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Rogério Marinho, então secretário da Previdência, e Paulo Guedes: braço direito virou desafeto.
Rogério Marinho, então secretário da Previdência, e Paulo Guedes: braço direito virou desafeto.| Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, passou em poucos meses de braço direito a desafeto do ministro da Economia, Paulo Guedes. Os dois entraram em atrito desde que veio à tona a intenção de Marinho de liderar um programa de retomada da economia baseado, entre outras coisas, em obras públicas de infraestrutura, habitação e saneamento. É o chamado plano Pró-Brasil.

Os dois teriam discutido por causa do programa na presença de outros ministros e do presidente Jair Bolsonaro em reunião de 22 de abril. A briga - que transmitiria a impressão de desunião no governo - é apontada como uma das razões da reticência do governo em divulgar áudio e vídeo do encontro. Tal publicação foi ordenada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Melo depois que o ex-ministro da Justiça Sergio Moro indicou que uma cobrança de Bolsonaro na ocasião seria indício de que o presidente tentou interferir politicamente na Polícia Federal.

Guedes se sentiu traído por Marinho, segundo relatou à Gazeta do Povo um interlocutor do ministro da Economia. Marinho foi secretário especial de Previdência e Trabalho de Guedes em 2019, liderou a reforma da Previdência, conhece a agenda econômica liberal do governo e sabe que há pouco (ou nenhum) espaço fiscal para aumento do investimento público em obras.

Ainda assim, Marinho teria defendido junto ao Planalto que o plano Pró-Brasil tivesse um braço de investimento em obras públicas, principalmente de habitação e saneamento, duas áreas que estão sob o guarda-chuva da pasta do Desenvolvimento Regional.

O ministério de Marinho mapeou, segundo apurou a Gazeta do Povo, 11,4 mil obras inacabadas e 9,4 mil novas obras que poderiam ser tocadas neste e nos próximos anos para destravar a economia. Nessa lista, estaria também a remodelagem do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), uma demanda antiga do presidente Jair Bolsonaro. Os projetos custariam R$ 184,4 bilhões aos cofres públicos.

Segundo relatou um interlocutor do ministro Paulo Guedes, Marinho defendeu que o governo flexibilizasse a regra do teto de gastos para permitir os investimentos, se assim fosse necessário. A regra limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.

Marinho seria favorável a tirar os investimentos em obras públicas do teto, permitindo que eles subissem acima da inflação. Guedes e a equipe econômica são contra, pois consideram o teto de gastos a âncora macrofiscal do governo e, ao tirar os investimentos do teto, as outras despesas ficariam ainda mais comprometidas.

Para Guedes, Marinho tem intenções eleitorais

Para Guedes, Marinho quer se promover eleitoralmente, por isso estaria tentando emplacar no governo um plano de obras públicas. Guedes acredita que Marinho vai sair candidato a governador do Rio Grande do Norte em 2022. Marinho é ex-deputado federal pelo Rio Grande do Norte e é filiado ao PSDB. O Ministério de Desenvolvimento Regional tem forte atuação no Nordeste.

O ministro da Economia é totalmente contra aproveitar a crise causada pela pandemia do coronavírus para promover o que ele chama de “farra eleitoral”.

Guedes defende que o aumento de gasto fique concentrado neste ano, em medidas emergenciais para salvar vidas e para preservar empregos e renda dos brasileiros. A equipe econômica é a favor da retomada da agenda de ajuste fiscal, reformas e redução do tamanho do Estado na economia no pós-pandemia, deixando a cargo do setor privado puxar os investimentos.

Guedes passou a mandar indiretas públicas para Marinho

A crise entre Guedes e Marinho ficou tão feia que saiu, inclusive, dos bastidores. O ministro da Economia mandou indiretas públicas para Marinho em duas ocasiões, segundo confirmou uma fonte do Ministério da Economia à Gazeta do Povo.

A primeira foi na coletiva de imprensa para esclarecer que o plano Pró-Brasil só sairá do papel com o aval do Ministério da Economia e do presidente Bolsonaro. Guedes fez questão de deixar claro que não há divergências com os ministros Braga Netto (Casa Civil) e Tarcísio Freitas (Infraestrutura), outros dois idealizadores do pró-Brasil, que envolve também um braço de concessões de infraestrutura, agenda defendida por Tarcísio.

Por outro lado, Guedes comparou "ministros" que querem se aproveitar de uma crise de saúde para aumentar "gasto público com fins eleitorais" com "batedores de carteira". Ele não citou diretamente Marinho, apesar de a mensagem ter sido endereçada ao ministro do Desenvolvimento Regional, segundo confirmou uma fonte.

“A crise é da saúde. Não pode alguém achar que no momento em que nós fomos baleados, caímos no chão, tá uma confusão danada, tem que ajudar a saúde, alguém vem correndo, bate a nossa carteira e saí correndo. Isso não vai acontecer", avisou. "Apertar o botão de gastança e sair procurando farra eleitoral é simples. Volte e meia tem alguém que pensa isso. E o que nós temos que fazer é bater em quem pensa nisso. Bater no bom sentido. Bater internamente. Brigas internas. Nós conosco, dizendo 'olha, por aqui não'", completou.

E continuou com as cutucadas. "Nós vamos seguir o nosso programa econômico de transformação do Estado brasileiro. Apenas alguns ministérios, num momento como esse, 'tão' vislumbrando novos espaços de ação, que tem que caber dentro do nosso Orçamento. Nós temos o compromisso da responsabilidade fiscal. Tivemos uma licença para gastar este ano, mas seria muito oportunismo político, seria muita irresponsabilidade fiscal, seria imperdoável para a população brasileira se aproveitar de uma crise na saúde para transformar seja numa farra eleitoral, seja num protagonismo excessivo do ministro aqui ou ministro ali para se engrandecer.”

Em audiência pública promovida pela Comissão Mista do Congresso Nacional destinada a acompanhar a situação fiscal e a execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas ao coronavírus (Covid-19), Guedes voltou a falar em oportunismo político de alguns ministros.

“Nós temos que ter esse senso de responsabilidade em vez de hipotecarmos as futuras gerações com uma irresponsabilidade justamente num momento dramático. O Brasil é abatido por uma crise de saúde, e isso não pode virar um oportunismo político, uma farra eleitoral. Nós temos de ter senso de responsabilidade”, disse Guedes na audiência.

Marinho era braço-direito de Guedes

Antes de entrarem em atrito, Marinho foi braço-direito de Guedes. O ex-deputado federal, que mostrou habilidade política ao liderar a reforma trabalhista no governo de Michel Temer, foi escolhido por Guedes para ser secretário especial de Previdência e Trabalho e para conduzir a reforma da Previdência do governo Bolsonaro. A proposta foi aprovada pelo Congresso após oito meses de tramitação e negociações, gerando uma economia de R$ 800 bilhões aos cofres públicos ao longo de dez anos.

Marinho deixou de ser secretário de Guedes em fevereiro deste ano, quando foi promovido pelo presidente Bolsonaro a ministro do Desenvolvimento Regional.

Outro lado

A Gazeta do Povo procurou o ministro Rogério Marinho para responder às críticas de Guedes, mas não teve retorno.

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