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Vista da represa do Iraí, em Piraquara: Paraná enfrenta uma estiagem severa, com redução drástica no nível dos reservatórios de água.
Vista da represa do Iraí, em Piraquara: Paraná enfrenta uma estiagem severa, com redução drástica no nível dos reservatórios de água.| Foto: Lineu Filho / Tribuna do Paraná

O dia 30 de junho de 2020 ficou marcado por um fenômeno do clima do qual pouco havia sido falado no Brasil, o ciclone bomba. Com rajadas de vento que ultrapassaram 130 km/h, a formação caracterizada por se intensificar rapidamente deixou um rastro de destruição em mais de 135 municípios catarinenses e dez mortes. Os efeitos também foram sentidos no Paraná, onde os ventos fortes causaram muitos estragos, derrubaram árvores e deixaram milhares de pessoas sem energia elétrica.

O ciclone bomba é, até aqui, o fenômeno mais surpreendente de um ano marcado por eventos climáticos extremos no Brasil: as fortes chuvas que causaram enchentes e deslizamentos no Sudeste no início do ano; a estiagem que castiga o Paraná há meses e já é uma das piores da história; tornados que têm atingido o estado de Santa Catarina; a seca que provoca queimadas devastadoras no Pantanal; e a onda de frio recente que fez nevar em diferentes regiões do Sul.

Uma situação que não é diferente mundo afora, onde se intensificam os furacões, os grandes incêndios florestais e as temperaturas extremas. Episódios que vão ao encontro de um alerta feito no início do ano pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), agência especializada da Organização das Nações Unidas (ONU). “Infelizmente, esperamos ver muitos eventos climáticos extremos em 2020 e nas próximas décadas, alimentados pela emissão de níveis recordes de gases de efeito estufa que retêm o calor na atmosfera”, disse em janeiro o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.

Na verdade, esses eventos climáticos extremos já vêm sendo observados com cada vez mais frequência, conforme indica um estudo da organização ambiental The Nature Conservancy. Foi realizado um levantamento de todos os desastres naturais registrados no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres S2iD, do Ministério de Desenvolvimento Regional, entre 1980 e 2019. Nesse levantamento foram considerados desastres climáticos (associados a secas), meteorológicos (ligados a chuvas intensas e outros fenômenos meteorológicos) e hidrológicos (relacionados a inundações e enxurradas).

O estudo mostrou que, em quase quatro décadas, o número de cidades brasileiras afetadas por desastres naturais dobrou, passando de aproximadamente 17 mil para quase 34 mil. Já o número de eventos ocorridos nesse mesmo período passou de 5 mil para cerca de 33 mil, indicando que muitas cidades sofreram mais de um desastre. Esse crescimento se acentuou principalmente na última década, com uma quantidade de eventos 120% maior que na década de 2000.

Aquecimento global intensifica fenômenos

O coordenador de monitoramento da The Nature Conservancy Brasil, Mario Barroso, explica que essa análise é um indicativo de que eventos climáticos extremos tendem a se tornar cada vez mais frequentes. “Há grandes indícios de que as alterações na atmosfera geradas pelo aquecimento global são responsáveis por essa transformação, uma vez que causam mudanças na circulação de massas de ar frio e quente. Eventos meteorológicos inéditos ou de ocorrência muito rara acontecem quando há alterações de temperatura, por isso há uma tendência de eles aumentarem nas próximas décadas”, afirma.

O supervisor do Laboratório de Clima e Meteorologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Renato Ramos da Silva, confirma que essa incidência maior de eventos extremos relacionados ao clima não é algo que possa ser considerado normal. “O clima possui uma variabilidade natural, mas quando temos alterações em relação às médias climatológicas, temos os eventos extremos”, afirma. Para ele, são vários os indicativos de transformação no clima global: ondas de frio intenso ou de extremo calor, derretimento de calotas polares, de gelo das montanhas e aumento no nível dos oceanos, entre outros.

Segundo a OMM, 2019 foi o segundo ano mais quente de todos os tempos, depois de 2016. A temperatura média mundial no ano passado superou em 1,1°C a média registrada no período pré-industrial (1850-1900). “A tendência de aquecimento global, principalmente da superfície, causa fenômenos convectivos mais fortes [responsáveis por chuvas intensas, ventos fortes e tornados], pois o ar quente tende a subir e se redistribuir verticalmente e horizontalmente”, explica Renato.

“As mudanças climáticas provocadas pela ação humana influenciam a probabilidade e a severidade de eventos climáticos extremos. Secas, chuvas intensas, ondas de calor e furacões são eventos que, dependendo da região, são esperados de tempos em tempos. No entanto, uma cheia ou seca extrema que ocorreria a cada cem anos passa a ter recorrência a cada dez anos, e a estação de furacões com um furacão de intensidade máxima passa a apresentar dois ou três”, acrescenta o pesquisador.

Como podemos nos precaver da fúria do clima?

Uma das conclusões preocupantes do estudo feito pela The Nature Conservancy é a expansão territorial e interiorização de eventos relacionados à seca e precipitação intensa. Entre as décadas de 2000 e 2010, regiões que antes não sofriam com esse tipo de problema passaram a registrar esses eventos, caso da ocorrência de seca em regiões mais úmidas da Amazônia – o que aumenta o risco de incêndios florestais. Já o Centro-Oeste, onde está o Cerrado, antes conhecido pela relativa previsibilidade climática, tem sofrido com os dois extremos: chuvas torrenciais que causam inundações e secas, como a que tem causado neste ano a pior temporada de queimadas no Pantanal.

O Paraná, por sua vez, vem enfrentando aquela que é considerada a pior estiagem em 100 anos. Desde o fim do ano passado, o estado vem registrando média de chuvas abaixo do normal, chegando a um déficit de 80% em alguns lugares. Para Mario Barroso, a sociedade precisa se preparar para situações como essa, que tendem a se tornar mais corriqueiros. “É preciso entender que vamos estar mais expostos a eventos dessa natureza, então, temos que tomar medidas de precaução”, alerta.

E que tipo de medidas de precaução podem ser adotadas diante desse cenário? “Um dos principais efeitos, seja decorrente do aumento ou diminuição de chuvas, está diretamente relacionado ao que se faz nas bacias hidrográficas. É preciso ter um planejamento para essas bacias, seja no sentido de armazenar água, ou de suportar grandes quantidades de chuva sem causar inundações. É um conjunto de ações que se fazem necessárias para lidar com a escassez e o excesso de água”, observa Barroso.

Renato Ramos enfatiza que as consequências dos eventos climáticos extremos vão muito além de prejuízos materiais e pontuais. “Uma estiagem prolongada afeta a produção de alimentos. Diminuindo a produção, aumentam os preços. Aí temos inflação alta, que desvaloriza os salários e, assim, toda a sociedade é afetada. Por isso, os governos precisam se preocupar também com os conflitos sociais decorrentes das mudanças climáticas.”

Para os pesquisadores, há uma série de medidas que podem ser adotadas pelo poder público no sentido de mitigar as causas e efeitos dos eventos climáticos extremos: atuação conjunta dos estados, elaboração de planos de atuação, monitoramento de áreas de risco, recuperação e preservação das florestas, investimento em matrizes energéticas renováveis. “Mas o principal, a meu ver, é a educação geral da sociedade: fazer com que ela entenda a relação entre o que ela faz na natureza e o que está acontecendo agora. Esse entendimento é que vai gerar o aumento da conscientização e melhores respostas a esses eventos”, conclui Barroso.

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