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Procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo/Arquivo

O ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato Deltan Dallagnol deu indicativos de que vai entrar para a política assim como o ex-juiz Sergio Moro (Podemos). Deltan, ao anunciar no dia 4 que havia deixado a carreira no Ministério Público Federal, divulgou um vídeo em suas redes sociais em que fala sobre continuar o combate à corrupção fora do MPF. Dirigentes do Podemos afirmaram à imprensa que esperam que Deltan se filie ao partido para disputar uma vaga na Câmara de Deputados. Mas essa possível candidatura, se for concretizada, corre o risco de ser questionada judicialmente para que Deltan seja declarado inelegível e não possa concorrer nas eleições de 2022.

Logo após a saída de Deltan do Ministério Público, foi levantada a possibilidade de que o ex-procurador seria inelegível pela Lei da Ficha Limpa porque estaria com processos administrativos disciplinares pendentes no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

A Lei de Inelegibilidade estabelece que “magistrados e membros do Ministério Público (…) que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar” estarão inelegíveis pelo prazo de oito anos.

O advogado de Deltan Dallagnol, Alexandre Vitorino, afirma que, no dia em que ele foi exonerado do MPF, não havia nenhum processo administrativo disciplinar (PAD) contra o agora ex-procurador no CNMP. O próprio CNMP informou à Gazeta do Povo que “não havia processo administrativo disciplinar pendente de julgamento” contra Deltan.

O Conselho, porém, informou que havia contra ele 14 reclamações disciplinares, um pedido de providências e uma sindicância. De acordo com o regimento interno do CNMP, a “reclamação disciplinar é o procedimento investigativo de notícia de falta disciplinar atribuída a membro ou servidor do Ministério Público” e pode ser proposta por qualquer interessado. O PAD, por sua vez, precisa ser instaurado pelo Conselho, a fim de apurar a responsabilidade do servidor do Ministério Público por infração disciplinar.

Durante sua carreira no Ministério Público, Deltan Dallagnol foi alvo de vários processos administrativos, tendo recebido punições em dois deles. Quando deixou o cargo de procurador, estava contestando duas decisões do CNMP no Supremo Tribunal Federal (STF): uma censura, que recebeu por causa de postagens em redes sociais nas quais se posicionou contra a eleição do senador Renan Calheiros (MDB) à presidência do Senado em 2019; e uma advertência, por ter criticado três ministros do STF em entrevista à rádio CBN.

O caso de Deltan envolvendo Renan Calheiros já teve decisão da segunda turma do STF, que manteve a censura contra o ex-coordenador da Lava Jato. O recurso envolvendo a entrevista tem apenas uma liminar do ministro Luiz Fux que não permite que o CNMP considere a punição de advertência no caso de outros PADs contra Deltan até que se julgue o mérito da contestação dele.

Como não há decisão sobre esse último recurso, alguns juristas entendem que o PAD referente à entrevista ainda estaria em aberto – o que permitiria uma interpretação da lei para declarar a inelegibilidade de Deltan. O próprio CNMP informou que as decisões do Conselho, em caso de recurso, ficam suspensas aguardando decisão final.

"Houve uma paralisação do processo [PAD] em decisão judicial”, diz o procurador do estado de Pernambuco e advogado Walber de Moura Agra.

Contudo, a defesa de Deltan reafirma que todos os processos no CNMP já foram encerrados. Segundo o advogado Alexandre Vitorino, a lei busca impedir que o servidor saia do cargo enquanto está respondendo a um processo pelo qual poderia ser punido com demissão – o que não é o caso do ex-procurador. “Somente a exoneração durante a tramitação de PAD gera inelegibilidade”, afirma.

Alberto Luis Rollo, advogado especialista em direito eleitoral, salienta que, de qualquer modo, a inelegibilidade de uma pessoa não pode ser antecipada. “Caso haja uma ação de impugnação do registro de candidatura no ano que vem, quem vai decidir isso é a Justiça Eleitoral”, afirma ele.

Deltan também está na mira do TCU

O processo administrativo no CNMP não é o único possível motivo para questionar uma eventual candidatura de Deltan. Na semana passada, o ex-procurador foi citado em uma decisão do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), que considerou irregular o pagamento de R$ 2,5 milhões em passagens aéreas e diárias a procuradores da extinta força-tarefa da Lava Jato, entre 2014 e 2021.

O ministro do TCU concluiu que haveria opções mais econômicas, como a transferência de procuradores para Curitiba, e também afirmou que os procuradores descobriram “uma possibilidade de aumentar seus ganhos privados e favorecer agentes amigos, no âmbito da atividade funcional de combate à corrupção, admitindo-se como práticas naturais o patrimonialismo, a personalização e a pessoalidade das relações administrativas”.

Deltan Dallagnol não está entre os cinco procuradores que teriam recebido o auxílio – e que, após a apuração pela área técnica do TCU, podem ser obrigados a devolver o dinheiro aos cofres públicos. Contudo, ele foi citado por ser um dos responsáveis pela distribuição dos trabalhos entre os integrantes da força-tarefa.

Agora, sua participação na proposta de modelo do grupo de trabalho da Lava Jato será analisada. Se vier a ser investigado e punido pelo TCU, Deltan também pode ter sua candidatura questionada na Justiça Eleitoral. A legislação prevê inelegibilidade de quem teve contas rejeitadas pelo TCU por "irregularidade insanável que configure ato doloso [intencional] de improbidade administrativa".

Por meio de sua defesa, Deltan ressalta que "não atuou no pedido ou concessão de diárias dos demais procuradores" e que os pagamentos não tiveram "nada de irregular". Segundo a defesa dele, procuradores-gerais e secretários-gerais do Ministério Público que passaram pelos cargos ao longo dos anos da Lava Jato autorizaram os pagamentos, que foram considerados regulares pela auditoria interna da instituição e pela área técnica do TCU.

Ao comentar o caso, o advogado Alexandre Vitorino disse que a inelegibilidade de Deltan por causa desse processo é “improvável”. “Na tomada de contas, o TCU não verifica dolo dos responsáveis, de acordo com o entendimento do STF”, diz ele.

Em um vídeo publicado na internet no dia 12, Deltan explicou que a Lava Jato exigiu a presença de procuradores de outras partes do país em Curitiba para auxiliar nas investigações – especialistas em cooperação internacional, colaboração premiada, corrupção e lavagem de dinheiro. "Nesse caso, a lei do Ministério Público determina que sejam pagas diárias e passagens para cobrir despesas como deslocamento, moradia e transporte", disse Deltan, acrescentando que eles poderiam receber até 20 diárias por mês, mas concordaram em receber apenas 8 para promover economia aos cofres públicos.

A respeito da sugestão do ministro Bruno Dantas sobre a remoção dos procuradores ser uma alternativa mais viável economicamente, Dallagnol diz que isso não seria possível, pois a remoção – transferência – "precisa seguir uma ordem em que os procuradores mais antigos têm preferência no Ministério Público".

Durante o vídeo, o ex-procurador afirma ainda que o ministro do TCU Bruno Dantas ocupa uma posição política e que bilhões de reais voltaram aos cofres públicos por causa do trabalho realizado pela operação Lava Jato.

"Ainda serão apresentadas as defesas, para só então haver o julgamento pelo Tribunal", disse Deltan. "Confio que o Tribunal vai se ater a uma análise técnica dessa questão".

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