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Site "Terça Livre", do blogueiro Allan dos Santos, que prestou depoimento à CPI das Fake News, é um dos beneficiados pelos anúncios públicos: Secom nega que governo patrocine sites ou blogs.
Site “Terça Livre”, do blogueiro Allan dos Santos, que prestou depoimento à CPI das Fake News, é um dos beneficiados pelos anúncios públicos: Secom nega que governo patrocine sites ou blogs.| Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Relatório produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Fake News mostra que o governo federal investiu dinheiro público para veicular 2 milhões de anúncios publicitários em canais que supostamente apresentam "conteúdo inadequado". A lista inclui páginas que foram classificadas por técnicos legislativos como produtoras de fake news, que promoveriam jogos de azar e até sites pornográficos. Canais que promovem o presidente Jair Bolsonaro também receberam publicidade oficial. A veiculação se deu por maio de um sistema de distribuição de anúncios do Google, que usa algoritmos para escolher os sites que irão receber a verba publicitária.

O documento, produzido por consultores legislativos, tem como base informações da própria Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) referente ao período de junho a julho do ano passado. Os dados foram obtidos via Lei de Acesso à Informação pela CPI e revelados pelo jornal "O Globo".

Segundo o relatório, a maior parte dos anúncios está relacionada à campanha do governo para promover a reforma da Previdência, aprovada no ano passado no Congresso. A verba da Secom foi distribuída por meio do programa Google Adsense, que paga um valor ao site a cada vez que um usuário clica na publicidade ou apenas visualiza.

Quem recebe a verba do governo é o Google. Os demais sites recebem da intermediadora e não do governo federal. No topo da lista dos que mais receberam para divulgar a publicidade oficial está o site "Resultados Jogo do Bicho", com 319.082 impressões — a quantidade de vezes que o anúncio foi exibido aos usuários do site. O jogo do bicho é proibido no Brasil e sua prática é considerada uma contravenção.

Dos 20 canais no YouTube que mais veicularam anúncios da Nova Previdência (nome da campanha governo), 14 são destinados ao público infanto-juvenil. Entre eles, até mesmo um que tem todo o seu conteúdo em russo. "Juntos, esses 14 canais infanto-juvenis concentraram 2.392.556 das 12.026.980 impressões da campanha da Nova Previdência veiculadas no YouTube entre 06 de junho e 13 de julho de 2019 (19,89% de todos os anúncios veiculados no YouTube nesse período)", diz trecho do relatório.

Ao todo, a CPI identificou que os mais de 2 milhões de anúncios foram exibidos em 843 canais diferentes. Destes, 741 eram no YouTube, mas foram removidos após a página de vídeos apontar irregularidades, como conteúdo inadequado ou que desrespeita direito autoral.

O relatório da CPI das Fake News aponta como um dos campeões de veiculação de anúncios oficiais, com 66.431 impressões, o "Sempre Questione". "O portal traz 'matérias' sobre múmias alienígenas escondidas em pirâmides do Egito, colisores de átomos que abrem portais para o inferno e baleias encontradas em fazendas a centenas de quilômetros do litoral", aponta o levantamento da comissão.

Há também publicidade em páginas de apoiadores e que promovem Bolsonaro. O relatório cita como exemplo o canal de YouTube "Bolsonaro TV" e os aplicativos para celular "Brazilian Trump", "Top Bolsonaro Wallpapers" e "Presidente Jair Bolsonaro".

A destinação de dinheiro público para este tipo de conteúdo pode gerar questionamentos legais ao governo com base no princípio constitucional da impessoalidade, pois, segundo a consultoria legislativa, "abre a possibilidade de se interpretar tal fato como utilização da publicidade oficial para promoção pessoal, conduta vedada pela Carta Magna".

O site "Terça Livre", do blogueiro Allan dos Santos, aparece na lista dos que receberam dinheiro por meio de anúncios da Nova Previdência. Santos é um dos alvos do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal e teve documentos e equipamentos apreendidos na semana passada pela Polícia Federal. Ele nega irregularidades no conteúdo que propaga.

Governo anunciou reforma da Previdência até em canal de deputado do PT, segundo a CPI

O relatório da CPI das Fake News mostrou que até mesmo um canal do YouTube do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) recebeu verba pública. Segundo o documento, a publicidade veiculada foi da campanha em defesa da reforma Previdência. O parlamentar militou contra a mudança nas regras de aposentadoria, aprovada no ano passado no Congresso.

"Deve ser uma mistura de falta da controle com provocação. Pois um canal que publicamente trabalhou contra a reforma da Previdência ter um post de um vídeo de defesa da posição do governo é no mínimo estranho", disse Pimenta. O parlamentar era líder da bancada do PT na Câmara na época em que os anúncios oficiais foram exibidos em seu canal.

Segundo o documento da CPI, um vídeo de 10 segundos com a campanha da Nova Previdência foi exibido 26.778 vezes em seu canal. O parlamentar não soube informar quanto esses anúncios reverteram em dinheiro.

Entre os vídeos publicados na conta do parlamentar estão alguns que levam títulos como "A Reforma da Previdência é uma mentira!" "A Reforma da Previdência ataca os mais pobres" e "Nova Previdência ou Fim da Previdência?". A publicação que fez mais sucesso, com 46 mil visualizações, é um em que o deputado afirma haver compra de votos no Congresso para a aprovação da proposta do governo.

A consultoria legislativa que analisou os dados de publicidade oficial também identificou anúncios em canais de YouTube de outros parlamentares, mas mais alinhados ao governo. Na lista constam os deputados Marco Feliciano (Republicanos-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e até do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. Todos eles, no entanto, com números bem mais baixos de impressões.

Secom afirma que não patrocina sites ou blogs

A Secom informou que não patrocina qualquer site ou blog e os anúncios citados no relatório da CPI das Fake News são veiculados por critérios técnicos adotados pelo Google Adsense. Na ferramenta da empresa de internet, no entanto, é possível adicionar filtros que bloqueiam a veiculação em determinados sites.

Leia abaixo a íntegra da nota da Secom, que faz referência à reportagem do jornal O Globo por este ter sido o primeiro a noticiar o relatório:

"A Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República repudia matéria tendenciosa de O Globo intitulada CPMI das Fake News identifica 2 milhões de anúncios da Secom em canais de 'conteúdo inadequado' em só 38 dias. O dever do bom jornalismo é levar esclarecimento às pessoas, mostrar e explicar fatos e dados, e não somente repetir narrativas que promovem a desinformação. 

Na semana passada, a Secom já havia informado ao O Globo que não patrocina qualquer site ou blog. Foi explicado também que as verbas publicitárias são direcionadas pelo Google Adsense, que utiliza inteligência artificial e critérios próprios para distribuição de anúncios. Ou seja, cabe à plataforma as explicações pertinentes sobre a ocorrência. Os veículos que constam na lista citada pela matéria foram selecionados pelo desempenho aferido pelo algoritmo do Google, e não pela Secom. 

Cabe citar que o próprio jornal Folha de S. Paulo já teve seus anúncios veiculados em sites considerados impróprios porque a distribuição do investimento publicitário foi realizada pelo Adsense do Google de forma automática.  Entretanto, sua ombudsman considerou que o jornal foi sabotado por algoritmos. Ou seja, dois pesos e duas medidas. A Secom pública anúncios em sites de fake news. A Folha é sabotada.

Mais uma vez, a Secom informa que o processo de escolha de veículos conduzido pelas agências de publicidade prestadoras de serviço, contam diretamente com a assessoria técnica do Google para apoiar os critérios da ferramenta.

Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República"

O posicionamento do Google

Em nota, o Google disse ter políticas contra conteúdos enganosos e que trabalha para destacar fontes confiáveis.

"Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas", afirma o texto.

"Entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando eles não violam nossas políticas, e nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos", prossegue o Google.

Leia a seguir a íntegra da nota do Google:

“O Google tem ajudado parceiros do setor privado e do setor público a usar a publicidade digital para levar suas mensagens a milhões de brasileiros de modo eficiente, com escala e alcance.

Temos políticas contra conteúdo enganoso em nossas plataformas e trabalhamos para destacar conteúdo de fontes confiáveis. Agimos rapidamente quando identificamos ou recebemos denúncia de que um site ou vídeo viola nossas políticas.

Entendemos que os anunciantes podem não desejar seus anúncios atrelados a determinados conteúdos, mesmo quando eles não violam nossas políticas, e nossas plataformas oferecem controles robustos que permitem o bloqueio de categorias de assuntos e sites específicos, além de gerarem relatórios em tempo real sobre onde os anúncios foram exibidos.

Cientes do dinamismo do ecossistema digital, também trabalhamos no aperfeiçoamento de nossas plataformas para oferecer os melhores resultados possíveis para nossos parceiros. Preservar a confiança no ambiente de publicidade digital é uma prioridade.

Agimos diariamente para minimizar conteúdos que violam nossas políticas e impedir a ação de pessoas mal-intencionadas em nossa rede. Somente em 2019, conforme nosso mais recente relatório de transparência, encerramos mais de 1,2 milhão de contas de publishers e retiramos anúncios de mais de 21 milhões de páginas, que faziam parte de nossa rede, por violação de políticas."

Atualização

O texto foi atualizado para incluir o posicionamento do Google.

Atualizado em 04/06/2020 às 12:25
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