A principal ação do governo para tentar manter os empregos durante a crise – a medida provisória (MP) 936, que permite a suspensão e a redução de jornada e salário – passou por várias modificações desde a sua primeira versão. A medida está em vigor desde 1º de abril e a expectativa do Ministério da Economia é que 24,5 milhões de trabalhadores sejam afetados pelo programa, cerca de 70% da população empregada com carteira assinada.
A ideia original do governo, apresentada em entrevista coletiva pelo Ministério da Economia nos dias 18 e 19 de março, tinha alguns pontos mais duros do que a MP de fato publicada e em vigor. Por exemplo, o governo anunciou que iria permitir a redução proporcional de até 50% da jornada e do salário, com antecipação de parte do seguro-desemprego por três meses e sem garantia de estabilidade.
Ou seja, a ideia inicial era que o trabalhador que tivesse a jornada reduzida pudesse sacar parte do seguro-desemprego a qual teria direito caso fosse demitido. Depois, quando viesse a ser demitido sem justa causa, não receberia o seguro-desemprego integralmente: o que ele tivesse sacado seria descontado. Só receberia o seguro completo quem ficasse no emprego por certo tempo, que ainda seria definido pelo ministério.
Questionado por jornalistas, o secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcomo, não soube informar se quem nunca fosse demitido ou viesse a pedir demissão por conta própria ficaria devendo ao governo.
Ele também esclareceu, quando questionado pela Gazeta do Povo, que não haveria estabilidade para o trabalhador que tivesse o salário reduzido. “Não há nenhum tipo de restrição ou condicionante. A ideia é não colocar barreiras [de adesão ao programa]”, informou Dalcomo na época.
Como ficou a redução de jornada
O programa publicado pelo governo é um pouco diferente da ideia original. Ele prevê a redução de até 70% da jornada e do salário por até três meses, com o pagamento de um auxílio pelo governo para reduzir o impacto da perda de renda do trabalhador. O valor do auxílio é proporcional ao que a pessoa teria direito a receber de seguro-desemprego caso fosse demitida.
Mas, diferentemente da ideia inicial, se o trabalhador vier a ser demitido futuramente sem justa causa, ele vai receber na íntegra o seguro-desemprego a que tiver direito. Ou seja, trata-se de fato de um auxílio, pois a complementação que será paga pelo governo usará o valor do seguro apenas como referência, e não precisará ser devolvida pelo trabalhador.
O governo também ampliou para até 70% a possibilidade de redução de jornada e trabalho, dependendo da renda do trabalhador. O novo percentual foi um pedido dos setores de bares, restaurantes e hotéis, alguns entre os mais afetados pela crise.
A medida provisória em vigor também garante estabilidade provisória ao trabalhador que tiver contrato reduzido. A estabilidade se dará durante o período de redução e por igual período depois. Por exemplo, se um trabalhador teve seu salário e jornada reduzidos por três meses (prazo máximo), ele terá estabilidade por um total de seis meses. Só poderá ser demitido por justa causa.
Em nenhum momento a equipe econômica cogitou pagar uma complementação usando como referência o salário do trabalhador. A ideia sempre foi calcular esse auxílio em cima do seguro-desemprego a qual a pessoa tem direito. O seguro varia atualmente de R$ 1.039 a R$ 1.813,03, a depender da renda do trabalhador.
E a suspensão do contrato de trabalho?
A suspensão do contrato de trabalho não era aguardada. Nas coletivas dos dias 18 e 19, o governo não informou que estudava autorizar a suspensão do contrato via acordo individual.
Só que em 22 de março, um domingo à noite, o governo publicou uma MP permitindo a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, sem obrigação de o empregador pagar o salário do funcionário e sem qualquer auxílio do governo ao trabalhador.
Diante da repercussão negativa, o presidente Jair Bolsonaro anunciou já na tarde de segunda-feira (23) a revogação do artigo da MP que previa a suspensão do contrato de trabalho.
Depois, ainda na segunda, a equipe econômica tentou se explicar. O ministro Paulo Guedes disse que houve um “erro de redação”, que a ideia do governo nunca foi deixar o trabalhador sem salário durante a pandemia. O secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco Leal, falou em “erro de interpretação”, pois uma outra MP seria publicada contendo a contrapartida do governo.
Oito dias após a polêmica medida provisória, a suspensão de contrato veio junto com a autorização para redução de jornada e salário em uma nova MP – a 936, em vigor atualmente. O governo também suavizou a interrupção do contrato de trabalho em relação à medida publicada inicialmente no Diário Oficial da União: permitiu a suspensão por até dois meses, mas com o trabalhador recebendo um auxílio em valor igual ao seguro-desemprego que ele teria direito caso fosse demitido.
O trabalhador que tiver o contrato suspenso também terá estabilidade no emprego durante o período de suspensão e após o restabelecimento da jornada por período equivalente. Ou seja, se a suspensão for de dois meses, o trabalhador ganha estabilidade por quatro meses.
Mediante acordo individual, só poderão ser suspensos os contratos de empregados que recebem até três salários mínimos (R$ 3.135) ou mais de R$ 12.202,12. Por meio de acordo coletivo é possível suspender o salário independente da faixa de renda do funcionário.
Empresas com receita bruta anual de até R$ 4,8 milhões não precisarão pagar nada ao trabalhador durante a suspensão do contrato. O funcionário vai receber do governo auxílio igual ao seguro-desemprego.
As empresas que têm receita superior a R$ 4,8 milhões, por sua vez, precisam pagar 30% do salário do empregado que tiver o contrato suspenso. Para esse trabalhador, o governo vai pagar o equivalente a 70% do seguro-desemprego.
O que dizia a lei antes da MP
Antes da MP 936, a Constituição e a CLT já permitiam a suspensão do contrato de trabalho e a redução de jornada e salário. A suspensão podia ser de dois a cinco meses, sem necessidade de o empregador pagar o salário, apenas obrigando a participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador. A redução de salário e jornada era autorizada em até 25%.
A grande diferença do programa lançado pelo governo – além dos percentuais permitidos e da duração das medidas – está na forma que o acordo é feito. A Constituição – e consequentemente a CLT – permite a suspensão e a redução somente via acordo coletivo, ou seja, envolvendo uma negociação com o sindicato.
O programa do governo permite via acordo individual, entre empregador e empregado, para algumas faixas de renda. Esse ponto, aparentemente esteve suspenso devido a uma decisão liminar do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro havia determinado que os acordos individuais precisam ser validados pelo sindicato. O tema será julgado pelo plenário da Corte na próxima quinta-feira (16).
Porém, em nova decisão, Lewandowski esclareceu que acordos individuais feitos a partir das regras da Medida Provisória 936 são, sim, válidos imediatamente, e que só não valerão os acordos em que o patrão não fizer a comunicação ao sindicato – sem ser necessária, no entanto, a concordância do sindicato.
-
Meta fiscal mais frouxa do governo Lula piora expectativas e mercado joga juros para cima
-
Moraes é convidado especial de Pacheco em apresentação de proposta de Código Civil
-
Conflito com Moraes e governo lança holofotes sobre os negócios de Elon Musk no Brasil
-
Pontes, blindados e gasoduto: Argentina quer relação pragmática, mas sem elo entre Lula e Milei
Comandante do Exército defende atuação do general Dutra no 8 de janeiro
O mais novo ataque à Lava Jato e a disputa entre Barroso e Salomão no CNJ
Governo de São Paulo propõe parceria com iniciativa privada para construção de 33 escolas
STF pode, enfim, proibir políticos de nomear parentes para cargos de alto escalão
Deixe sua opinião