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Vista da cúpula da Câmara dos Deputados no prédio do Congresso Nacional.
Vista da cúpula da Câmara dos Deputados no prédio do Congresso Nacional.| Foto: Gervasio Baptista/Agência Brasil

Durante a sessão em que os deputados votavam o segundo turno da reforma da Previdência, a página da Câmara na internet transmitia em vídeo os trabalhos dos parlamentares e disponibilizava uma enquete aos internautas. A população podia dizer sua opinião sobre a proposta, entre as opções "concordo totalmente", "concordo na maior parte", "estou indeciso", "discordo na maior parte", "discordo totalmente". As enquetes são apenas um dos vários instrumentos tanto da Câmara quanto do Senado para que os parlamentares ouçam a população. Mas a efetividade dessas ferramentas esbarra em dois grandes problemas: a falta de interesse de parlamentares e as piadas e brincadeiras de parte da população.

A Câmara oferece, além das enquetes, outros fóruns de interatividade como um "banco de ideias", um espaço para denúncias e a recém-criada plataforma Wikilegis (acesse aqui outros instrumentos de participação da Câmara).

Sob inspiração da enciclopédia eletrônica Wikipedia, a página Wikilegis permite ao usuário acessar projetos de lei apresentados pelos parlamentares e fazer comentários sobre trechos específicos das propostas. A ideia é que as observações sejam analisadas pelos próprios deputados.

Já o Senado mantém o portal e-Cidadania. O mecanismo permite que os usuários apresentem sugestões legislativas, opinem sobre projetos de lei em tramitação e participem de audiências na casa que são transmitidas via internet.

Na sabatina com o procurador Augusto Aras, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) à chefia do Ministério Público Federal (MPF), parte dos questionamentos respondidos foi elaborada por internautas.

Mecanismos existem, mas falta os parlamentares darem atenção

Mas, embora sejam tecnicamente bem-feitos e acessíveis, os mecanismos de participação popular da Câmara e do Senado têm esbarrado num problema: a pouca a atenção dada por deputados e senadores. Por consequência, acabam sendo pouco efetivos.

Tanto Câmara quanto Senado deixam a "segunda parte" da interatividade por conta dos próprios parlamentares: cabe a eles (e às suas assessorias) consultarem as manifestações dos cidadãos e darem encaminhamento aos projetos, se aprovarem as ideias. É nesse momento que os mecanismos se mostram menos efetivos.

Novatos celebram iniciativas; veteranos mostram ceticismo

O Wikilegis da Câmara destaca em sua página inicial duas proposições: uma sobre a valorização dos movimentos artísticos da periferia e outra sobre a proibição da distribuição e sorteio de animais como brindes. Em ambas as iniciativas, o protagonismo é de deputados de primeiro mandato: a proposta sobre cultura é de Igor Kannário (DEM-BA) e tem como relatora Áurea Carolina (PSOL-MG). Já na dos animais, o relator é Célio Studart (PV-CE).

O deputado do Ceará é entusiasta da ferramenta. "Há muito o que ser aproveitado ali. Temos um canal importantíssimo com os cidadãos, que vai além das redes sociais do deputado. É uma maneira inclusive de cidadãos interagirem com deputados de outros estados, e de cidadãos que não têm redes sociais deixarem suas contribuições", declarou.

O entusiasmo de Studart não encontra eco em parlamentares veteranos. Deputado em terceiro mandato, o líder do Republicanos, Jhonatan de Jesus (RR), avalia que os mecanismos de participação da Câmara "não ajudam em nada". "A Câmara mal dá conta de acompanhar as nossas atividades; que dirá as opiniões externas", disse.

Também em terceiro mandato, Weliton Prado (Pros-MG) reforça o ceticismo citando um exemplo prático. "Uma das propostas mais cobradas pelos internautas é o fim da assinatura básica da telefonia, que acaba fazendo com que muitas pessoas tenham que pagar por um telefone fixo que nem usam. Mas, mesmo com as inúmeras manifestações dos visitantes, isso nunca foi efetivamente discutido na Câmara; sequer foi criada uma comissão para discutir o tema. A população fez a parte dela em reivindicar, mas esse foi um exemplo de algo que não se concretizou", diz.

Apesar dos elogios às plataformas de interatividade, Studart reforça que a efetividade dos mecanismos só ocorre com o interesse próprio dos deputados. "A assessoria precisa estar atenta, isso tem que ser uma preocupação do deputado. Tivemos uma renovação muito grande e os parlamentares precisam estar atentos a esses interesses do Brasil. O cidadão que vai até o site da Câmara e deixa sua manifestação merece ter a opinião considerada", ressalta.

Dar o salário dos professores para o Neymar e outras sugestões inusitadas

Outro problema enfrentado pelos mecanismos de participação do Congresso são as piadas de parte das pessoas que busca interagir com os parlamentares.

Em junho de 2018, à época da Copa do Mundo da Rússia, uma ideia legislativa cadastrada no site do Senado viralizou entre os brasileiros. A proposta: "imposto sobre salário dos professores e transferir o valor para a conta do Neymar". Na "justificativa", o autor da sugestão dizia que, com o incentivo financeiro ao atleta, o Brasil conquistaria o hexa. A proposta foi depois excluída do e-Cidadania.

A brincadeira feita pelo internauta é apenas um exemplo de propostas inusitadas que estão na página. Uma, de um cidadão do Rio de Janeiro, sugere a criação de "crime de racismo para quem recriminar atacar e oprimir usuários de Cannabis sativa [maconha]".

Em outra, a sugestão é "criar projeto de lei em que os proprietários de carros modificados e com o esquema sonoro ampliados possam ter seu lugar de lazer, assim não criar atritos e problemas na sociedade".

As propostas registradas no e-Cidadania que receberem o apoio de 20 mil internautas, no prazo de quatro meses, são levadas a debate na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado. Os parlamentares têm também livre acesso para consultar a página e dar encaminhamento a alguma proposta que julgarem conveniente.

Proposições como a que sugere a transferência do salário dos professores para o jogador Neymar se enquadram no que a instituição define como "de assuntos diversos ao ambiente político, legislativo e de atuação do Senado Federal", sendo, portanto, desconsideradas. Também são descartadas propostas que tragam conteúdo pornográfico, racista ou de outros modos de violação aos direitos humanos.

O Senado mantém seis servidores e mais duas estagiárias e três menores aprendizes para gerenciar o e-Cidadania. Segundo a casa, são encaminhados a cada semana relatórios aos gabinetes dos senadores e às comissões sobre os resultados das enquetes.

Câmara tem comitê gestor

Na Câmara, um comitê gestor de relacionamento é o responsável por administrar as iniciativas de interação com os internautas. A entidade está em funcionamento desde 2013. No ano passado, atendeu a mais de 49 mil solicitações.

A assessoria da Câmara aponta um fluxo para as solicitações semelhante ao do Senado: os resultados das enquetes são enviados aos gabinetes dos parlamentares e também para os veículos de comunicação da Casa. Já os campos de interação direta com os deputados são de gestão exclusiva dos gabinetes.

A Câmara conta ainda com a Comissão de Legislação Participativa, que administra as propostas apresentadas pelos cidadãos.

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