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Bolsonaro e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre: interesses conflitantes entre Executivo e Legislativo atrasam discussões importantes no Congresso.
Bolsonaro e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre: interesses conflitantes entre Executivo e Legislativo atrasam discussões importantes no Congresso.| Foto: Isac Nóbrega/PR

O líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO), definiu a aprovação do Fundeb como um triunfo da gestão de Jair Bolsonaro no Congresso. "Essa é uma vitória do governo federal, é uma vitória do Brasil. Foi quase unânime, mostra que o governo estava realmente alinhado", disse. A inclusão do Fundeb na Constituição foi aprovada pela Câmara na noite da terça-feira (21), em dois turnos, com apenas seis votos contrários.

A realidade, porém, não se encaixa na descrição do deputado. O governo participou pouco das discussões do Fundeb — que duraram mais de cinco anos na Câmara — e tentou fazer com que a votação da proposta não ocorresse na semana atual. Na própria terça, deputados, sob orientação do Palácio do Planalto, lançaram mão do chamado "kit obstrução", que são medidas regimentais utilizadas para tentar impedir a votação de uma proposição.

A ideia inicial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), era votar o Fundeb ainda na segunda-feira (20). Mas o governo resolveu participar das negociações a partir do fim de semana, e a interferência embolou o cenário de um projeto que já desfrutava de certo grau de consenso entre os deputados.

O posicionamento de última hora, como no caso do Fundeb, não tem sido uma exceção na gestão Bolsonaro. Sob o comando de Maia e do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), o Congresso tem vivido um período de protagonismo ao longo do mandato de Bolsonaro. Tornou-se rotineiro o cenário em que deputados e senadores colocam sua agenda para avançar e o governo se posiciona a posteriori.

"Eu acho que o governo precisa sempre estar na frente. Não pode chegar depois do Congresso. A situação mais grave neste sentido foi o que ocorreu com o Fundeb. Mas acredito que com a reforma tributária não teremos esse problema", disse o deputado Bibo Nunes (PSL-RS), apoiador do governo.

Para ele, um elemento que contribuiu para que o governo tivesse menor participação nas discussões sobre o Fundeb foram as diferentes trocas de ministro da Educação — o atual titular da pasta, Milton Ribeiro, é o quarto ocupante da função em pouco mais de um ano e meio de governo.

O que mais exerceu o posto no MEC, Abraham Weintraub, era contrário a propostas que incrementavam a participação da União no Fundeb, e chegou a se envolver em debates públicos com a relatora do projeto na Câmara, deputada Dorinha Seabra (DEM-TO).

Reforma tributária do governo, enfim, chegou ao Congresso

A votação do Fundeb se deu no mesmo dia em que o ministro Paulo Guedes levou ao Congresso a proposta do governo para a reforma tributária. A entrega da proposição foi recebida com euforia, discursos elogiosos do ministro, de Maia e de Alcolumbre, e a promessa de que a iniciativa pode ser a "convergência" do Executivo com temas já em discussão na Câmara e no Senado.

Isso porque o debate sobre a reforma tributária é travado no Legislativo há muito mais tempo. Propostas sobre o tema correm nas duas casas, e desfrutam de certo grau de entendimento entre os parlamentares. Ao longo dos últimos meses, uma crítica constante entre deputados e senadores de diferentes partidos foi justamente por uma falta de posicionamento preciso do governo federal sobre a reforma na carga de impostos.

Ao longo do ano passado, criou-se a expectativa de que o governo enviaria a sua proposta, o que acabou não acontecendo. Por conta disso, críticas se avolumaram e houve até uma ameaça de "boicote" às comissões do Congresso sobre o assunto, até que o governo se posicionasse. Em 12 de fevereiro de 2020, Guedes disse que a proposta seria remetida ao Legislativo "em duas semanas", o que novamente não se concretizou.

Com a deflagração da pandemia de coronavírus, o foco da agenda pública se deslocou e o governo acabou ganhando um pouco mais de fôlego.

Previdência abriu caminho de choque de interesses

A dinâmica de conflito de interesses entre Legislativo e Palácio do Planalto viveu um grande momento durante a tramitação da reforma da Previdência, no ano passado. A reformulação do sistema de aposentadorias e pensões era a principal proposta do governo Bolsonaro para o campo econômico. Mas sua evolução no Congresso viu resistência até mesmo de integrantes da base governista, especialmente no que envolvia remunerações de militares e outros profissionais da área de segurança, grupos que dão sustentação ao presidente.

Como resultado, a reforma acabou conduzida majoritariamente por Rodrigo Maia. O quadro deu protagonismo à Câmara e gerou atritos entre Legislativo e governo. O presidente da Câmara passou a ser chamado de "primeiro ministro" e, por consequência, tornou-se um dos alvos preferenciais de bolsonaristas.

No início de 2020, antes da pandemia, outro foco de conflitos foi aberto com a gestão do Orçamento. Propostas previam a determinação de fatias expressivas dos recursos públicos sobre gestão da Câmara. A movimentação gerou momentos de tensão, que só foram minimizados com a transferência das atenções para o combate ao coronavírus.

Outra questão em que o governo se viu atrás do Legislativo foi na condução de uma agenda social. O presidente da Câmara designou a um grupo de deputados, encabeçado por Tabata Amaral (PDT-SP), a construção de proposições para a redução da pobreza, com foco em áreas como a reformulação do Bolsa Família e incremento de políticas educacionais. Integrantes do governo não participaram das rodadas iniciais de conversa, o que motivou críticas. A pandemia freou o avanço dos trabalhos do grupo.

Para deputados, situação indica diferença de prioridades

O deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) vê o quadro como resultado da diferença de interesse entre os poderes. "Esse tipo de situação ocorre quando as prioridades do Congresso não são as mesmas que as do governo. Com isso, cada lado conduz as pautas que considera prioritárias. E aí, quando o Congresso se prepara para votar um assunto, identifica que uma questão está madura, o governo entra no jogo", declarou.

"Temos que levar em conta que são poderes independentes. E pela quantidade de medidas provisórias que tem sido apresentadas, vemos que há uma preocupação do governo em participar das agendas do Congresso", expôs o deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade-RJ).

Em relação à reforma tributária, o deputado disse acreditar que o tema mereceria maior cautela e discussões aprofundadas após a retomada da normalidade dos trabalhos do Congresso, e não no modelo atual, com as sessões remotas.

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