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Pandemia de coronavírus também tem reflexos na segurança pública e pode mudar a incidência de alguns tipos de crime.
Pandemia de coronavírus também tem reflexos na segurança pública e pode mudar a incidência de alguns tipos de crime.| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Não é só a saúde pública e a economia que podem sentir os reflexos da pandemia de coronavírus que chegou ao Brasil em fevereiro. A segurança pública também é uma área que pode ser afetada pelas consequências da crise.

O isolamento social recomendado pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pode tanto aliviar algumas demandas dos setores de segurança, com a diminuição de alguns tipos de crimes que acontecem nas ruas, como aumentar a demanda por causa de crimes relacionados à violência doméstica, que já começaram a mostrar crescimento.

Além disso, a pandemia pode gerar consequências na manutenção da ordem pública e acarretar em uma possível diminuição do efetivo das forças de segurança, já que os policiais que estão atuando nas ruas correm o risco de se contaminar pela covid-19.

Ainda é cedo para dizer com precisão se a quarentena forçada pela pandemia pode contribuir para a diminuição dos índices de homicídios, crimes contra o patrimônio, entre outros. Mas já é possível identificar um aumento nos registros de violência doméstica e violação de direitos humanos nas primeiras semanas do isolamento social.

No Paraná, por exemplo, houve um aumento de 15% nos registros de violência doméstica atendidos pela Polícia Militar no primeiro fim de semana de isolamento. No Rio de Janeiro, a incidência foi ainda mais expressiva: os números cresceram em 50%. Já a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) anunciou aumento de 9% nas denúncias atendidas pelo Ligue 180.

Segundo a advogada associada ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Isabel Figueiredo, o aumento nos casos de violência doméstica — que incluem violência contra a mulher e contra crianças e adolescentes, por exemplo — preocupa.

“A gente está tendo um tipo de convivência que não é o tipo que a gente tem cotidianamente e, além de tudo, estamos em uma situação geral de estresse”, explica a advogada. “Além da convivência em um nível diferente, com tensões que vêm disso, a gente ainda tem esse cenário mais específico. Está todo mundo de alguma forma com os nervos à flor da pele, está um pouco mais tenso, mais ansioso”, complementa.

Para a associada do FBSP, é importante que os governos dos estados pensem em campanhas para prevenir esse tipo de situação e divulgação de canais de denúncia. “Antes de mais nada, talvez a gente pudesse imaginar campanhas no sentido de ter calma, mas também a criação de canais. A gente já tem alguns estados que estão fazendo cards com os telefones das delegacias, desde o Disque 100 até o 181, todos os disques que de alguma forma são importantes para esse tipo de situação”, sugere.

Isabel ressalta que o mais importante, no caso da violência doméstica, é pensar em prevenção. “A gente tem sempre que lembrar que por mais que a gente pense a estruturação, o reforço, o funcionamento do sistema de segurança, quando esse tipo de situação chega para o sistema de segurança é porque já deu ruim. O ideal é que a gente conseguisse pensar estratégias antes, no sentido de desenvolver estratégias de apoio nessa convivência diferente para que, de alguma forma, a gente evitasse que isso chegasse a uma situação de tensão e até de violência”, diz.

Crime contra o patrimônio pode diminuir — ou migrar

Na contramão dos crimes de violência doméstica, Isabel Figueiredo aposta na redução de alguns tipos de crimes contra o patrimônio, como roubo e furto de celulares e de veículos, por exemplo.

“A gente imagina que provavelmente alguns crimes contra o patrimônio vão reduzir, os que dizem respeito a essa questão das pessoas circulando, como roubo e furto de celular, roubo e furto de veículo, essas coisas que têm a ver com o agente estar circulando na cidade”, diz a advogada. “Mas existe uma chance de outros crimes contra o patrimônio aumentarem, como por exemplo o roubo de residências. Essa é uma coisa que a gente tem que estar atento, as forças de segurança estão um pouco mais atentas para essas dinâmicas que são mais distintas das dinâmicas cotidianas”, completa.

Mas ela ressalta que ainda é cedo para cravar que haverá algum tipo de redução. “A gente não tem no país como um todo ainda dados muito claros de como está a dinâmica da criminalidade em geral. Eu tenho conversado muito com profissionais de segurança pública de vários estados, os relatos não são uniformes. A gente tem estado em que há relato de um pouco mais de calmaria, estados com relato de que os crimes em geral continuam”, explica.

Preocupação não deve ser apenas com segurança, mas também com efetivo

Para Isabel, a preocupação dos impactos do coronavírus na segurança pública não deve levar em conta apenas os reflexos na criminalidade, mas também no efetivo das forças de segurança. Segundo a advogada, esse é o ponto mais importante da discussão.

“Os profissionais de segurança pública, que de alguma forma, pela natureza da atividade que eles exercem, são pessoas que estão nas ruas, estão segurando a onda e estão, muitas vezes, ficando doentes”, diz a associada do FBSP.

Segundo ela, é importante os governos estarem atentos para assegurar aos policiais os equipamentos de proteção individual. “A gente tem notícias de estados em que os profissionais ainda não estão com equipamentos de proteção, como máscaras, luvas e álcool gel nas viaturas. E a gente tem notícias que já estão saindo nos jornais de quantidade grande de profissionais que estão doentes ou suspeitos de estarem doentes”, chama a atenção a advogada. Ela ressalta que alguns estados estão buscando estratégias mais ágeis para compra desses equipamentos.

Segundo Isabel, os estados estão adotando estratégias diferentes em relação ao efetivo empregado nas ruas em tempos de isolamento social. “A gente, teve, por exemplo, estados que suspenderam férias e licenças e botaram todo o efetivo na rua. Mas teve estados que optaram por outra estratégia, de deixar quem está de férias de férias e quem está de licença de licença para ter um segundo efetivo se precisar acionar. Cada um tem uma análise específica de cenário”, conta.

Manutenção da segurança e da ordem pública durante a quarentena 

Outro ponto que deve ser analisado em relação aos reflexos do coronavírus na segurança pública é a necessidade de manutenção da ordem pública. “A polícia não lida só com questão criminal, mas principalmente a Polícia Militar também tem uma responsabilidade de manutenção de ordem pública”, explica Isabel.

Ela cita como exemplo o caso de Belém, em que a polícia precisou intervir no último fim de semana durante a realização de uma carreata. Onze pessoas foram presas por descumprir o decreto estadual que determina o isolamento social e um veículo foi apreendido.

Os participantes da carreata pediam a reabertura do comércio, contrariando as orientações do Ministério da Saúde e da OMS de buscar o isolamento como forma de não sobrecarregar os sistemas de saúde por causa do coronavírus.

“É um negacionismo que é super grave do ponto de vista da saúde, de risco para a ordem pública como um todo, e que também acaba desaguando na segurança pública de alguma forma”, diz a advogada.

“Se a gente não tiver a população de fato se conscientizando, o governo federal, principalmente, parando de agir desse jeito tresloucado que o presidente está agindo, de não ter uma clareza do comando, a gente vai chegar em uma situação em que vai ter a polícia eventualmente se envolvendo em conflitos lá na ponta. Além de toda questão de isolamento por conta da saúde, não incentivar esse tipo de atuação irresponsável também é importante para preservar os profissionais, para que eles possam estar com energia focada para o que importa”, diz Isabel.

Medidas do governo federal na área da segurança

Nesta terça-feira (31), o Ministério da Justiça e Segurança Pública autorizou o emprego da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) em apoio ao Ministério da Saúde por até 60 dias.

Entre as ações que poderão ser realizadas estão: reforço da segurança para garantia do funcionamento dos centros de saúde; da segurança e auxílio na distribuição e armazenamento de produtos e insumos médicos e farmacêuticos; garantia da segurança e auxílio na distribuição e armazenamento de gêneros alimentícios e no controle sanitário realizado em portos, aeroportos, rodovias e centros urbanos.

Além disso, a FNSP poderá ser empregada no patrulhamento ou guarda ostensivos com o objetivo de evitar saques e vandalismos e na aplicação de medidas coercitivas.

Há cerca de duas semanas, o ministro da Justiça, Sergio Moro, e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, assinaram uma portaria autorizando o uso da força policial contra suspeitos de contaminação que descumprirem o isolamento ou a quarentena pelo coronavírus.

Quem desobedecer as regras previstas nos decretos estaduais para evitar o avanço da doença pode, inclusive, ser penalizado criminal, civil e administrativamente.

Governador diz que se governo não agir, crime pode acabar se tornando opção

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), disse que é necessário que o governo tome medidas para garantir a alimentação das pessoas durante o período de crise do coronavírus. Do contrário, segundo o governador, pode haver desobediência civil e o crime pode ser uma opção para o trabalhador que não consegue trabalhar e não tem dinheiro para se alimentar.

Para Isabel Figueiredo, essa é uma avaliação simplista. “É muito difícil a gente carimbar que a migração é para o crime. Acho que isso é simplificar uma história que não é tão simples”, diz.

Mas a associada do FBSP ressalta que o governo federal precisa agir na área da assistência social para evitar problemas na segurança pública. “É muito fundamental que a gente reforce todas as medidas governamentais que têm que ser tomadas no sentido da assistência”, destaca.

Nesta semana, o Congresso Nacional aprovou o pagamento de um auxílio para trabalhadores informais que estejam impedidos de trabalhar por causa das restrições da quarentena. O valor varia entre R$ 600 e R$ 1.200 e deve ser distribuído pelo governo federal por até três meses, podendo ser prorrogado.

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