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Dias chuvosos têm menos roubos: até mesmo o clima é capaz de influenciar nos índices de criminalidade.
Dias chuvosos têm menos roubos: até mesmo o clima é capaz de influenciar nos índices de criminalidade.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

É impossível saber quando e onde você será vítima de um crime. Há locais e circunstâncias em que o risco é maior, como uma rua escura e sem movimento, ou regiões onde os índices de criminalidade são comprovadamente mais altos. Porém, isso não impede que alguém seja roubado na esquina de casa, no meio de uma multidão ou num parque à luz do dia. Somos vítimas do acaso? Nem sempre. Estudos indicam que existe uma série de fatores que contribui para a incidência de determinados crimes em regiões específicas. E, acredite, isso vai desde elementos da arquitetura urbana até as condições climáticas.

Em 2017, um grupo de pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV) iniciou um trabalho para analisar as estatísticas de criminalidade na capital paulista. O objetivo foi entender a relação entre os padrões de criminalidade e as características de cada região da cidade. Por exemplo: por que em determinada região o roubo de pedestres é mais frequente e em outra há maior incidência de roubos de automóveis? A partir desse trabalho será iniciado um novo projeto, que pretende aprofundar essa análise e criar mecanismos que ajudem o poder público a atuar na prevenção à criminalidade.

O projeto será desenvolvido por pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP na cidade de São Carlos, a cerca de 240 quilômetros da capital paulista e que tem aproximadamente 250 mil habitantes. A iniciativa foi contemplada pelo Programa USP Municípios, parceria da instituição com prefeituras para o desenvolvimento de pesquisas, ações de inovação, apoio ao empreendedorismo e fomento à educação. A pesquisa contará com um aporte financeiro de R$ 15 mil para despesas de custeio e quatro bolsas de iniciação científica.

Professor do ICMC e coordenador do projeto, Luis Gustavo Nonato explica que o objetivo é pegar parte da metodologia utilizada em São Paulo e aplicá-la no município de São Carlos. “Por ser uma cidade menor e com um volume bem menor de ocorrências, será mais fácil trabalhar nesse cruzamento de dados. Teremos acesso a dados que não estavam disponíveis em São Paulo. A partir disso vamos ver de que maneira essas mesmas técnicas podem ser aplicadas em cidades menores”, diz.

Por que a pessoa rouba ali e não em outro lugar?

Segundo Nonato, há diversos fatores que impactam o número de ocorrências criminais em um determinado local, tais como: condições de trânsito, condições climáticas, densidade de edifícios residenciais, comerciais e industriais, existência de bares e restaurantes, fluxo de pessoas, presença de parques e praças, além das condições socioeconômicas.

“Há estudos realizados em alguns países indicando que, no inverno, aumenta a quantidade de roubos a estabelecimentos comerciais. Uma das explicações é que nessa estação as noites são mais longas. Outros dados apontam que, em dias chuvosos, o número de assaltos nas ruas diminui”, exemplifica.

Sendo assim, o primeiro passo dos pesquisadores será coletar a maior quantidade possível de dados georreferenciados sobre os crimes, a fim de gerar conhecimento sobre o padrão e a dinâmica de cada tipo de crime. “Depois, analisamos esses dados ao longo do tempo, tentando entender, a partir das séries temporais, o que está acontecendo em cada região da cidade, procurando distinguir, principalmente, cada tipo de crime: roubo de carga, de estabelecimento comercial, de transeunte, etc.”

Uma vez montada essa base estatística, será feito o cruzamento com outras informações referentes aos locais onde esses crimes estão ocorrendo, desde a infraestrutura urbana (existência de estabelecimentos comerciais, parques, iluminação, arborização) até as condições climáticas da região. “A partir daí, colocamos essas informações dentro de um modelo de inteligência artificial, que vai nos dizer quais dessas variáveis têm conexão com a criminalidade”, conclui Nonato.

“Por que a pessoa rouba ali e não em outro lugar? Será que a gente consegue identificar quais são as variáveis externas que estão facilitando o roubo naquelas regiões? Ao buscar responder essas perguntas, descobrimos coisas interessantes: por exemplo, existe uma correlação enorme entre o índice de roubo de transeuntes e os pontos de ônibus. Então, onde tem muito ponto de ônibus, tende a ter muito roubo de transeuntes.”

Outro fator que entra em consideração nessa análise é a sazonalidade, destaca o pesquisador. “Há casos em que, olhando as séries temporais, você descobre que tem um local em que os crimes acontecem sempre às sextas-feiras, na segunda quinzena do mês. Você vê isso claramente quando analisa os dados, porque as séries temporais permitem extrair esse tipo de informação, que é muito importante para embutir em um futuro modelo preditivo. Afinal, se você quer predizer o crime que poderá ocorrer naquele local e você sabe que existe essa sazonalidade, precisa inserir essa informação no modelo computacional que será criado.”

Estudo no entorno de escolas

Um exemplo de pesquisa nesse sentido foi realizado pela doutoranda Jaqueline Alvarenga Silveira, da USP, que analisou as atividades criminosas ao redor das escolas de São Paulo. A partir de dados fornecidos pelo Núcleo de Estudos da Violência, ela buscou entender a relação entre a criminalidade e a infraestrutura no entorno de um grupo de estabelecimentos, a fim de ajudar na formulação de políticas públicas para essas localidades.

“Desenvolvemos um mecanismo analítico versátil baseado na decomposição de tensor para extrair padrões de várias fontes de dados, permitindo o agrupamento de escolas de acordo com esses padrões. Mais especificamente, reunimos indicadores socioeconômicos, informações sobre infraestrutura urbana e histórico criminal envolvendo mais de seis mil escolas na cidade de São Paulo. O modelo permitiu combinar e extrair os padrões mais representativos para cada grupo de escolas”, disse Jaqueline em reportagem produzida pela USP.

Entre as conclusões verificadas em seu estudo, a pesquisadora cita o fato de existir uma relação direta entre o aumento do número de ponto de ônibus e bares e a maior ocorrência de crimes, principalmente os praticados contra transeuntes. “Identificamos, por exemplo, padrões que mostram que existe roubo de carro no período da tarde no entorno de grupos de escolas. Uma explicação para isso se deve justamente por conta do congestionamento de carros gerado na saída das aulas.”

Baixo custo, grande impacto

Em São Carlos, o projeto coordenado pelo ICMC terá duração de dois anos. Os dados já começaram a ser coletados junto à Secretaria de Segurança do município e os três primeiros meses serão dedicados à análise qualitativa desse material. Na sequência serão desenvolvidos os modelos de inteligência artificial responsáveis pelo cruzamento de dados. “Acredito que no início do ano que vem já teremos os primeiros resultados”, projeta Nonato.

E de que maneira essas informações podem ajudar os municípios a melhorar as políticas públicas voltadas para a segurança? “A metodologia que desenvolvemos é bastante satisfatória. Com esse projeto vamos verificar como ela se adapta e se funciona tão bem em uma cidade com um volume menor de crimes. Cada município tem suas particularidades, mas um modelo que se mostre eficaz pode ser aplicado em outras cidades de porte médio”, acredita o pesquisador.

O objetivo principal, de acordo com ele, é fazer com que a ciência de dados e a inteligência artificial ajudem na elaboração de políticas públicas. “Algumas intervenções urbanas são simples, mas têm um impacto enorme. Às vezes, quando você autoriza a abertura de um estabelecimento em determinado local ou faz algum tipo de melhoria, consegue erradicar certos tipos de crime em toda a vizinhança. Nosso objetivo é esse: fomentar políticas públicas, se possível, de baixo custo.”

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