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Estudo mostra que as altas temperaturas médias brasileiras não diminuem a disseminação da Covid-19 no país.
Estudo mostra que as altas temperaturas médias brasileiras não diminuem a disseminação da Covid-19 no país.| Foto: Warley de Andrade/TV Brasil

No início da pandemia do novo coronavírus no Brasil o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o vírus poderia não se espalhar aqui com a mesma intensidade registrada na Europa e na China devido ao clima tropical do país. Porém, o avanço da Covid-19 em capitais com clima quente e alta umidade, como Manaus e Fortaleza, mostram que a teoria não se sustenta.

“No período de estudo selecionado [entre março e abril], observou-se inicialmente que a taxa de transmissão da Covid-19 no Brasil era favorecida por temperaturas médias mais altas (27,5 graus C) e umidade relativa intermediária (cerca de 80%)”, afirma estudo publicado na revista Science of The Total Environment.

O trabalho é assinado pelos pesquisadores André Auler, do Departamento de Solos e Engenharia Agrícola, e Vinício Oliveira, da Câmara de Saúde Coletiva do Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná (UFPR); e dos professores Fábio Cássaro e Luiz Pires, ambos do Departamento de Física da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

O levantamento avaliou cinco cidades com alta incidência da Covid-19 — Manaus, Fortaleza, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo — e mostrou que temperaturas e umidade altas não impediram a disseminação do vírus no Brasil.

Foram levados em consideração os seguintes fatores: temperatura, umidade do ar e quantidade de chuva. A conclusão é que as cidades com temperaturas perto de 27 graus C e umidade relativa do ar próximas a 79% tiveram as maiores taxas de transmissão.

Para Auler, um dos autores, o discurso sobre a temperatura deu uma falsa sensação de segurança. Os estudos feitos no mundo sobre o tema e revisados pelos pesquisadores realmente apontavam que o aumento de temperatura reduzia a disseminação do vírus. Porém, as condições em que esses trabalhos foram conduzidos não poderiam ser replicadas no Brasil, afirma.

“Nos outros estudos que faziam modelagem da influência do clima na doença, eles [os pesquisadores] pegaram uma faixa relativamente grande de temperatura, entre -30 graus C e 19 graus C. A temperatura média desses estudos ficou em torno de 3,1 graus C... Essa média tão baixa não ocorre no Brasil, por isso [a informação] foi mal interpretada”, destaca Auler. Daí a necessidade de mais análise levando em conta as especificidades do país.

A pesquisa conjunta de UFPR e UEPG colheu dados das cidades escolhidas entre 13 de março e 13 de abril. Foram considerados na comparação o número acumulado de casos, o aumento diário no número de infectados e a taxa de contaminação.

Influência da temperatura, umidade e chuva

Um dos desafios dos pesquisadores brasileiros foi tentar entender como a variação climática de um país com dimensões continentais como o Brasil poderia determinar o avanço das infecções. Durante o período pesquisado, São Paulo foi a cidade que apresentou maior número de casos e maior número diário de infecções.

Para os pesquisadores, o estado, assim como o Rio de Janeiro, deve ser analisado também pelo ponto de vista social — SP é o centro financeiro do país e Rio, o principal destino turístico.

A taxa de contaminação de Covid-19 no Brasil, inicialmente, foi favorecida por temperaturas médias mais altas e umidade relativa média intermediária. “No entanto, é importante mencionar que nosso estudo apresenta uma análise preliminar e algumas limitações. Um período de estudo mais longo pode representar melhor a relação entre as condições meteorológicas e a transmissibilidade do Covid-19”, afirmam os pesquisadores.

Limitações e objetivos

O estudo apresenta uma forma de entender como alguns fatores podem afetar a disseminação do vírus, para que as autoridades possam determinar as políticas públicas necessárias de contenção da doença. O professor ressalta que esse é o primeiro estudo sobre o tema feito no país para clima tropical.

O trabalho recebeu atenção internacional. Segundo Auler, pesquisadores da Índia entraram em contato para tentar aplicar a modelagem de dados em cidades com clima parecido com o do Brasil. Pesquisadores israelenses também se interessaram pelo método.

“Vamos continuar o estudo, mas temos uma limitação de mão de obra. Estamos mapeando outras variáveis que podem ser importantes, por exemplo, a taxa de isolamento social, a densidade demográfica e fatores determinantes da saúde, como saneamento básico. Manaus, entre as cinco cidades analisadas, é a que tem a menor taxa de saneamento básico. E já há relatos de que foi encontrado vírus ativo em resíduo de esgoto”, diz Auler.

Para ele, o problema de subnotificação é uma das maiores dificuldades para desenvolver pesquisas do gênero no país.

Influência da sazonalidade no avanço da Covid-19

Eduardo Macário, secretário substituto de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, falou sobre a influência da sazonalidade e a dinâmica de transmissão do coronavírus em coletiva no dia 21 de maio. Ocorrências sazonais são variações em intervalos regulares e específicos de tempo, normalmente menores que um ano. Como os meses em que se registram mais casos de gripe.

Foram registrados no país 514.849 casos confirmados de Covid-19 e 29.314 mortes causados pelo novo coronavírus no Brasil até o dia 31 de maio. O Sudeste é a região mais afetada pela doença, com 187.240 infectados e 13.834 óbitos. Os registros mais volumosos estão no estado de São Paulo, onde existem 109.698 casos e ocorreram 7.615 mortes. O Nordeste é a segunda mais afetada: são 179.401 casos e 8.866 mortes. Em seguida vem o Norte, que concentra 107.752 infectados e 5.690 óbitos.

“Quando falamos que as regiões Norte e Nordeste estão enfrentando esse momento [com mais casos] é porque historicamente existe essa sazonalidade, maior número de casos de doenças respiratórias, que está coincidindo com a circulação da Covid. Provavelmente nós teremos um comportamento similar aos anos anteriores quando estivermos falando do período sazonal para a região Sul, Sudeste e Centro-Oeste", afirmou Grace Madeline, diretora substituta do Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde.

Com relação ao impacto da sazonalidade, Auler acredita que os estudos sobre o tema devem ser intensificados. Ele cita o exemplo de Manaus e Fortaleza, que no período observado estavam com uma transmissão maior.

Sazonalidade no Sul, Sudeste e Centro-Oeste

No Ministério da Saúde o modelo utilizado é o que leva em conta a transmissão de doenças respiratórias, que seguem um padrão de sazonalidade histórico, afirmou Eduardo Macário. O secretário acredita que os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste “têm que cada vez mais se preparar, reforçando os seus serviços”, com exceção dos primeiros epicentros da doença, São Paulo e Rio de Janeiro, que já vivenciam um grande número de casos.

“Para todos os casos de doenças respiratórias, se observamos a série histórica de dez anos, as regiões Norte e Nordeste tiveram um momento [de mais transmissibilidade], em maior ou menor proporção, nos primeiros meses do ano. A partir de abril, começou essa mesma tendência de transmissão histórica de doenças respiratórias para os estados das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Não haverá uma migração do vírus. Historicamente, a gente já entende esse processo de transmissão e agora nós temos um adicional, que é um vírus novo”, disse o secretário no dia 29 de maio.

Dificuldades em achar o ponto da curva da Covid-19

Para a diretora Grace Madeline, a diferença sazonal entre as regiões é um dos complicadores para definir o pico do surto no país. "Você pode ter pico para cada região acompanhando a série histórica de ocorrência de doenças respiratórias”.

Eduardo Macário aponta que ainda não existem subsídios suficientes para identificar em que momento da curva o país está. “O que a gente começa a perceber é que alguns estados do Norte e Nordeste têm mostrado paulatinamente uma estabilização. Nos próximos dias vamos acompanhar o que está ocorrendo”, ressaltou.

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