotor Gakiya afirmou que o nível de envolvimento do PCC no massacre de Altamira ainda não está claro. Mas, se confirmado, pode não só acabar com a tentativa de trégua das lideranças como resultar em retaliação do CV a membros do PCC no Pará e possivelmente em outros estados – dentro e fora das unidades prisionais.

Por que o Pará é importante para os criminosos?

Os estados do Pará e do Amazonas fazem parte da chamada Rota do Solimões, um esquema criminoso usado para transportar cocaína produzida em países andinos, como Colômbia e Peru, por meio de rios como o Solimões e o Negro para cidades da região norte do Brasil, segundo o promotor. Dessas cidades, a cocaína é levada para capitais da região sudeste ou exportada para a Europa.

A Rota do Solimões é uma opção de tráfico de cocaína andina alternativa à principal rota que passa pelo Brasil na fronteira com o Paraguai.

Segundo o pesquisador de segurança pública, Aiala Couto, professor da Universidade Estadual do Pará, o estado do Amazonas já é controlado por uma facção criminosa de caráter regional, a FDN (Família do Norte). Já o Pará se tornou palco de uma disputa entre o CV e facções locais que tentam se fortalecer, como CCA de Altamira.

“Quanto menos membros do Comando Vermelho permanecerem na região de Altamira, no interior do Pará, mais forte o CCA se torna. Em Belém estão as facções que se aliaram ao CV”, disse.

Segundo ele, a notícia da suposta aliança do CCA com o PCC contra o CV só começou a circular com força após o massacre desta segunda-feira. Ele disse acreditar que ainda é prematuro afirmar que existe uma aliança consolidada.

Facções como o CV e o PCC, originárias do sudeste, começaram a se espalhar pelas regiões nordeste e norte há alguns anos, atraídas pelo chamado “novo cangaço” – os roubos a bancos em pequenas cidades do interior. Quando seus integrantes começaram a ser presos e levados para unidades prisionais, passaram a aliciar detentos locais para as facções do sudeste.

Falta de controle

Segundo a pesquisadora Camila Dias, não se pode culpar apenas o conflito entre facções por massacres como o de Altamira. As autoridades públicas estariam falhando em manter o controle sobre os detentos, de acordo com ela.

“As unidades prisionais estão nas mãos dos presos, não só no Pará. Em casos como o de Altamira a maioria dos mortos nem costuma ter participação ativa na facção. Morrem porque estão em um pavilhão controlado por determinado grupo”, disse ela.

Como pode ser a retaliação?

Como o promotor Gakiya, Couto e Dias afirmaram que há uma grande probabilidade de retaliação do CV ao ataque aos seus membros em Altamira.

Mas, diferente do promotor, os pesquisadores disseram acreditar que um possível conflito em retaliação deve se concentrar mais na região norte e envolver particularmente os membros do CCA.

Membros do PCC e do CV vêm se envolvendo em uma série de rebeliões, tentativas de fuga e assassinatos em presídios nas regiões norte e nordesde desde 2017. Em setembro de 2018, a mesma penitenciária em Altamira foi palco de outra rebelião que acabou com um saldo de sete mortos.

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