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Plenário da Câmara, na reunião do Congresso sobre a LDO
Plenário da Câmara dos Deputados.| Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (9) o texto-base do projeto que cria o Código de Processo Eleitoral. Na sequencia, os deputados analisaram parte dos chamados destaques de bancadas, que são propostas para confirmar ou retirar alguns trechos do texto principal. A conclusão da votação destes destaques ficou para a próxima semana.

A proposta original estabelece uma série de novas regras para as eleições. E contém dispositivos que enfraquecem a fiscalização e punição da Justiça Eleitoral sobre candidatos e partidos, que abrem brecha para impunidade em casos de caixa 2 eleitoral e que restringem a publicação de pesquisas na véspera e no dia das eleições. Todas essas novas regras já valerão nas eleições de 2022.

O relatório da deputada Margarete Coelho (PP-PI) previa uma quarentena de cinco anos para promotores, juízes, militares e policiais que quisessem disputar um cargo eletivo. No entanto, três destaques apresentados pelo PSL foram aprovados e retiraram a restrição para essas categorias do projeto.

O texto-base do Código Eleitoral foi aprovado pelo plenário por 378 votos contra 80 (e 2 abstenções). Para entrar em vigor, as mudanças ainda deverão ser analisadas pelo Senado. Caso o Código também seja aprovado pelos senadores e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro antes do começo de outubro, as regras passam a valer já em 2022 – a legislação brasileira exige que mudanças em regras eleitorais sejam aprovadas com pelo menos um ano de antecedência de uma eleição.

Confira as principais mudanças previstas no projeto do Código de Processo Eleitoral:

Código Eleitoral estabelece fiscalização privada dos partidos

Atualmente, a Justiça Eleitoral é responsável por fiscalizar diretamente as contas dos partidos políticos – e pode puni-los com sanções que variam de multa, perda de direitos partidários e eventualmente até com a proibição do funcionamento da legenda dependendo da gravidade da infração. Contudo, o projeto do novo Código de Processo Eleitoral prevê que as legendas contratem empresas privadas de auditoria, que ao final irão encaminhar um relatório sobre a prestação de contas para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Especialistas afirmam que esse dispositivo do projeto abre brechas para que irregularidades nas contas dos partidos sejam ocultadas, pois a empresa que fará a auditoria será contratada pela sigla.

O Código Eleitoral também prevê a redução de cinco para dois anos no prazo para que a Justiça Eleitoral analise a prestação de contas dos partidos. Ou seja, além de não ser mais a responsável pela primeira análise dos balanços das legendas, o poder público terá menos tempo para fazer a análise posterior – o que leva especialistas a prever que haverá aumento da impunidade por dificuldade de a Justiça Eleitoral cumprir o prazo mais apertado.

Outro dispositivo previsto no novo Código é a redução do valor da multa aplicada aos partidos em caso de reprovação das contas apresentadas. Hoje a punição é de 20% do valor apontado como irregular – dependendo do montante envolvido, a cobrança pode chegar a cifras na casa de milhões de reais. Já o novo projeto estabelece um teto de R$ 30 mil para multas decorrentes da desaprovação de contas.

Especialistas afirmam que esse dispositivo pode aumentar a impunidade de partidos e dirigentes que cometam ilegalidades em suas contas.

Projeto permite que Congresso casse decisões do TSE

Atualmente, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) é o responsável por regulamentar a legislação referente às eleições e a atuação de candidatos e partidos. Pelo projeto, o Congresso poderá cassar decisões do TSE, caso haja o entendimento de que regras estão em desacordo com o Código.

Para o movimento Freio na Reforma, formado por uma série de entidades da sociedade civil, a Justiça Eleitoral é fundamental para combater fraudes nas eleições e oferecer procedimentos isentos e transparentes para a escolha dos candidatos. “Deixar que essa competência fique a cargo do Congresso Nacional subverte a lógica da Constituição e representa indevido controle do Poder Legislativo sobre a Justiça Eleitoral”, diz o manifesto do grupo.

O projeto estabelece ainda que uma eventual regulamentação das eleições, feita pelo TSE, só poderá entrar vigor após um ano. Partidos costumavam reclamar que atualmente as regulamentações eleitorais do TSE são feitas a qualquer momento, ao contrário das leis, que têm de ser aprovadas um ano antes das eleições para entrarem em vigor. Para os partidos, isso impede o planejamento de suas ações.

Código Eleitoral abre brecha para impunidade por caixa 2

De acordo com especialistas, o afrouxamento da fiscalização de partidos e candidatos e o enfraquecimento dos poderes do TSE, contidos no Código Eleitoral, abrem brechas para que casos de caixa 2 eleitoral fiquem impunes – embora o texto "aparente" trazer um avanço para coibir o uso de dinheiro não contabilizado nas eleições.

O projeto de lei tipifica pela primeira vez o crime de caixa 2. Atualmente, a Justiça usa leis referentes a outros crimes para punir os infratores, fazendo uma analogia entre esses ilícitos. Para especialistas, isso abre brechas para questionamentos das decisões judiciais. Portanto, a tipificação do crime de caixa 2 seria interessante para garantir a segurança jurídica.

O problema é que outros dispositivos da lei enfraquecem a fiscalização e a atuação da Justiça Eleitoral. E isso pode levar à impunidade de vários ilícitos cometidos nas eleições, incluindo o caixa 2.

Além disso, há outros dois problemas nos dispositivos referentes ao caixa 2 previstos no projeto do Código Eleitoral.

O primeiro é que texto prevê que o candidato que praticou caixa 2 pode firmar um acordo de não persecução penal. Ou seja, ele pode negociar com o Ministério Público que não seja processado pelo crime, em troca de alguma reparação. O projeto também prevê que a Justiça poderá deixar de aplicar a pena se a omissão ou irregularidade na prestação de contas for de pequeno valor. Especialistas em transparência pública criticam esses dispositivos.

O segundo problema é que, dependendo da circunstância, a pena prevista no novo Código Eleitoral pode ser menor do que a que hoje é aplicada a quem cometeu o crime de caixa 2.

O projeto prevê que a pena vai de dois a cinco anos de prisão e multa. É a mesma punição prevista para falsidade ideológica, crime que os juízes geralmente usam atualmente para a não contabilização de despesas eleitorais. A falsidade ideológica é caracterizada porque o candidato deixa de prestar contas adequadamente, fraudando a documentação apresentada à Justiça Eleitoral.

Mas, durante a Lava Jato, o caixa 2 também passou a ser enquadrado, em algumas situações, como corrupção passiva (no caso do candidato que recebeu o valor em troca de alguma ação futura) e corrupção ativa (a empresa ou pessoa que financiou o candidato ilegalmente para obter benefícios públicos). A pena da corrupção ativa e passiva varia de dois a 12 anos de prisão, além de multa – maior do que a prevista pelo projeto.

Participação em debates e propaganda virtual

O Código de Processo Eleitoral estabelece que as emissoras de rádio e TV deverão garantir a participação em debates de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional de, no mínimo, dez parlamentares. A participação dos demais candidatos será facultada as organizadoras dos debates políticos.

A regra atual garante a participação em debates de candidatos dos partidos com representação no Congresso Nacional de, no mínimo, cinco parlamentares. Existe uma expectativa de que esse número seja restabelecido através de um destaque de bancada que será analisado pelos parlamentares após a aprovação do texto-base.

O projeto também permite o uso de montagens, computação gráfica e outros recursos de vídeo na propaganda eleitoral que hoje são proibidos. O texto também determina que perfis de candidatos em redes sociais só poderão ser suspensos, excluídos ou submetidos a outras medidas desse tipo se houver decisão judicial.

Ainda de acordo com o texto, as placas, adesivos e outros itens de campanha física não terão mais restrições de tamanho.

Transporte de eleitores e boca de urna deixam de resultar em prisão

A atual legislação eleitoral considera que o transporte de eleitores no dia das eleições, de suas residências até os locais de votação, é crime que pode resultar em prisão de até seis anos, além de multa.

No entanto, o novo Código de Processo Eleitoral propõe a descriminalização do transporte de eleitores. Essa prática deixa de ser crime e passa a ser apenas uma infração, passível de punição só na esfera cível apenas com a aplicação de multa (o projeto estabelece o valor de R$ 5 mil a R$ 100 mil).

Ainda que o transporte continue a ser ilegal, o dispositivo previsto no projeto é criticado porque pode estimular o abuso do poder econômico nas eleições. Candidatos com muitos recursos financeiros poderiam fazer um cálculo de custo-benefício de transportar eleitores, aceitando pagar uma multa para assegurar mais votos.

Em outro ponto o projeto estabelece que deixam de ser crime práticas hoje proibidas no dia de eleição. É o caso da propaganda eleitoral de boca de urna, os comícios, as carreatas e o uso de alto-falantes para fazer campanha política. Hoje esses atos podem ser considerados crimes eleitorais e podem resultar em reclusão de até seis anos e multa. Com a mudança, os atos passarão a ser infrações da área civil – tal qual o transporte de eleitores.

Dinheiro do fundo partidário pode ser usado na compra de jatinho e imóveis

Um dos pontos críticos da proposta diz respeito à aplicação do fundo partidário, criado para custear as atividades dos partidos. Pela proposta, as legendas poderiam usar os repasses públicos “em outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação da executiva”.

De acordo com especialistas, a medida abre brecha para que os dirigentes partidários utilizem a verba para seu próprio proveito, como a compra de bens móveis e jatinhos.

Código Eleitoral proíbe pesquisas na véspera e no dia da eleição

O projeto do Código Eleitoral prevê a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia das eleições. De acordo com a proposta, a medida visa evitar que o eleitor seja induzido por cenários que, por vezes, conflitam com os resultados das urnas.

O texto determina ainda que os institutos divulguem juntamente com as pesquisas, o seu “percentual de acerto” nas últimas eleições.

Especialistas criticam a medida por considerarem que é uma censura e um cerceamento do direito do eleitor de se informar sobre a eleição num momento em que os cenários eleitorais mudam muito rapidamente. Além disso, existe o risco de que, ao proibir pesquisas oficiais, candidatos vão espalhar nos últimos dias de campanha pesquisas falsas, como se fossem verdadeiras, para influenciar os eleitores a seu favor.

Quarentena eleitoral para militares, policiais, juízes e membros do MP foi derrubada

O texto-base do Código de Processo Eleitoral determinava que militares, juízes, integrantes do Ministério Público, guardas municipais e policiais (rodoviários, federais, militares e civis) não poderiam disputar eleições caso não tivessem se afastado de seus cargos e funções até cinco anos antes da eleição.

Depois de uma mobilização dos integrantes da chamada "bancada da bala", três destaques do PSL para retirar a quarentena do texto foram aprovados pelo plenário. O primeiro requerimento, aprovado por 254 votos favoráveis contra 170, previa acabar com a quarentena para promotores e juízes.

"Esse destaque se refere especificamente aos juízes e promotores. Nós destacamos cada uma das categorias. Há uma para os juízes e promotores. Há outro para os militares. E há outro para os policiais. A ideia é simplesmente proteger aqueles que também estão no dia a dia tomando decisões graves, e, por isso, seriam punidos, seriam impedidos de participar da vida pública, de se candidatarem, simplesmente porque exercem funções que são extremamente importantes para o país", afirmou o líder do PSL, major Vitor Hugo (GO).

Na sequencia, outro destaque para acabar com a restrição para militares também foi aprovado por 405 votos favoráveis e 52 contrários. "Na nossa visão, isso serviria para tirar direitos políticos dos militares que, no dia a dia, vivem sob a égide da hierarquia e da disciplina (...). Tenho certeza de que o Parlamento não poderia jamais criar uma quarentena que os retirasse na prática da convivência política, das discussões políticas e de ocupar cargos eletivos de maior relevância no nosso país", defendeu Vitor Hugo.

Por último, um destaque para suprimir o trecho que previa a quarentena para policiais também foi aprovado por 411 votos contra 14. "Fica muito claro que como nós perdemos a questão do Judiciário, o Judiciário não vai ter quarentena, não faz sentido nenhum colocar os policiais militares, os policiais civis, os policiais federais, os policiais rodoviários federais… perdeu já a narrativa da necessidade de uma quarentena", defendeu o deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM).

Punição a quem atacar eleições com objetivo de ''promover desordem''

O texto do novo Código Eleitoral criminaliza condutas como a sistemática disseminação de informações falsas com o objetivo de questionar a integridade do processo eleitoral. De acordo com o artigo 869 do projeto, há a previsão de pena de um a quatro anos de reclusão no caso de divulgação ou compartilhamento de “fake news”.

O trecho tipifica como crime a propagação de “fatos que sabe inverídicos ou gravemente descontextualizados, com aptidão para exercer influência perante o eleitorado”. Se a mesma conduta for praticada com a finalidade de “atingir a integridade dos processos de votação, apuração e totalização de votos” para “promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais”, a pena é acrescida de metade a dois terços, a depender do caso.

Esse ponto foi incluído na discussão depois que o presidente Bolsonaro fez diversas acusações contra o atual sistema de votação, sem apresentar provas do que dizia, sobretudo a respeito da segurança das urnas eletrônicas. A maioria das declarações foi dada enquanto a Câmara debatia o projeto que previa a implementação do voto impresso no país, mas que acabou sendo rejeitada pelos deputados.

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