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Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e o chanceler do Brasil Ernesto Araújo, durante a vista do americano a Roraima, na sexta-feira (18): ato de campanha para a Trump ou visita diplomática?
Secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, e o chanceler do Brasil Ernesto Araújo, durante a vista do americano a Roraima, na sexta-feira (18): ato de campanha para a Trump ou visita diplomática?| Foto: Bruno Mancinelli/AFP

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, participa de audiência no Senado, nesta quinta-feira (24), para explicar a visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, a Roraima, na última sexta-feira (18). O chanceler vai aproveitar a oportunidade para defender sua política externa a senadores da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Creden), que vão usar o espaço para marcar presença e tirar satisfações, sobretudo a oposição.

É esperado que o Itamaraty seja acusado por alguns parlamentares de usar sua agenda para fazer uma deliberada campanha política para a reeleição do presidente norte-americano, Donald Trump. Do chanceler, por sua vez, são esperadas respostas que enalteçam a importância do relacionamento entre os dois países, mas que refutem qualquer influência na corrida eleitoral.

A visita de Pompeo ao Brasil será usada como pretexto para uma cobrança maior dos senadores. A vinda do secretário de Estado norte-americano a Boa Vista é apenas um dos recentes acenos feitos pelo Brasil aos EUA. Soma-se a isso a redução das cotas de importação de aço brasileiro no quarto trimestre, que chega a superar 83%. A cota projetada era de 350 mil toneladas, mas foi reduzida para 60 mil — 17% do inicial. Além disso, o Brasil expandiu o prazo para a importação de etanol norte-americano sem tarifas, em desagrado a produtores e ao próprio Ministério da Agricultura. São fatores que, segundo apurou a Gazeta do Povo, estarão na conta da cobrança dos parlamentares.

Senadores se dizem “engasgados” com o que chama de "comportamento subserviente" do governo brasileiro em relação aos EUA, mesmo sem ser beneficiado com contrapartidas proporcionalmente equivalentes. Outro fator de discórdia, lembram, foi a preferência pelo candidato norte-americano à presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mesmo a equipe econômica tendo indicado um candidato brasileiro. No fim das contas, o Brasil concordou com a indicação de Maurício Claver-Carone, um ex-assessor de Trump, para o posto.

A presidência do BID, conforme mostrou Gazeta, era uma obstinação de Trump para superar o candidato democrata, Joe Biden, entre os eleitores hispânicos, tendo a Flórida como estado-chave nesta estratégia. Os frutos parecem ter sido colhidos. De acordo com pesquisa da ABC News e do Washington Post, divulgada na quarta-feira (23), Trump aparece com 51% da preferência do eleitorado da Flórida, acima dos 47% de Biden. A estratégia da Casa Branca com a viagem de Pompeo ao Brasil e à América Latina, aos poucos, sinaliza resultados frutíferos.

O governo brasileiro, entretanto, minimiza as críticas. Interlocutores do Palácio do Planalto tampouco veem problemas em senadores sabatinarem o chanceler devido à intensificação da relação entre Brasil e EUA. “Se os senadores vão usar da audiência para fazer palanque eleitoral, saibam eles que nós também”, sustenta um assessor palaciano. “O Ernesto sabe se virar e usar essas oportunidades para palanque do governo, para o eleitor do presidente, que quer exatamente isso, distância da Venezuela e alinhamento com nações de primeiro mundo”, acrescenta outro.

A lógica do governo para explicar tantos acenos e afagos aos Estados Unidos é atribuída ao cenário geopolítico mundial. Os interlocutores ouvidos pela Gazeta do Povo explicam que os norte-americanos são, hoje, os mais importantes aliados brasileiros. “A verdade é essa, porque a Europa está toda caída para a esquerda”, destaca um deles. Os poucos aliados entre os europeus não são uma potência como os Estados Unidos, a exemplo de Israel e Hungria. Na Itália, Matteo Salvini, ex-vice-primeiro-ministro, contabiliza derrotas para retomar algum protagonismo.

O governo chinês, prosseguem, é um país que não dá para se manter uma relação estreita, a exemplo dos EUA. “A China é comunista, com quem mantemos uma relação pragmática e só. Hoje, o nosso mais importante aliado mundial são os EUA”, sustenta um assessor palaciano. “Imagina se fosse o governo Biden como estaria a questão da Amazônia? Só não está pior porque Trump nos apoia nessa questão e evita que a agenda da esquerda, comprada pela Europa, tenha mais desdobramentos. Então, temos que privilegiar o país que está mais alinhado conosco, e não podemos reduzir tudo só em economia”, acrescenta.

Qual a expectativa dos senadores para a audiência com Ernesto Araújo

O convite ao chanceler partiu do senador Telmário Mota (Pros-RR), um dos mais críticos com a vinda de Pompeo a Roraima. O parlamentar chegou a mobilizar um movimento para convocar, ou seja, tornar obrigatória a presença de Araújo.

Para ele, o Itamaraty submeteu a diplomacia aos interesses eleitorais de Trump, e ainda ameaça a estabilidade das fronteiras e a paz com os países vizinhos. “De lá [Roraima], detona dizendo que vai derrubar o [ditador venezuelano Nicolás] Maduro. O Brasil não é colônia dos Estados Unidos. Isso fere a nossa soberania”, declarou, na segunda-feira (21).

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-líder do governo e membro da Creden, minimiza o convite e não acha que a audiência possa constranger o Executivo. À Gazeta, considera que seja direito do Parlamento pedir esclarecimentos, mas avalia que não cabe à oposição induzir ou querer mudar a política externa brasileira. “O governo tem um estilo diferente do que outros parlamentares acham que deveria ter. Bolsonaro ganhou a eleição, com aval dos eleitores, e vai fazer o que acha que a equipe dele achar que é melhor para o Brasil”, analisa.

O senador evitou comentar, contudo, se acredita que o governo faça campanha eleitoral para os EUA. “Vamos aguardar os argumentos, isso eu não sei, é a interpretação de alguns. Vamos ver o que ele vai dizer, deve ter suas razões e sua convicção sobre o que faz”, pondera.

Procurado, o Itamaraty não respondeu aos questionamentos da reportagem. Caso se manifeste, terá o posicionamento incluído no texto.

Especialistas criticam política externa brasileira

O argumento do governo de se alinhar aos Estados Unidos por ser o principal parceiro entre as potências mundiais é questionável. Especialistas acreditam que é uma estratégia míope e que atende apenas ao eleitorado bolsonarista mais “raiz”.

Doutor em Relações Internacionais, Carlos Gustavo Poggio, professor da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), não titubeia ao ser questionado se, dados os recentes gestos do governo brasileiro, o Brasil acaba fazendo campanha a Trump. “Eu acho. Bolsonaro torce muito pela reeleição e põe todas as fichas na mesa. O que demonstra, em parte, o amadorismo da nossa política externa”, critica.

A Comissão de Relações Exteriores e o Congresso norte-americano são controlados majoritariamente pelos democratas, que, lembra Poggio, assinaram carta dizendo que não aceitam nenhum tipo de acordo com o governo Bolsonaro. A subserviência da agenda bolsonarista a Trump, assim, não ajuda a construir uma política estratégica de longo prazo, sobretudo se Biden vencer as eleições.

“O que vemos são poucos ganhos concretos de continuidade de padrões mais históricos e mais longos da relação do Brasil com os EUA. Numa perspectiva mais ampla, acho que isso vai acabar permanecendo, uma testemunha do fracasso da estratégia míope de Bolsonaro”, diz.

O alinhamento entre Brasil e Estados Unidos acaba sendo até um contrassenso à narrativa de que o Brasil trabalha pela conclusão do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. A atual agenda brasileira pode atrapalhar negociações tocadas em âmbito multilateral no momento em que sinaliza a adoção de políticas diferentes das consolidadas até então, alerta Marina Montenegro, consultora da Domani Consultoria Internacional. “A visita do Pompeo, muitas concessões ao mercado americano sem reciprocidade que podem afetar o mercado interno, tudo isso gera uma conjuntura complexa e difícil de pontuar”, alerta.

A política externa passou a ser olhada com lupa pelo mundo. Não à toa a sabatina de Araújo estará no centro das atenções do mercado e pode influenciar variações nesta quinta-feira. O presidente da Dormani, Christian Shaw, avalia, no entanto, que é cedo calcular os impactos. “Baseado no que for justificado, o mercado pode ter algumas flutuações. Olharia muito nessa perspectiva e não sei se o saldo vai ser positivo ou negativo, mas, baseado no saldo, podemos ter resposta positiva ou negativa”, analisa.

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