A CPI da Covid do Senado registrou menções à acusação de que o presidente Jair Bolsonaro teria cometido "genocídio da população indígena" por causa de equívocos no combate à pandemia. Isso apareceu em falas de parlamentares oposicionistas e nas de alguns dos depoentes que foram à comissão. A CPI pediu documentos sobre o assunto, fez requerimentos de informações ao governo federal e chegou a aprovar a convocação de integrantes do Ministério da Saúde para falar sobre o assunto, mas não os trouxe para depoimento. Perto do fim dos trabalhos da CPI, a cúpula da comissão ainda discute se Bolsonaro será ou não enquadrado pelo suposto "genocídio de indígenas" no relatório final do colegiado.
O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), quer indiciar Bolsonaro por causa da questão indígena – ainda que a CPI não tenha se aprofundado no assunto. Mas, segundo reportagem da Folha de S. Paulo, o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), e o senador Eduardo Braga (MDB-AM) seriam contrários. Para eles, o indiciamento só faria sentido se a comissão pudesse comprovar que Bolsonaro agiu com intenção de vitimar os indígenas – o que não a CPI não conseguiu fazer. E a definição de genocídio implica a ação deliberada para exterminar, de forma parcial ou total, de um determinado grupo étnico.
Mas, afinal, o que existe de concreto sobre a mortalidade da população indígena por Covid-19 no Brasil?
Dados de 13 de outubro divulgados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) informam que foram confirmados 59.894 casos de Covid-19 entre indígenas, com 1.213 mortes. No total, 163 povos indígenas foram atingidos pela doença.
A ideia de que existe um "genocídio da população indígena" como resultado de falhas no combate à pandemia de coronavírus tem como um dos fundamentos o registro de taxas de infecção e mortalidade entre a população indígena por Covid-19, que seria superior às identificadas no restante dos brasileiros. Em seu depoimento à CPI no dia 24 de junho, o epidemiologista Pedro Hallal citou estudo segundo o qual 7,8% dos indígenas haviam se infectado com o coronavírus à época. Entre os brancos, segundo ele, a taxa de infecção era de 1,7% da população.
Já um parecer assinado por juristas, que está de posse de Renan Calheiros e que teve trechos divulgados pela revista IstoÉ, cita que o índice de mortalidade por Covid-19 entre os indígenas é 150% maior do que a vista na população restante.
Tratamento precoce e vacinação de indígenas são alvo de críticas
O atendimento à população indígena durante a pandemia resvala também em questões ligadas ao chamado tratamento precoce. Documentos do Ministério da Saúde revelaram que a pasta distribuiu a grupos indígenas, desde o início da pandemia, mais de 100 mil comprimidos de cloroquina.
Em depoimento à CPI, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello disse que a substância foi distribuída por causa de sua eficácia contra a malária – doença para o qual originalmente o medicamento é usado.
Mas o líder indígena Dário Kopenawa Yanomami afirmou ao jornal O Globo que o repasse dos comprimidos foi feito sem o consentimento dos moradores de aldeias. Ele disse ainda que as lideranças tiveram que alertar a população para utilizar a cloroquina apenas nos casos de malária.
Mas maior parte das críticas às políticas federais para combater a pandemia em comunidades indígenas se dá em torno da vacinação. Isso levou o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), a homologar em março um plano nacional específico para a vacinação dos indígenas. Na ocasião, Barroso disse que existia uma "profunda desarticulação" das instâncias governamentais brasileiras em torno do assunto e que a postura do governo Bolsonaro dificultava o monitoramento das políticas públicas para o setor.
Outro assunto ligado à população indígena, e que dificulta a vacinação, é a propagação de notícias falsas. Fake news sobre efeitos adversos dos imunizantes inibiram grupos indígenas a procurarem as vacinas. O secretário de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, Robson dos Santos Silva, admitiu que isso ocorreu.
Como o governo rebate a acusação do genocídio de indígenas
Robson dos Santos Silva afirma que as políticas federais de enfrentamento da Covid-19 na população indígena foram um sucesso. “O Brasil se destaca no contexto mundial por possuir um subsistema diretamente ligado e destinado aos indígenas. São 6 mil aldeias. Esses indígenas tiveram um cuidado especial desde o início da pandemia. Sem a participação dos indígenas, não teríamos o sucesso que tivemos. Contamos também com a medicina tradicional. Nesse contexto, o sucesso da imunização foi grande”, disse o secretário de Saúde Indígena em junho.
À época, ele e outros integrantes do governo celebravam o fato de 82% dos indígenas já terem recebido ao menos a primeira dose de algum imunizante. Atualmente, o patamar está em 88%, com números ainda mais positivos em algumas localidades específicas. No Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Minas Gerais e Espírito Santo, que contempla parte do território dos dois estados, a taxa de imunização com primeira dose ou dose única da vacina é de 100%. No de Pernambuco, é de 99%. E no Distrito Litoral Sul, que inclui regiões de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro, é de 98%.
Apoiadores do governo Bolsonaro contestam também os números apresentados pelos defensores da tese do "genocídio da população indígena". Durante a sessão da CPI com o epidemiologista Pedro Hallal, o senador Marcos Rogério (DEM-RO) discordou da metodologia apresentada pelo pesquisador.
Hallal explicou que apresentou seus números a partir de um levantamento de indígenas que moram em áreas urbanas. Além disso, ele afirmou que, para a identificação desse grupo étnico, valia o critério da autodeterminação. Ou seja, a raça de uma pessoa é apontada unicamente por ela própria.
Para o senador Marcos Rogério, isso indicaria que os estudos foram feitos sem que os pesquisadores conhecessem, de fato, a realidade dos indígenas. "Eu acho que eu não vou nem fazer mais pergunta sobre pesquisa e sobre índio, porque, respeitosamente, você não pesquisou sobre índio, sobre comunidade indígena. Não visitou nenhuma aldeia, não conhece, pelo jeito – pelo menos é o que está demonstrado aqui –, como funciona dentro de uma aldeia indígena", afirmou o parlamentar.
Além da autodeterminação, o questionamento de Marcos Rogério evocou outro ponto de divergência, que é a questão dos indígenas urbanizados. Para alguns grupos, os indígenas que vivem em centros urbanos não podem ser, em termos estatísticos, equiparados aos que moram em aldeias. O secretário de Saúde Indígena, Robson dos Santos Silva, mencionou isso durante uma audiência em que participou na Câmara, em maio. Segundo ele, a responsabilidade pela vacinação aos indígenas urbanizados não é do Ministério da Saúde, e sim das prefeituras e governos estaduais, como ocorre com o restante da população.
Bolsonaro foi denunciado por genocídio de indígenas no Tribunal de Haia
O presidente Jair Bolsonaro foi denunciado no Tribunal Penal Internacional de Haia (Holanda) pelo suposto genocídio de indígenas durante a pandemia de Covid-19. A ação foi proposta em julho pela rede sindical brasileira Unisaúde, com apoio de entidades internacionais.
Ex-desembargador afirma que Brasil pode “se transformar num narcoestado”
Contra “sentença” de precariedade, estados do Sul buscam protagonismo em negociação sobre ferrovia
Câmara de São Paulo aprova privatização da Sabesp com apoio da base aliada de Nunes
Lula afaga o MST e agro reage no Congresso; ouça o podcast
Deixe sua opinião