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Procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba
De saída da Lava Jato, Deltan diz que há pressões contra o combate à corrupção no Brasil.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

De saída da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba, Deltan Dallagnol diz fazer um "diagnóstico realista” do cenário de combate à corrupção no Brasil, que ele classifica como a "luta de uma geração". As pressões contra a agenda anticorrupção do país existem e decisões externas à Lava Jato que serão tomadas daqui por diante causam preocupação. Ainda assim, o procurador afirma manter a esperança de que os avanços obtidos até agora serão mantidos e, quem sabe, aprimorados.

“Ao mesmo tempo em que eu faço um diagnóstico realista de que existem pressões contrárias ao combate à corrupção, eu olho para o futuro com a esperança de que a atuação dos brasileiros possa ainda fazer toda a diferença nesse processo histórico civilizatório em que a gente caminha na direção de mais integridade na vida pública, o que é uma luta não de um processo, não de um grupo de procuradores e juízes, não de 6 anos, mas uma luta de uma geração”, diz.

Deltan anunciou que deixará a Lava Jato, na última terça-feira (1º), depois de pouco mais de seis anos, para se dedicar a um tratamento de saúde da filha de um ano. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, o procurador afirmou que ainda há muito trabalho a fazer na Lava Jato e que deixa o grupo em boas mãos — quem vai assumir seu lugar na coordenação da força-tarefa no MPF é o procurador Alessandro Oliveira.

“Mas a gente não pode deixar de atentar para o fato de que o potencial dessa equipe de alcançar resultados será impactado por decisões externas a ela, seja na Procuradoria-Geral da República (PGR), no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no Congresso Nacional”, alerta o procurador.

Para Deltan, os maiores desafios para a Lava Jato vêm de fora da força-tarefa. “O que me preocupa são decisões que vão ser proferidas sobre a prorrogação dos trabalhos da força-tarefa e da exclusividade dos procuradores na sua dedicação à Lava Jato pelo procurador-geral da República”, disse.

O procurador-geral, Augusto Aras, tem até o dia 10 de setembro para decidir se prorroga ou dissolve a força-tarefa da Lava Jato. Ele tem feito ataques à operação e ao modelo de força-tarefa, e tem atuado para a criação de uma Unidade Nacional de Combate à Corrupção (Unac), que substituiria o papel das forças-tarefas no MPF.

“Me preocupam decisões que vão sendo proferidas pelo STF, como a de ontem que trancou a ação penal contra um ministro do TCU. E me preocupam projetos de lei no Congresso Nacional que podem acabar minando a capacidade do sistema de Justiça de alcançar resultados em casos de corrupção”, afirma Deltan.

O agora ex-coordenador julga não ser possível avaliar se sua saída da força-tarefa pode ajudar a diminuir a resistência da PGR em relação à Lava Jato. “Isso depende de qual é a interpretação sobre a razão da resistência da PGR em relação à força-tarefa. Se a resistência for em relação à minha pessoa, especificamente, pode haver uma mudança [de postura]. Se a resistência for em relação ao modelo de força-tarefa ou ao trabalho que vem sendo feito, essa resistência pode continuar”, diz.

Deltan disse, ainda, ter plena confiança no trabalho de seu sucessor. “Eu sou um de 14 procuradores que lá trabalham e estou sendo substituído por um procurador competente, dedicado, experiente e cujo trabalho é reconhecido pelos seus pares”, afirmou.

“Eu acredito que o principal papel que o Alessandro tem na força-tarefa é de seguir sendo uma fonte de otimismo, de estímulo e de inspiração para que as pessoas se mantenham motivadas, engajadas no trabalho apesar de todas as dificuldades que o combate à corrupção enfrenta”, completa o procurador.

Deltan faz balanço de 6 anos da Lava Jato e fala em arrependimentos

Durante a entrevista, Deltan fez um balanço de sua atuação como coordenador da Lava Jato durante mais de seis anos. “Talvez meu principal papel nessa engrenagem seja o de lubrificante, de azeitar o funcionamento disso, de apoiar, estimular, de funcionar como espécie de trampolim para que cada um alcance seu máximo potencial e seja a melhor versão possível de si mesmo em um trabalho como esse. Acredito que minha função de estimular uma visão de propósito, de resiliência e de serviço com excelência foi cumprida”, disse.

O procurador também afirmou que, se fosse possível, faria “algumas coisas de modo que gerassem menos polêmicas” durante seu período como coordenador da Lava Jato. Ele citou como exemplo o caso da tentativa de criação de uma fundação para gerir o dinheiro de uma multa bilionária paga pela Petrobras.

Depois de receber críticas, a força-tarefa recuou da ideia. Dias depois, o STF suspendeu a criação da fundação, atendendo a um pedido da própria PGR, que afirmou ver excessos do MPF do Paraná no episódio.

Deltan afirmou que poderia ter conduzido melhor o episódio. “Embora tenha sido reconhecido como legal em cinco órgãos diferentes, ele [a fundação] suscitou uma série de polêmicas e críticas. Poderíamos ter feito de forma diferente.”

O procurador disse que poderia ter chamado para a elaboração da proposta órgãos como a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU) e a própria Procuradoria-Geral da República.

“Algumas coisas a gente melhoraria. Mas é sempre fácil ser engenheiro de obra pronta”, ressaltou. “Tudo o que fizemos sempre foi com a melhor das intenções, buscando acertar e buscando estar sempre dentro da lei”, garantiu o procurador.

Semelhanças com Mãos Limpas e futuro da Lava Jato

Deltan também falou sobre as semelhanças e diferenças entre a operação Lava Jato e sua versão italiana, a operação Mãos Limpas. “Existe várias semelhanças, mas existe diferenças relevantes”, destacou.

Entre as semelhanças, segundo Deltan, estão a ocorrência de uma reação política do establishment, a substituição da pauta anticorrupção por uma pauta contra alegados abusos do Judiciário e do MP, e uma série de decisões do Congresso que, na visão do procurador, têm efeito de dificultar investigações e processos contra a corrupção.

Mas ele também destaca diferenças importantes. “Até agora não existiu ainda grandes mudanças na lei que esvaziaram as punições, como aconteceu lá [na Itália]. Lá, por exemplo, se descriminalizaram algumas condutas e mudaram regras de prescrição”, pontuou.

“Isso, por enquanto, não aconteceu aqui e é bem possível que não venha a acontecer, porque uma das diferenças fundamentais entre Brasil e Itália é justamente a liberdade de expressão dos procuradores que atuam no caso, que têm a possibilidade de levar questões relevantes para a discussão pública, e a existência de uma pluralidade da titularidade de veículos de informação muito maior do que existia na Itália e ainda a emergência das redes sociais, que permitem uma participação mais intensa dos cidadãos no debate público”, explicou.

Deltan finalizou garantindo que, apesar de deixar a Lava Jato, vai continuar lutando contra a corrupção. “Quando eu digo que vou seguir na luta contra a corrupção como procurador e como cidadão é porque isso que eu gostaria que todo brasileiro fizesse, que sigam lutando como profissionais, como cidadãos contra esse grande problema no nosso país”, diz.

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