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Secretário nacional de segurança pública do Ministério da Justiça concede entrevista exclusiva à Gazeta do Povo
Secretário nacional de segurança pública do Ministério da Justiça concede entrevista exclusiva à Gazeta do Povo| Foto: Ascom / MJSP

Secretário Nacional de Segurança Pública, o general Guilherme Theophillo defende o investimento em inteligência para combater o crime organizado no país. A pasta, que é subordinada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, é responsável pela principal aposta do ministro Sergio Moro para combater a violência, o programa Em Frente Brasil, lançado há duas semanas. “Não estamos reagindo, nós estamos sendo proativos”, diz Theophillo sobre a atuação nas cinco cidades que recebem o projeto-piloto.

O general também avaliou os motivos da redução dos índices de criminalidade no país. "[...] em janeiro, fevereiro o que nós realizamos foi retirar as lideranças criminosas dos presídios estaduais e transferir para os presídios federais." Segundo ele, as ações resultaram na desestruturação de toda a cúpula do PCC, do Comando Vermelho.

O secretário também afirmou que a meta do governo federal é que até o fim do mandato, em 2022, todos os estados do país tenham índices menores de homicídios a cada 100 mil habitantes. “Nós queremos que todos os índices dos estados brasileiros cheguem às metas previstas pela ONU”, diz o secretário de segurança pública. Ele também defende a atuação do ministro. “Nenhum segmento do governo Bolsonaro teve uma reação tão boa quanto a que o ministro Sergio Moro conseguiu dar à segurança pública”, diz o general.

Theophillo também defende um fortalecimento das polícias civis, que segundo ele estão desmotivadas em todo o país. “Nossa polícia judiciária está muito desmotivada, eu comparo ela a uma obra enterrada, porque ela não aparece muito, e nem deve”, diz. “De que adianta ser repressivo se você não chega a punir os culpados?”, completa o general.

Ele também defende políticas moderadas de segurança pública para o país. “Não podemos ser radicais, principalmente quando se lida com segurança pública, com direitos e garantias individuais”, afirma.

O general recebeu a Gazeta do Povo em seu gabinete na última sexta-feira (6) para uma conversa. Veja a íntegra da entrevista:

Há muitas iniciativas do Ministério da Justiça que vão no sentido de combater o crime organizado, principalmente nas fronteiras, que é por onde entra a matéria-prima dessas organizações, drogas, armas, cigarros, e por aí vai. É uma mudança de estratégia em relação a outros programas de segurança?

O ministro Sergio Moro fez um projeto chamado Fronteira Integrada, em que nós temos uma atenção especial com as nossas fronteiras. Estamos fazendo o primeiro Fusion Center do país, que vai ser em Foz do Iguaçu e está sendo apoiado pela hidrelétrica de Itaipu, em um valor de R$ 40 milhões. Já iniciamos a construção e o ministro pretende inaugurar até o final do ano. É o trabalho de todos os órgãos de segurança pública reunidos na fronteira, inclusive as Forças Armadas. Hoje tivemos uma reunião com o general Dahmer, que é responsável pelo Sisfron, que é o sistema de monitoramento e vigilância das Forças Armadas, para integrar o sistema de comunicações, o sistema de vigilância, o sistema de troca de informações na extensão, pelo menos, de Foz do Iguaçu até o final do Mato Grosso do Sul, além de Ponta Porã e depois vamos prosseguir nos principais pontos de entrada, que seriam Corumbá, Cáceres, Guajará-Mirim, Assis Brasil, Brasiléia, Tabatinga, Pacaraima, Bonfim, chegando até o último ponto que é o Oiapoque, na fronteira com a Guiana Francesa.

Nesses pontos nós teremos esses mini Fusion Centers, que é a presença do Governo Federal, do Governo Estadual e Municipal juntos, integrados, no combate aos delitos transnacionais, principalmente a droga, porque estamos vizinhos aos maiores produtores de cocaína e maconha do mundo.

Isso parece muito óbvio, integrar forças de segurança para combater o crime organizado e atuar na fronteira. Por que isso demorou tanto para acontecer?

É óbvio, mas é muito difícil. Cada instituição tem suas peculiaridades, cada órgão estadual, municipal ou federal tem diferentes graus de preparo. Eu estou tendo muita dificuldade em tentar padronizar, porque nós não temos um marco regulatório da Polícia Federal, da Polícia Civil e da Polícia Militar, uma lei orgânica que possa organizar isso. Então, para mim fica muito difícil eu dizer para o governador que ele não pode formar policiais em dois meses. Mas tem governador que forma policiais e joga na rua com dois, três meses, isso é um absurdo. Forma sem ter o armamento. Houve um recente caso no Ceará agora, nós tivemos que doar mil pistolas, a PRF doou para o governo, porque tinha policial formado que não tinha seu armamento.

A Lei Nacional de Segurança Pública, a Política Nacional de Segurança Pública e o Sistema Único de Segurança Pública, que foram uma conquista do [ex-ministro de Segurança Pública] ministro Raul Jungmann, eu faço questão de dizer, em curto espaço ele deixou esse legado para a gente, e nós estamos procurando exigir que se cumpra essas leis. Para que a gente possa ter uma padronização mínima, uma integração mínima, facilitar que os estados nas divisas possam atuar no prosseguimento de uma perseguição a um marginal, a um delito entre as divisas. Isso tem sido muito difícil, mas nós temos feito reuniões constantemente e eu acho que a grande prova dessa integração é uma redução, nos quatro primeiros meses [de 2019], de 23% [dos homicídios]. Nunca se esperou isso. Nenhum segmento do governo Bolsonaro teve uma reação tão boa quanto a que o ministro Sergio Moro conseguiu dar à segurança pública.

Por falar nesta redução, houve uma redução em todos os crimes catalogados no Sinesp [Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública]. A que o senhor atribui isso? Já é uma atuação do Ministério da Justiça?

Sem sombra de dúvida. Eu fiz uma reflexão de quais os itens foram responsáveis por essa redução. Aí eu saí elencando alguns na minha cabeça. Primeiro, em janeiro, fevereiro o que nós realizamos foi retirar as lideranças criminosas dos presídios estaduais e transferir para os presídios federais. Ou seja, a União assumiu a responsabilidade. Dizia-se que há 12 anos tentava-se tirar o Marcola, o líder do PCC do presídio em Prudente, em São Paulo. O ministro [Moro] assumiu isso, executou. Disseram que ia ter uma rebelião, um salve para queimar tudo que era ônibus. Nós nos cercamos de toda segurança possível, Forças Armadas de prontidão, Força Aérea nos ajudando, polícias estaduais, Polícia Federal, Rodoviária, agentes penitenciários do Depen [Departamento Penitenciário]  altamente especializados, montamos um esquema de segurança nunca visto. Realizamos a transferência, não houve nada, não houve reação nenhuma. Desestruturamos toda a cúpula do PCC, do Comando Vermelho. Fizemos isso no Ceará, fizemos isso em Manaus, estamos fazendo em Altamira.

À medida em que os governos estaduais estão pedindo apoio da Força Tarefa de Intervenção Penitenciária, da Força Nacional de Segurança Pública, dos órgãos federais, nós estamos ajudando e junto com essa transferência tivemos essa maior integração, o maior compartilhamento de inteligência, um investimento muito grande em tecnologia. O ministro Moro colocou como objetivo o Banco Nacional de Perfis Genéticos, essa rede integrada do banco de perfis genéticos, que até o final do ano teremos 60 mil coletas.

Esse projeto de lei anticrime que ele já mandou para o Congresso, uma das primeiras realizações, e que endurece o preso. Nos presídios federais ele já acabou com as visitas íntimas. A visita íntima é para presos de bom comportamento, é uma concessão, não é direito do preso. Vamos acabar com essa ideia de presídio motel, de alta rotatividade. O preso é para estar preso. Se for aprovado tudo que o ministro mandou, vamos acabar com essa progressão de pena para todo mundo. Acho que preso tem que estar preso.

Vamos melhorar o entrosamento, que já está muito bom, entre Ministério Público, Judiciário e Polícia Civil, porque um faz a investigação, outro apresenta denúncia e outro julga. Se nós não estivermos muito bem engrenados isso demora muito. Hoje a maioria dos presos são provisório, quando morre muito preso provisório, que nem deveria estar ainda lá, o que falta é essa agilidade no Judiciário de transformar presos em apenados mesmo. Isso tudo está fazendo parte desse conjunto que o país está vendo de uma maneira diferente, que as polícias, o Corpo de Bombeiros, estão trabalhando em conjunto e o resultado foi essa redução. E também a presença dos governadores, dos estados, que têm nos apoiado muito.

O senhor acha que essa integração, o investimento em tecnologia e nova forma de tratar o tema da segurança pública pode ser encarado como um legado a ser deixado pela Senasp?

Nós pretendemos que essa tecnologia, esse investimento no Pró Vida, preocupar em valorizar o profissional que trabalha em segurança pública…a quantidade de suicídio é muito grande, a falta de habitação para eles é muito grande. Então estamos com vários projetos neste sentido, na valorização do profissional de segurança pública, em investimento em tecnologia e na cobrança desta gestão. O Fundo Nacional deu uma moeda de troca muito forte: se não me fornece os dados, eu não repasso dinheiro. Está na lei isso, não fui eu que inventei. Muitos estados não forneciam os dados, as imagens de câmera, os boletins de ocorrência não eram trocados, hoje isso tudo está integrado. Vamos acompanhar o Em Frente Brasil em cinco municípios, ao vivo e a cores, toda hora, com imagens do local. O ministro da televisão dele, eu na minha televisão, posso ver o que está acontecendo em Ananindeua agora, em Paulista, em São José dos Pinhais, posso ver o que está em Cariacica e em Goiânia.

Essa integração, 10 ministérios trabalhando, nós não estamos reagindo, não aconteceu nada lá, nós estamos sendo proativos. Antes que aconteça, estamos entrando nos municípios com maiores índices de criminalidade, com IDH mais baixo, estamos entrando com saúde, com educação, com  saneamento básico, com iluminação pública, com geração de emprego, com tudo que precisa para evitar as causas da violência e não ficar agindo só na consequência, como era o normal. A UPP não deu certo porque era só repressão, é só polícia. E daí? E a falta de creche, a falta de escola? E o médico que não tem segurança de ir na Unidade Básica de Saúde? E a iluminação? Isso é o que estamos trabalhando. A grande diferença do Em Frente Brasil para tudo que aconteceu antes é que estamos também agindo nas causas.

Já houve redução de 23% dos homicídios em quatro meses. Tem uma meta? 

Ontem estivemos reunidos com o ministro Moro e estamos terminando, até o dia 30 de outubro, o Diagnóstico Local de Segurança. São pessoas especialistas, tecnólogos em segurança pública, formados pelo institutos federais em um curto espaço de tempo, para que eles façam um trabalho de campo, que termina agora no dia 30 de setembro, em que ele vai ver ‘aqui está faltando creche, aqui está faltando iluminação, aqui não tem coleta de lixo, esse bairro está isolado, essa comunidade não tem apoio’. Até 30 de setembro eles terminam, até 30 de outubro nós vamos ter os planos locais de segurança pública, e aí ao final disso, já em novembro, pretendo iniciar efetivamente com as metas. Para que eu possa liberar para a imprensa e falar ‘as metas são essas e vocês vão poder acompanhar, junto com a gente, a cada mês, vamos divulgar os boletins’. A partir de setembro, dia 19, o ministro vai percorrer cada município conosco, para ver in loco o que está sendo feito.

Temos reuniões aqui no Centro de Comando e Controle Integrado Nacional, que foi usado nas Olimpíadas. Então essa estrutura dos grandes eventos, estamos aproveitando para fazer o acompanhamento de cada município, de cada estado. Foi um por região porque cada região tem uma realidade diferente.

Essas são as metas do Em Frente Brasil. Tem também uma meta para redução nacional da criminalidade?

Nós queremos que todos os índices dos estados brasileiros cheguem as metas previstas pela ONU. Hoje o único estado que está dentro de um nível europeu e de primeiro mundo é São Paulo, que a cada 100 mil habitantes, tem 8 homicídios violentos. Mas nós temos estados que estão com 40, com 60. Nosso objetivo é que chegue, até o final do governo Bolsonaro, esses estados com maiores índices, até os índices que se não me engano é de 20 a cada 100 mil, que são aceitáveis. Porque 40, 60, são índices de países que estão em guerra civil, como Síria, Afeganistão, Iraque. Então queremos reduzir para índices aceitáveis, que são esses índices previstos pela ONU.

E tem a parte de feminicídio, que precisamos reduzir muito. O feminicídio está muito elevado, acho que somos os maiores do mundo, só deve perder para a África. Hoje a gente está com uma campanha muito grande em cima da violência doméstica, com pesquisas, criei uma coordenadoria aqui de violência doméstica, crimes contra as mulheres. Estamos fazendo um piloto em Goiânia, um levantamento, uma pesquisa em que separamos mil casais que sofreram violência doméstica: 250 a gente trata homem e mulher, 250 a gente trata só a mulher, 250 trata só o homem e 250 não trata ninguém. Para ver onde a gente pode investir mais e onde essa política pública terá o maior resultado. Porque às vezes você vai investir nos dois, mas o problema é o homem, então eu invisto só no homem.

É uma pesquisa que vai embasar uma política pública?

Um programa maior, para se investir. Houve violência doméstica, então vamos tratar só o agressor, porque o resultado vai ser melhor, por exemplo.

Temos visto uma redução significativa nos índices de criminalidade, o governo está atuando nas causas da violência, mas ao mesmo tempo temos visto um clima de barbárie em alguns lugares. Houve um caso de um adolescente chicoteado em um mercado em São Paulo nesta semana. No mês passado, um adolescente foi asfixiado, também em um mercado, no Rio de Janeiro. O que explica essas situações?

Acho que duas coisas que estavam meio largadas, sem fiscalização e um controle maior: a segurança privada e as guardas municipais. A proliferação de empresas que fazem segurança privada é muito grande por causa da violência que nós herdamos. Então estamos chamando, vamos fazer um piloto, também em Goiânia, sobre gestão da segurança privada. Hoje quem tem a responsabilidade de fazer essa fiscalização é a Polícia Federal, mas a PF está sem os efetivos, que estão muito reduzidos. Então estamos trabalhando com a PF para fazer um convênio, até para que determinadas seguranças tenham uma fiscalização maior das Polícias Militares regionais, e passar algumas das funções que hoje a PM gasta muito esforço e energia.

Por exemplo, futebol não é para estar a PM lá dentro, show de grandes cantores não é para estar a PM. Então a empresa privada apresenta um projeto que a PM avalia, dá o ok, ele vai receber o recurso por isso e a PM fiscaliza só a atuação da segurança privada. Porque hoje a segurança privada é só para ficar intramuros. A gente está negociando, está trabalhando para ter uma fiscalização maior sobre a segurança privada, em comércio, como você colocou muito bem, e pegar até as câmeras de monitoramento e isso ficar com a segurança pública. O comerciante colocou, mas aquela imagem ele tem que ceder para a segurança pública, para ver se está tendo uma agressão, um roubo. Eu no meu Centro Integrado de Operações, posso ver o que está acontecendo. Estamos trabalhando para isso.

Já fizemos várias conferências com as guardas municipais, padronizando, estabelecendo uma matriz curricular obrigatória, fazendo um perfil profissiográfico daquele profissional que vai ser contratado para a Guarda Municipal, tirando até a autonomia do prefeito de montar uma guarda de jagunços para ele, não é assim, ele tem que obedecer uma lei, tem um Estatuto da Guarda Municipal, que tipo de arma ele vai usar, qual a munição, qual a finalidade, é guarda patrimonial, é uma auxiliar da Polícia Militar. Isso tudo estamos dando, como a gente diz nas Forças Armadas, uma ordem unida, aliando esse procedimento para que a gente possa ter uma fiscalização maior e evitar exatamente isso que aconteceu, essas barbáries de sufocar ou de chicotear alguém.

Vamos começar um projeto piloto em Goiânia para que a Polícia Militar possa dar o aval, claro que é preciso negociar com a Polícia Federal, nós ainda estamos em negociações e reuniões, porque hoje é responsabilidade da PF. Assim fiscalizamos com maior capilaridade, porque você tem uma delegacia, um quartel da Polícia Militar em todo município, ou uma companhia, um pelotão, um destacamento, mas tem. E a Polícia Federal não tem essa capilaridade.

Nestes casos do Rio de Janeiro e São Paulo, o que aconteceu, além da falta de fiscalização é causado pela situação em que se vinha com a segurança cada vez mais deteriorada e esses profissionais se sentiram no direito de agir daquela forma. É falta de crença na segurança pública?

Acho que é falta de formação. As empresas privadas estavam formando vigilantes sem uma preparação. Não é só dizer, fui e atirei. Tem que saber abordar uma pessoa, saber abordar um cliente, um pouco de conhecimento do direito básico individual, das garantias dos direitos humanos. Falta essa preparação. Faltou o Recursos Humanos estar pronto e apto para aquilo, um teste psicológico para saber se ele tem condições de portar uma arma, ser um pouco mais rigoroso nisso. Até o uso de um cacetete, ele precisa saber que está com uma arma branca na mão e que aquilo pode ferir e chegar até a matar.

Mas esse treinamento falta até em algumas polícias…

O que falta é fiscalização, porque nós tínhamos uma Inspetoria Geral de Polícia Militar (IGPM), que é do Exército Brasileiro, e eu como saí do Exército ano passado posso falar de cadeira, ela perdeu muito a força que ela tinha. Foi dado muita autonomia para os governadores do estado e a IGPM ficou mais só com controlar a dotação do material. Mas nós perdemos o controle de valores, de formação, de interferir nas instruções, de dizer olha, não pode formar em dois meses um policial militar, vocês têm que formar, tem um tempo mínimo.

Isso é falta do marco regulatório, a falta da lei orgânica. Isso tudo deu essa certa flexibilidade e aí caiu um pouco o padrão de formação das Polícias Militares. Você vê, por exemplo, a Brigada Militar do Rio Grande do Sul, não tem mais tenente formado, o elemento já sai capitão. Pode uma coisa dessas? O cara já sai capitão. E aí o tenente? Não, o tenente é o praça, que para valorizar o praça ele chega até a tenente.

Nós temos isso no Exército também, só que o oficial sai aspirante, para que ele seja tenente, para que ele vá para a rua, para que ele pegue experiência, porque o capitão tem uma função de comando, de chefia e administração. Ele vai ser capitão sem ter passado, sem saber o que acontece na ponta da linha. Esse é um caso que eu estou lidando.

A folga, em uns estados é um [dia trabalhado] por três dias [de folga], e em Roraima é um por quatro dias, você trabalha um e folga quatro. Em um estado quebrado como é Roraima. Isso não é culpa do governador, é uma lei estadual que vem lá de trás. Imagine essa diversidade de informação que tem no país inteiro.

A falta de concursos públicos periódicos, aí você vai encontrar outra aberração. Em Amazonas você não tem mais cabo e soldado bombeiro, só tem de sargento para cima. Porque faz tanto tempo que não tem concurso que os cabos, pelo interstício, já foram promovidos a sargento e os soldados a cabo.

Você vai no Rio Grande do Norte, não tem mais tenente, faz tanto tempo que não tem concurso público que a Polícia Militar só tem de capitão pra cima. O básico, o elementar, que é o tenente, que está na rua, não tem.

É difícil, mesmo. Eu estou tentando, estou insistindo, e vou chegar ao final do ano conseguindo isso, pode ter certeza.

O senhor também mencionou as capacitações. Qual é o objetivo dessas capacitações?

É o Programa de Fortalecimento das Polícias Judiciárias. Tem uma diretriz do ministro Sergio Moro que cada estado tem que criar uma delegacia anticorrupção e nós colocamos como critério para repasse do fundo nacional que fosse realizado isso. Estamos formando esses recursos humanos. Foi idealizado aqui pelo delegado Jorge Pontes, da Diretoria de Ensino e Estatístico, esse curso. Ele pegou grandes investigadores, com resultado.

Para ter uma ideia, nós começamos lá atrás com o dr. Paulo Larcerda, que foi diretor-geral da Polícia Federal, que desvendou o caso PC Farias no governo Collor, ele é um palestrante e apresenta esse caso. Depois vem a operação Calicute, que foi o caso do governador Sergio Cabral, no Rio de Janeiro, o delegado que conduziu apresenta como foi feita a investigação, faz-se o estudo de caso com 50 policiais civis daquela capital e do entorno.

Os estados fronteiriços nós estamos fazendo também para que eles sejam multiplicadores, já que não vai dar para passar em todas as capitais. Tem alguns delegados de Polícias Civis que são responsáveis por grandes investigações que tiveram resultados. Ao final de uma semana, a gente dá um diploma.

Normalmente, o ministro Sergio Moro faz a abertura, eu faço uma palestra sobre motivação. Porque nossa polícia judiciária está muito desmotivada, eu comparo ela a uma obra enterrada, porque ela não aparece muito, e nem deve. Aí os governadores não dão tanta importância como dão à PM, compram viaturas, armamentos, é bonito, desfila no Sete de Setembro. E a investigação? De que adianta ser repressivo se você não chega a punir os culpados? Será que o crime não está compensando?

Essa é a nova ideia, a nova gestão que eu quero dar a nossa polícia judiciária, prestigiá-los, valorizá-los, investir em tecnologia, investigação. É o Banco de Perfis Genéticos, o Banco Multi Biométrico, o Banco de Balística, o projeto de rastreabilidade. Agora, no Ceará, descobrimos cinco toneladas de explosivos porque eles foram rastreados pela Polícia Civil e nós conseguimos apreender cinco toneladas que iam explodir novos viadutos, que eu digo, são verdadeiros atentados terroristas. Isso já foi fruto de uma nova polícia judiciária.

Tem um outro projeto da Senasp, o Programa Nacional de Academia de Polícia. Do que se trata?

Nesta parte de recursos humanos e capacitação nós temos três grandes cursos neste ano ainda, estabelecidos em tempo recorde. O ESG [Escola Superior de Guerra], que inicia a partir de 9 de setembro, que é planejamento estratégico. Teremos dois representantes de cada estado, um policial militar e um policial civil, para fazer o curso da ESG.

Depois, teremos o Superior de Inteligência, com a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), no mesmo esquema, dois de cada estado.

E o mais importante, que são dois meses, começa dia 30 de setembro, com a aula inaugural com o vice-presidente da República, em um modelo do FBI. Vamos ter palestrantes internacionais, palestrantes de alto nível como Alexandre Garcia. Chama-se Curso Superior de Polícia e é o embrião da nossa Academia Nacional de Polícia, que também é um objetivo estratégico do ministro Moro que a gente crie até o final do governo, com toda a estrutura nossa, para aperfeiçoarmos nossos policiais militares e civis, e por vezes alguns do Corpo de Bombeiros Militar.

Esse projeto está sendo o mais importante, é um curso que está sendo feito por conta da Senasp e o grande objetivo é formar uma networking com esse pessoal e eles se conhecerem, além do maior preparo com pessoas de alto nível.

E a partir do próximo ano esse curso será aberto para os países vizinhos. Estamos indo na Colômbia agora fechar com a Ameripol, como tem a Europol, Interpol, tem a Ameripol, que a sede é em Bogotá e cujo executivo dela é nosso diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. Vamos aproximar, fazer esse intercâmbio para nós mandarmos alunos para lá e receber gente para fazer nosso curso, um padrão Polícia Federal nosso, que é reconhecido internacionalmente.

O objetivo é formar cada vez mais profissionais… 

Isso. Eu acho que uma coisa que é muito deficiente na segurança pública é o planejamento estratégico. Nessa área de gestão, vão ter palestrantes que trabalharam com grandes licitações, contratos, que a gente nas Forças Armadas tem uma grande experiência. Hoje o que eu acho que falta são grandes planejamentos e planos. Você tem os recursos, mas não sabe como gastar, falta um plano básico, um plano executivo e o estado recebe o recurso e perde oportunidade e nós somos obrigados a recolher recursos de estados que tinham e não gastou.

Tem que ter uma gestão, tem que saber os requisitos do contrato, não é que nós vamos repassar dinheiro. Essa visão de que a Senasp é um grande almoxarifado, eu quero acabar com isso. Aqui não é um depositório de material para ficar dando para os estados, aqui é um depositório de políticas públicas. Se não tiver política pública, eu não posso repassar.

O senhor mencionou o pacote anticrime que foi enviado em fevereiro para o Congresso e até agora não foi aprovado. O senhor acha que há uma má vontade do Congresso?

Não. Acho que as prioridades são outras, o país precisa de uma Previdência, então a prioridade agora é a Previdência, depois a reforma tributária, tem a reforma política. Acho que aos pouquinhos vamos votar o PL anticrime, no momento certo, na hora adequada. Não vejo a demora como algo assim, não. Eu vejo por prioridade.

Hoje o país está atravessando uma crise financeira enorme. Eu fico até com vergonha quando não tenho recurso para nada. E eu acho que a segurança pública, em comparação a isso, eu sempre falo para o presidente, com a saúde e a educação, nós estamos em uma defasagem muito grande e esse tripé segurança, educação e saúde tem que ser priorizado.

Eu herdei todas as secretarias de grandes eventos, choveu dinheiro nesse país. Muita coisa foi feita, mas sem gestão. Agora, só de olhar e recolher material que estava por todo o país eu consegui juntar R$ 43 milhões em material e doar para os estados. Fiz um kit para cada estado com material que ia perder a validade nos depósitos dos estados.

Um dos pontos do pacote anticrime é o excludente de ilicitude. O que o senhor acha desse ponto do pacote?

Eu acho que a virtude está no meio. Nem a extrema direita, nem a extrema esquerda levaram a bons resultados no mundo inteiro. A gente tem que ser muito equilibrado, ter muito bom senso. Eu acho que o policial militar está muito cerceado, acho que o criminoso tem muito direito, acho que criminoso é criminoso e tem que pagar pelo que fez. Acho que o Estado tem sua parcela de culpa, porque se ele decidiu ir para o crime é porque faltou uma educação, faltou uma saúde básica, faltou a família, faltou uma religião. Tudo isso que está faltando agora que o nosso país está sentindo.

Mas que o policial tem que ter um respaldo. Aí vai audiência de custódia, tem uma série de coisas que o policial fica cerceado em sua liberdade de atuar. A própria lei de abuso de autoridade estava, mais uma vez, pressionando a polícia, e não o criminoso.Isso é um cuidado que a gente tem que ter, é a análise que tem que ter. Eu vejo com muita clareza isso.

O presidente falou também em enviar um projeto para dar salvaguarda jurídica para militares envolvidos nas GLOs (Garantia da Lei e da Ordem). Esse projeto está sendo discutido aqui na Senasp, tem alguma estimativa de quando deve ser enviado ao Congresso?

Eu sou contra militar em GLO. Forças armadas não foram feitas para estar em GLO. Garantia da Lei e da Ordem é para Polícia Militar, para órgão de segurança pública. O Exército foi feito para matar. Nós fomos preparados para ir para uma guerra, então quem está do outro lado é inimigo, eu não estou trabalhando com população amiga. Então o soldado militar tem outra cabeça. Tanto é que a Força Nacional que mobilizou alguns reservistas, são os que me dão mais dor de cabeça, porque eles não são preparados para lidar com abordagem. Eles são formatados para a guerra.

A GLO foi um caráter episódico, emergencial e que não deve se repetir. Todas as vezes que chegam para mim e dizem ‘vamos empregar as Forças Armadas’ eu digo ‘não foram feitas para isso’. A Força Nacional está aí para isso, vamos aumentar a Força Nacional, vamos transformar a Força Nacional em uma Guarda Nacional Federal, que já é necessário, para dar esse poder repressivo ao governo federal.

O soldado quando entra, tem esse fator que o presidente diz, o soldado mata uma pessoa em um combate dentro do Morro do Alemão, dentro do Complexo da Maré, e fica respondendo depois que dá baixa sem um respaldo jurídico. Eu, por mim, se comandante do Exército fosse, diria ‘só atuo se for decretado estado de sítio ou estado de defesa’, porque aí eu dou respaldo jurídico. Mas aí começam os convênios que não protegem a ponta da linha. Esse é o problema.

Não é função das Forças Armadas. A gente pode atuar na logística, transportar nos aviões, nos helicópteros, na inteligência e nas comunicações. Mas nunca efetivamente como polícia, porque não somos polícia.

O Rio de Janeiro passou por uma intervenção federal. Qual a sua avaliação do resultado dessa intervenção? O que o senhor acha da política de segurança pública adotada no estado?

Como eu falei, eu era do alto comando na época dessa intervenção. Fui contra, fui voto vencido. Eu disse ‘é uma intervenção política, isso é para não votar a previdência e o tempo não é suficiente para resolver o problema do Rio de Janeiro’. Nós fomos com o intuito só de dar uma gestão melhor à segurança pública, então assumimos a Secretaria de Segurança Pública e a área de intervenção, general Braga Neto, ficou com a parte de segurança total de todo o estado do Rio de Janeiro.

Demos um choque de gestão, houve um aporte de recursos muito grande, estamos até hoje recebendo material da gestão, fizemos licitações bem feitas, com material bem comprado em termos de viatura, de equipamentos, demos uma organização na estrutura toda da segurança pública e saímos, como era previsto, no final de dezembro. O novo governador [Wilson Witzel] assumiu e acabou com tudo que foi feito, até na área de gestão. Acabou a secretaria de Segurança, hoje nós temos um secretário da Polícia MIlitar, um do Bombeiro, um da Polícia Civil, um do Ministério Público, e é um Conselho de Segurança Pública. E o Rio está usufruindo dos frutos dessa boa gestão que teve a intervenção federal, mas acho que precisa dar continuidade ao que foi feito, que acho que não está sendo dado.

O senhor acha que a política de segurança adotada no Rio de Janeiro é uma boa política?

Não vou falar porque a política do governador Witzel, ele tem uma ideia, ele tem uma formação militar, foi fuzileiro naval, em determinados aspectos eu concordo com ele, em determinados eu não concordo e isso é natural em uma democracia. Acho que temos que ter o meio termo, o consenso. Não podemos ser radicais, principalmente quando se lida com segurança pública, com direitos e garantias individuais. A gente tem que ver também a parte de excluídos, dos vulneráveis, tudo isso está dentro desse pacote que o ministro Moro sempre nos fala aqui. Eu comungo com o pensamento do nosso ministro, que é muito centrado, muito equilibrado e eu acho que ele está conduzindo muito bem a segurança pública do governo federal. Cada estado é outra seara que não dá para a gente se intrometer.

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