O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) encerrou o primeiro ano do terceiro mandato com uma série de votações favoráveis ao seu governo no Congresso Nacional. De acordo com o último levantamento do instituto Polling Data, o chefe do Executivo terminará dezembro com 78% de governabilidade e 90% de fidelidade partidária da base governista. Entretanto, as inúmeras concessões políticas e os mais de R$ 30 bilhões distribuídos em emendas parlamentares neste ano - 79% superior ao empenhado durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) - mostraram que o custo político e financeiro para avançar projetos de interesse do governo no Legislativo se mostrou demasiadamente caro em 2023 e pode ser ainda mais alto em 2024.
“O custo da governabilidade dos presidentes brasileiros tem aumentado progressivamente nos últimos 10, 15 anos como consequência da hiper fragmentação partidária e o estabelecimento de uma dinâmica segundo a qual a moeda de barganha do presidente da República, que são as emendas, perdeu um pouco do grande poder que tinha”, explica o cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Para ele, a não votação de determinadas pautas de interesse do governo neste ano, como o PL das Fake News, mostra que há fragilidade do Executivo perante os congressistas.
Os percentuais de governabilidade alcançados por Lula são semelhantes aos registrados no primeiro ano de mandato de sua primeira eleição, em 2003. Na época, o petista havia terminado o ano com uma governabilidade de 82%, tendo arrematado a fidelidade de 95% da base do governo. A diferença, por outro lado, é que naquele ano a oposição tinha apenas 39% de sua base unida. Passados 20 anos, Lula se depara com uma oposição organizada e com 83% de fidelidade partidária.
Para chegar nos valores citados, o Polling Data analisa o desempenho do governo e da oposição em matérias importantes para o Congresso. São considerados projetos de lei (PL), medidas provisórias (MPV), projetos de lei complementar (PLP) e propostas de emenda à Constituição (PEC).
No caso de Lula, o ponto alto de sua governabilidade foi observado em maio, quando a Câmara aprovou pela primeira vez o projeto do novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023). Na ocasião, a governabilidade do petista bateu os 82%, tendo a proposta recebido 367 votos dos 470 presentes. No mesmo dia em que a proposta foi aprovada, em 24 de maio, o Lula liberou R$ 1,1 bilhão em emendas parlamentares.
Já em junho, o governo viu esse percentual cair de forma abrupta para 73% quando o Congresso aprovou o PL 409/2007, que transfere a competência da demarcação de terras do Executivo para o Legislativo. Apesar da orientação contrária, o governo conseguiu apenas 155 votos dos 439 presentes. Outro fator que pesou para o governo foi a rejeição do requerimento de retirada de pauta apresentado pelo deputado Zeca Dirceu (PT-PR). O pedido recebeu 257 votos contrários e 123 favoráveis.
A governabilidade do "Lula 3" voltou a subir no final de agosto, momento em que o petista deu prosseguimento a uma minirreforma ministerial para acomodar partidos do Centrão, como PP e Republicanos. Para que a Reforma Tributária e outras pautas econômicas aprovadas agora em dezembro tivessem êxito, Lula empossou os deputados André Fufuca (PP-MA) e Silvio Costa Filho (Republicanos-PE) como ministros de Esporte e de Portos e Aeroportos, respectivamente.
Dados apurados pela reportagem no site Placar do Congresso mostram o quanto a fidelidade desses partidos representa para o governo. Das 108 votações na Câmara dos Deputados, o PP – partido comandado por Ciro Nogueira que em 2022 apoiou a candidatura de Bolsonaro –, totalizou 4.371 votos dos 53 deputados federais, sendo 2.829 (65%) pró-governo e 1.491 (34%) pró-oposição. Já o Republicanos, que também compôs o apoio à reeleição de Bolsonaro e tem o governador de São Paulo Tarcisio de Freitas seu expoente, somou 3.805 votos, sendo 2.575 (68%) para o governo e 1.216 (32%) para a oposição.
Em 2024, Lula estará mais dependente de Lira
Ao defender as emendas parlamentares, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), deu recado duro ao governo: afirmou que o governo tem seus próprios programas e políticas de investimentos, mas que não manda no Orçamento.
“O relator veio até a minha casa [residência oficial] e disse que o governo ‘não mandou na peça orçamentária as emendas do Congresso Nacional’. Nós pedimos ao governo que fizesse os cortes, já que esqueceu ou por acaso não mandou as emendas acertadas com o Congresso, que são as emendas de comissão, que o governo apontasse onde seria cortado, onde o governo achava que estava super inflado”, disse em entrevista à GloboNews.
A declaração ocorreu após a Comissão Mista do Orçamento (CMO) propor, na quinta-feira (21), a alteração nas emendas, de R$ 48 bilhões para R$ 53 bilhões. O montante será pago com corte nos investimentos previstos para o Novo PAC no ano que vem. Além disso, o Congresso aprovou um calendário para o empenho das emendas parlamentares impositivas, ou seja, de pagamento obrigatório, como as emendas de bancada e as individuais.
Com isso, o governo perderá margem de manobra nas negociações com o Legislativo e será obrigado a direcionar recursos para políticas locais dos deputados em vez de propostas de nível federal. Por outro lado, a pressão dos congressistas em cima do Executivo pode não arrefecer, já que o governo ainda detém ministérios, empresas públicas e órgãos ligados à União.
“A convergência entre governo e Congresso custou muitíssimo caro. Isso mostra que o governo não está fortalecido, mas vive uma situação precária. Nenhuma pauta importante de costumes, nenhuma pauta ideológica da esquerda foi sequer votada. Houve até casos de pautas que foram retiradas, que não foram à frente para evitar uma derrota acachapante”, disse.
Pressão do Legislativo em Lula por cargos deverá aumentar
No dia 15 de dezembro, Lula deu a entender que poderia criar mais ministérios. Na ocasião, o petista disse que o governo “tem pouco ministro”, mesmo tendo uma Esplanada com 38 ministérios, um recorde entre os presidentes e igual ao de Dilma Rousseff (PT) quando foi impedida de continuar no cargo em 2016.
Na avaliação de especialistas, a retirada das emendas das negociações entre Congresso e Planalto deverá colocar os cargos nos ministérios e órgãos de volta aos holofotes dos parlamentares. No entanto, a concessão desses cargos pode não ser suficiente para a governabilidade de Lula em 2024.
“Penso que a capacidade do governo de abrir mais ministérios está chegando em seu limite. O Estado brasileiro está bastante endividado e, por mais que aumente a arrecadação, em algum momento isso vai afetar o desempenho da economia - se é que já não está afetando", explica o cientista político Adriano Cerqueira, docente no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).
"Outro ponto importante é que cargos, apenas, não garantem que os assuntos de interesse do governo venham a ser aprovados. Em toda votação é exigido algo mais. A entrega de cargos e ministérios é mais no sentido de evitar que uma maioria antigoverno de fato se instaure e comece a trabalhar”, prossegue Cerqueira.
Enfraquecimento do Executivo pode turbinar proposta de semipresidencialismo
Com o poder do orçamento na mão do Congresso e a limitação das negociações do Executivo, a pauta do semipresidencialismo pode ganhar força nos próximos anos. O tema é defendido por Lira, que sugere que esse modelo, no qual o presidente divide o poder com um primeiro-ministro eleito pelo Congresso, possa ser introduzido em 2030 ou 2034.
Em março deste ano, durante um evento na Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Lira declarou que o semipresidencialismo permite uma melhor divisão de responsabilidades entre Congresso e presidente da República na condução do governo e, por isso, desarmaria a instabilidade política do país de uma vez por todas. “A Constituição já é parlamentarista. Não é razoável que não procuremos modelo mais adequado”, afirmou o presidente da Câmara.
Cerqueira explica que o semipresidencialismo, como ocorre na França, pode gerar distorções no sistema político que devem ser observados com cautela.
“A diferença do presidencialismo para o semipresidencialismo é que o chefe de Estado indica o primeiro-ministro, que será chefe de governo. Ocorre que, como na França, você tem uma situação de coabitação na qual a oposição ao atual presidente consegue a maioria na Assembleia Nacional Francesa. Por conta disso, o presidente é compelido, em nome de uma governabilidade, a indicar alguém da oposição para ser o primeiro-ministro. Por outro lado, o presidente tem poder para tirar o primeiro-ministro e convocar novas eleições”, explicou o professor.
E acrescentou: "No caso do Brasil e da situação envolvendo o Arthur Lira, podemos imaginar o cenário em que ele se torne o responsável pela condução do governo e o Lula como chefe de Estado representando o Brasil, mas com poderes para ingerir na política interna”.
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